
"Grande parte da classe pol�tica (est�) � espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de pris�o."
Deltan Dallagnol, coordenador da for�a-tarefa da Opera��o Lava-Jato, afirma que as rea��es de pol�ticos acuados pelas investiga��es v�m de tr�s formas: a tentativa do governo de enfraquecer institui��es, como a Pol�cia Federal, ataques aos instrumentos de investiga��o, como a colabora��o premiada, e o esvaziamento das puni��es, com propostas de anistia. Essa, a "mais descarada".
Na �ltima quarta-feira, dia em que o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva foi condenado a 9 anos e seis meses de pris�o, pelo juiz federal S�rgio Moro, Dallganol recebeu a reportagem, no QG da Lava-Jato, em Curitiba, para uma entrevista exclusiva.
Na sala de reuni�es da for�a-tarefa, onde s�o negociadas as dela��es premiadas da Lava-Jato, Dallagnol fala dos ataques � opera��o, a carga de trabalho por vir, sobre a necessidade do fim do foro privilegiado e da necessidade de apoio popular para que o esc�ndalo Petrobr�s n�o siga o mesmo destino da Opera��es M�os Limpas, na It�lia.
LEIA A �NTEGRA DA ENTREVISTA
A Lava-Jato em Curitiba acabou ou caminha para o fim?
Existe um mundo de corrup��o para ser investigado. Puxam-se penas e n�o v�m apenas galinhas, mas granjas inteiras. O n�mero de fases da opera��o diminuiu em 2017, mas isso n�o decorre da falta de mat�ria-prima ou de linhas de investiga��o e sim de outros fatores, como da falta de m�o de obra na Pol�cia Federal. Al�m disso, muitas frentes de investiga��o esbarraram no foro privilegiado e hoje uma parte da energia de nossa equipe � investida em semear outras investiga��es pa�s afora.
Quando se faz um acordo de colabora��o como o da Odebrecht, s�o investidos meses de trabalho que permitem revelar milhares de crimes, mas apenas uma parcela disso fica em Curitiba.
H� muito o que se investigar no esc�ndalo Petrobras?
H� centenas de pessoas sob investiga��o e novas linhas de trabalho n�o param de surgir. H� �reas da Petrobr�s em que a apura��o ainda est� amadurecendo, como a de comunica��o e a de servi�os terceirizados. A equipe su��a est� em pleno vapor e investiga mais de mil contas e menos de metade desse material foi encaminhado ao Brasil. O crescimento dos pedidos de coopera��o internacional da Lava Jato de 183, em mar�o, para 279, hoje, mostra a intensifica��o do interc�mbio para a produ��o de provas.
H� todos os desmembramentos da Odebrecht que ficaram em Curitiba - s� a� perto de 50 investiga��es. In�meras a��es c�veis contra a corrup��o est�o pendentes, inclusive contra partidos pol�ticos. Bancos poder�o ser chamados a responder por preju�zos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior. H� casos pendentes envolvendo diversas empreiteiras, Belo Monte, Pasadena… Enfim, ningu�m aqui pode reclamar de falta de trabalho.
O fim de um grupo espec�fico da Lava-Jato na PF prejudica as apura��es?
No governo atual, enquanto a for�a-tarefa de procuradores cresceu, a Lava Jato na Pol�cia Federal foi sufocada. Basta ver que s� uma das �ltimas 6 fases da Lava Jato partiu da pol�cia. O n�mero de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o n�cleo de trabalho que se dedicava exclusivamente � investiga��o fosse dissolvido. A dissolu��o acaba com a especializa��o do conhecimento, o que prejudicar� a efici�ncia e os resultados. Al�m disso, impede o controle social sobre o quanto a equipe est� ou n�o estruturada e se est� investindo para que as apura��es avancem.
Veja-se que, recentemente, num per�odo de dez dias, a Lava Jato recuperou quase R$ 1 bilh�o, quando a regra � que investiga��es no Brasil n�o recuperem nenhum centavo. Se queremos que corruptos respondam pelos crimes e o dinheiro volte pra sociedade, � preciso manter os esfor�os de investiga��o.
