S�o Paulo, 02 - Em quatro anos, as condu��es coercitivas cumpridas pela Pol�cia Federal se multiplicaram por quatro no Pa�s. Em 2013, antes do in�cio da Lava Jato, a PF registrara o cumprimento de 564 mandados desse tipo. A partir de 2014 - come�o da opera��o -, o total de pessoas acordadas de manh� em casa por agentes federais e levadas para depor em uma delegacia cresceu ano a ano at� chegar aos 2.278 casos registrados em 2016 (aumento de 303,9%).
Os dados foram obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso � Informa��o e englobam todos os mandados cumpridos no Pa�s de 1.� de janeiro de 2013 a 31 de mar�o de 2017. O m�todo est� disseminado por todas as superintend�ncias da Pol�cia Federal no Pa�s.
Apesar de a PF no Paran� ser a que mais usou a condu��o coercitiva no per�odo, a Lava Jato responde por apenas 3,3% das vezes em que a medida foi aplicada a suspeitos e testemunhas. Foram 200 vezes at� 31 de mar�o. Desde 2013, a PF j� cumpriu 6.027 mandados em 2.266 opera��es.
A legalidade da medida � contestada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que entrou com uma a��o de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal (STF). A pol�mica ultrapassou os limites das salas dos cursos de Direito quando o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva foi alvo de uma condu��o coercitiva na 24.� fase da Lava Jato. Desde ent�o, a medida j� atingiu empres�rios, como Joesley Batista, da JBS, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani (PMDB), e at� o pastor Silas Malafaia.
A discuss�o sobre a medida divide o mundo jur�dico, embora a maioria dos especialistas ouvidos pelo Estado diga que o entendimento predominante no Pa�s � o que contesta sua legalidade. Recebe, no entanto, apoio majorit�rio de procuradores e delegados. Esse � o caso do desembargador do Tribunal de Justi�a de S�o Paulo e professor de Processo Penal da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP), Guilherme de Souza Nucci.
Para ele, a quest�o tem duas abordagens. A primeira � quando a condu��o coercitiva � aplicada em testemunhas. �Nesse caso, tanto o C�digo de Processo Penal quanto o de Processo Civil dizem que s� pode haver coercitiva quando a testemunha � intimada, n�o comparece e n�o justifica. O que faz o [juiz S�rgio] Moro? Marca uma audi�ncia e manda buscar na hora. Essa condu��o de testemunha n�o existe, pois n�o se pode decretar a pris�o tempor�ria de uma testemunha. O poder geral de cautela de um juiz � absurdo em processo penal. Processo penal � regido pela legalidade estreita. Um magistrado n�o pode usar o poder geral de cautela para constranger pessoas.�
Poder.
O chamado �poder geral de cautela� � um instrumento previsto no C�digo de Processo Civil para garantir a simplifica��o do processo e uma Justi�a r�pida e eficaz. �N�o vejo veda��o do uso desse instrumento. A condu��o coercitiva � medida menos gravosa. Pelo princ�pio da proporcionalidade, evita-se a decreta��o de medida da pris�o tempor�ria.
Creio que a a��o da OAB pode ser um tiro pela culatra. Se o STF considerar a coercitiva ilegal, o n�mero de pris�es tempor�rias por 24 horas, 48 horas vai subir�, afirmou o procurador da Rep�blica Andrey Borges de Mendon�a, que atuou na Opera��o Custo Brasil, que conduziu coercitivamente o ex-ministro da Previd�ncia Carlos Gabas.
Nucci volta a carga contra a condu��o coercitiva de r�us. �Ele tem o direito de permanecer em sil�ncio. Se ele pode decretar a tempor�ria, ent�o o dever do magistrado � decretar a tempor�ria. N�o se pode barganhar ou criar lei nova.� Mesmo parecer tem a desembargadora Ivana David, do TJ-SP. Por sete anos ela permaneceu � frente do setor respons�vel pela decreta��o de pris�es tempor�rias e quebras de sigilo em S�o Paulo. �A OAB est� certa. O Moro � um juiz maravilhoso, mas a condu��o coercitiva aplicada dessa forma n�o tem previs�o legal. Acho, como cidad�, que uma viatura da PF parar na porta da casa de uma testemunha �s 6h30 � um constrangimento.�
Foi o que aconteceu com o jornalista Breno Altman. �At� hoje minha mulher acorda todos os dias �s 6 horas em raz�o do trauma. A condu��o coercitiva � um processo de tens�o, um processo de intimida��o.� Altman era testemunha quando sua condu��o foi decretada. Mais tarde foi denunciado, mas acabou absolvido por Moro.
Ilegalidade.
Para o procurador do Minist�rio P�blico de S�o Paulo M�rcio S�rgio Christino, a condu��o coercitiva � uma forma de priva��o da liberdade que extrapola a previs�o legal. �Nunca a usei dessa forma�, disse o procurador, que se especializou no combate � criminalidade organizada.
Para Nucci, o que explica o crescimento do uso das condu��es coercitivas no Pa�s �� a impunidade�. �O Moro come�ou e n�o foi punido. Ent�o todos os ju�zes disseram: tamb�m posso. Est� um descalabro isso.� Para ele, em tese, os magistrados que concederam coercitivas de testemunhas �deviam ser processados por abuso de autoridade�. �Mas n�o vai dar em nada, que todos v�o alegar aus�ncia de dolo, mas que daria para punir todo mundo daria.�
Os especialistas s�o un�nimes em afirmar que, caso as condu��es coercitivas sejam consideradas nulas pelo Supremo, o preju�zo para as investiga��es deve ser pequeno. Isso porque, em tese, essa decis�o afetaria somente aquele depoimento tomado sob condu��es e n�o o restante dos processos em que elas est�o inseridas.
�nica a��o. A Superintend�ncia da Pol�cia Federal de Roraima foi a segunda institui��o que mais usou condu��es coercitivas no Pa�s de 2013 a 2017, ficando atr�s apenas da Superintend�ncia da PF em Curitiba. Ao todo, 522 pessoas foram conduzidas coercitivamente pelos federais naquele Estado da Regi�o Norte ante 568 que sofreram a mesma medida no Paran�.
A opera��o recordista de condu��es coercitivas em um mesmo dia ocorreu em 20 de novembro de 2014, em Rond�nia. Os agentes da Opera��o Plateias cumpriram 158 mandados em um dia durante a investiga��o de desvio de verbas p�blicas.
O segundo maior n�mero de condu��es coercitivas (146) foi registrado na Opera��o Warari Koxi, em 7 de maio de 2015, em Roraima, contra garimpo ilegal. No Paran�, a opera��o com maior n�mero de condu��es coercitivas foi a Carne Fraca, em mar�o. As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Marcelo Godoy)