A pol�cia se comprometeu a reestruturar o grupo de trabalho exclusivo, mas isso depende de receber mais delegados para a Lava-Jato.
A Lava-Jato vive a fase mais atribulada com o avan�o das investiga��es contra pol�ticos?
Apenas a dela��o da Odebrecht colocou sob suspeita quase um ter�o dos senadores e dos ministros e quase metade dos governadores. Vemos grande parte da classe pol�tica � espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de pris�o.
A rea��o vem de tr�s formas. A primeira � o enfraquecimento das institui��es. Exemplo disso � o sufocamento da Pol�cia Federal. Tentou-se isso tamb�m por meio de projetos de abuso de autoridade que abrem a porteira para a puni��o de autoridades que agem dentro da lei. A segunda � um ataque aos instrumentos de investiga��o, como a colabora��o premiada. A terceira � a mais descarada, o esvaziamento das puni��es, que se tentou com o projeto da anistia. Eles n�o v�o parar. � preciso que a sociedade continue os parando.
A Lava-Jato criou um Estado de Exce��o?
S� no sentido de que a responsabiliza��o dos corruptos � uma exce��o no Brasil. Os r�us da Lava Jato t�m os melhores advogados, as decis�es da Lava Jato s�o questionadas em tr�s tribunais independentes e ainda assim h� uma avalanche de decis�es confirmando a regularidade das investiga��es. A verdade � que se queremos um Pa�s onde impere a lei, um verdadeiro Estado de Direito, os poderosos devem responder por seus atos. Contudo, injusti�as hist�ricas e arraigadas n�o ser�o rompidas sem uma gritaria dos poderosos.
O professor da FGV Caio Farah afirmou recentemente o caso mais parecido com a Lava Jato, conceitualmente, � o Brown v. Board of Education. Nele, em 1954, a Suprema Corte norte-americana julgou inconstitucional a segrega��o racial em escolas p�blicas. A realidade da segrega��o conflitava com a regra constitucional de igualdade debaixo da lei.
Aqui tamb�m a corrup��o sist�mica viola as no��es mais elementares da constitui��o de nossa na��o. O poder � delegado pelo povo para que governantes o exer�am em favor do interesse p�blico, mas os corruptos usurpam o poder em benef�cio pr�prio. Por ser um uso do poder de modo absolutamente ileg�timo, o fil�sofo John Locke chegou a chamar a corrup��o sist�mica de uma forma de tirania.
Nos Estados Unidos, foi o engajamento da sociedade, para al�m das institui��es, que conseguiu vencer, em grande medida, a injusti�a social. � nossa responsabilidade, como sociedade, fazer o mesmo por aqui.
O foro privilegiado vai acabar no Brasil?
Torcemos que o projeto aprovado no Senado, que restringe o foro a poucas pessoas no Pa�s, seja examinado logo pela C�mara, mas duvido que isso aconte�a por raz�es �bvias. Al�m disso, aguardamos ansiosamente que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes devolva para vota��o o julgamento que tende a restringir a extens�o do foro privilegiado. Essa � a melhor chance.
As dela��es premiadas, que sustentaram a expans�o da Lava-Jato, vive seu momento de ataques mais agudos. As dela��es n�o v�o parar?
Existe uma longa fila de candidatos � colabora��o. A realiza��o dos acordos depende de uma s�rie de fatores, como o potencial de expandir as investiga��es, a for�a das provas apresentadas, a verossimilhan�a das informa��es quando comparadas ao que j� � sabido, o quanto � poss�vel ou prov�vel que se alcan�asse o mesmo resultado sem o acordo nos desdobramentos naturais da apura��o, a atualidade do esquema criminoso, o potencial danoso dos crimes revelados, o n�mero e a import�ncia dos agentes implicados na estrutura das organiza��es criminosas etc.
Os acordos continuam e continuar�o sendo um mecanismo da investiga��o. Jamais como um ponto de chegada, mas como um �timo ponta p� inicial.
O que o delator precisa fazer para obter imunidade total numa investiga��o?
O ideal � punir integralmente todos os criminosos por todos os crimes, mas em regra isso n�o � poss�vel quando se trata de corrup��o. A dela��o segue uma l�gica negocial. Se bate � porta uma pessoa que jamais foi investigada e informa ter provas de crimes muito graves e totalmente novos, mas condiciona sua colabora��o � imunidade, uma decis�o precisa ser tomada. � melhor punir os demais criminosos e ressarcir a sociedade, dando imunidade ao colaborador, ou n�o punir ningu�m? Para se entender um acordo, deve-se ter em mente qual era a alternativa que cada parte tinha � celebra��o do acordo.
� claro que, normalmente, a realidade � mais complexa do que o exemplo que dei e o desfecho depende das alternativas dispon�veis no caso concreto. A regra � que os benef�cios dados ao colaborador devem ser os m�nimos poss�veis dentro do que a negocia��o permita alcan�ar. Como resultado, em geral, a redu��o da pena varia na propor��o do quanto a colabora��o contribui para a investiga��o e a sociedade, tomando em conta fatores como aqueles apontados em resposta � sua pergunta anterior.
Muitos setores que antes apoiavam a Lava-Jato, desembarcaram ou mesmo mudaram de lado. O senhor sente que as investiga��es foram usadas para ajudar a destituir o governo Dilma?
Quando os investigados s�o pol�ticos, seus oponentes passam a fazer uso pol�tico dos fatos descobertos. A recente condena��o de Lula � um exemplo. Correligion�rios alegaram que n�o h� provas e opositores afirmaram que h� provas abundantes. Voc� acha que a maior parte deles est� realmente preocupada com qual � a verdade sobre os crimes julgados? J� as investiga��es s�o t�cnicas, imparciais e apartid�rias. O �nico compromisso do Minist�rio P�blico e do Judici�rio � com a justi�a, mas n�o h� como impedir o uso pol�tico das informa��es e provas.
Infelizmente, para alguns, o combate � corrup��o foi apenas um pretexto para afastar o governo anterior e, agora, buscam defender o presidente Temer e impedir que seja julgado pelo Supremo pelos grav�ssimos crimes de que foi acusado. A bancada do governo, nesse contexto, trocou v�rios integrantes da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a em seu af� para proteger o presidente Temer. Ali, o argumento se inverteu: para governistas, a acusa��o n�o tem provas; para oposicionistas, est� muito bem fundamentada.
O senhor acha que a Lava-Jato vai melhorar a �tica p�blica no Pa�s ou s� aumentar a tens�o entre Judici�rio, Executivo e Legislativo?
A resposta a essa pergunta depende de uma vari�vel que n�o controlamos, que � a rea��o da sociedade. Se queremos reduzir os �ndices de corrup��o, � preciso ir al�m da Lava Jato, que � apenas um primeiro passo. S�o necess�rias reformas pol�tica e no sistema de justi�a, para come�o de conversa. Para trazer uma maior conscientiza��o sobre essa necessidade, escrevi o livro A Luta Contra a Corrup��o. N�o foi porque estava sobrando tempo. O objetivo foi contribuir para que a popula��o possa exercer uma cidadania mais consciente nesse momento cr�tico para a hist�ria brasileira. A corrup��o incomoda todos n�s e vivemos a grande chance brasileira de enfrentar esse problema.
O cen�rio atual fez a Lava-Jato ficar mais perto ainda da M�os Limpas?
Na M�os Limpas, surgiu uma pauta pol�tica de projetos de lei contra a corrup��o, mas os pol�ticos habilmente a substitu�ram por uma pauta contra supostos abusos dos procuradores e ju�zes. Vimos isso acontecer aqui, quando foram votadas as 10 Medidas Contra a Corrup��o, as quais foram desfiguradas e substitu�das por um projeto supostamente contra abusos de autoridade, mas que na pr�tica dificulta a investiga��o leg�tima de pessoas poderosas. Al�m disso, na It�lia se avan�ou para esvaziar as investiga��es e as puni��es. Ou a sociedade dobra os corruptos, ou os corruptos continuar�o colocando o Pa�s de joelhos. � preciso recuperarmos nossa dignidade e isso passa por puni��o dos corruptos, renova��o pol�tica e reformas.