Bras�lia, 26 - A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), C�rmen L�cia, disse ao jornal
O Estado de S. Paulo
que a revis�o do foro privilegiado para parlamentares favorece a Lava Jato e defendeu as tr�s outras medidas consideradas fundamentais pela for�a-tarefa para o �xito da opera��o: dela��o premiada, pris�es preventivas e execu��o de pena ap�s condena��o em segunda inst�ncia. Nenhuma delas � unanimidade no STF. Alertou contra excessos. �Em nome do combate � corrup��o n�o se pode atropelar a Constitui��o nem a lei.� Alvo de ataques pelo desempate no julgamento que delegou ao Legislativo autorizar ou n�o a suspens�o de mandatos, C�rmen admitiu que seu voto foi �extremamente conturbado� e fez uma autocr�tica: �N�o consegui dar clareza ao princ�pio de que n�o se pode romper a separa��o de Poderes�. E ironizou os deputados do Rio que tentaram soltar tr�s colegas: �Confundiram para confundir�.
Estado:
A vota��o sobre o foro privilegiado foi, de certa forma, um reencontro do Supremo com a opini�o p�blica?
C�rmem L�cia:
Pode ter sido um reencontro, mas por coincid�ncia, porque ele n�o foi pautado por isso. J� vinha desde maio, teve um pedido de vista, foi liberado agora no final de setembro e imediatamente coloquei na pauta porque � importante.
Estado:
O decano Celso de Mello antecipou voto para ratificar a maioria expressiva, quebrando o Fla-Flu do STF. Foi um recado para a sociedade?
C�rmem L�cia:
Quanto mais os ministros estiverem afinados num tema, mais a jurisprud�ncia tende a permanecer e fortalecer o STF. Isso passa seguran�a. Com 6 a 5, uma mudan�a de ministro pode gerar nova jurisprud�ncia.
Estado:
A revis�o do foro vai resolver todos os males da Justi�a brasileira?
C�rmem L�cia:
N�o, um juiz de primeiro grau n�o resolve tudo, mas muda a forma e pode ser mais r�pido na presta��o da jurisdi��o. Numa Rep�blica, todo mundo tem de ser julgado pelo juiz natural. Voc� n�o pode, j� no artigo primeiro da Constitui��o, ter estabelecido a Rep�blica, que tem na igualdade o seu fundamento, e depois desigualar.
Estado:
A revis�o do foro n�o pode gerar uma enxurrada de questionamentos?
C�rmem L�cia:
Todos os casos que v�m a ju�zo t�m alguma d�vida e toda nova lei gera perplexidade na interpreta��o, na forma de aplica��o. Se vierem d�vidas, e n�o acho que ser�o tantas assim, ser�o resolvidas e, dentro de pouco tempo, isso vai chegar a um consenso.
Estado:
Para pol�ticos, � melhor um julgamento por 11 ministros, ao vivo, ou por um juiz que ele conhece, sem holofotes?
C�rmem L�cia:
O importante � a garantia da igualdade, para o pol�tico e para quem n�o � pol�tico. N�o se deve presumir que o juiz fica vulner�vel � press�o ou � presen�a ali e o Minist�rio P�blico tem que ficar alerta, questionar, recorrer.
Estado:
A revis�o do foro privilegiado favorece ou prejudica a Lava Jato?
C�rmem L�cia:
Favorece, porque faz com que aquilo que � relativo � Lava Jato seja julgado de maneira mais r�pida e separa o que diz respeito a mandato, o que n�o diz, o que � anterior, o que n�o �. Portanto n�s teremos maior celeridade. Os processos da Lava Jato precisam ser julgados. A sociedade espera uma resposta, quer para condenar, quer para dizer que determinadas pessoas sejam absolvidas. � preciso que se julguem os crimes de corrup��o, que ningu�m suporta mais.
Estado:
Diante da exaust�o com a corrup��o, os fins justificam os meios?
C�rmem L�cia:
A corrup��o precisa ser combatida e a lei, cumprida. Em nome do combate � corrup��o n�o se pode atropelar a Constitui��o nem a lei.
Estado:
N�o � importante concluir logo o julgamento do foro? Precisava de vista?
C�rmem L�cia:
� importante concluir. O ministro Dias Toffoli tem direito � vista, mas tenho certeza de que vai dar a celeridade necess�ria para que isso volte imediatamente.
Estado:
Com processos migrando para a primeira inst�ncia, � hora de tirar das turmas e devolver as mat�rias penais contra parlamentares para o plen�rio?
C�rmem L�cia:
O plen�rio tem um n�mero enorme de processos aguardando, com grande import�ncia para o Pa�s. No julgamento da a��o penal 470 (mensal�o) foram praticamente quatro meses, com tudo paralisado. Ent�o, � preciso que a gente realmente s� leve ao plen�rio aquilo que seja conflitante nas turmas. Tudo o mais n�o precisa.
Estado:
O julgamento sobre a execu��o de pena ap�s condena��o em segundo grau est� entre suas prioridades?
C�rmem L�cia:
Sou a favor da execu��o ap�s decis�o de segunda inst�ncia e tudo o que � importante para o Pa�s � priorit�rio, mas j� h� decis�es consolidadas sobre isso e colocar de novo em pauta pode n�o ter urg�ncia. Talvez por isso o ministro (Marco Aur�lio Mello) n�o tenha ainda liberado.
Estado:
Sem a pris�o em segunda inst�ncia, continua a protela��o eterna?
C�rmem L�cia:
Esse � um problema. N�o d� para manter um sistema feito para que se possa protelar para sempre a finaliza��o e o Judici�rio n�o dar uma resposta a isso. Diante de evid�ncias de que a pessoa se vale do direito para litigar indefinidamente, o Poder Judici�rio deve usar os instrumentos de que disp�e para dar uma resposta.
Estado:
E as pris�es preventivas?
C�rmem L�cia:
Pris�o preventiva � sempre fundamentada, n�o vejo abuso nenhum.
Estado:
A dela��o premiada � tida como fundamental para a Lava Jato, mas h� quem, at� no STF, defenda a revis�o.
C�rmem L�cia:
A colabora��o premiada � um instituto que veio pra ficar e � da maior significa��o. N�o se consegue investigar e apurar dados de uma organiza��o sem algu�m l� de dentro.
Estado:
O excesso de benesses da dela��o da JBS foram um ponto fora da curva?
C�rmem L�cia:
Talvez tenha sido, mas lei nova precisa ser interpretada e n�o combatida. E o pr�prio ex-procurador geral (Rodrigo Janot) pediu a revis�o.
Estado:
Mas depois de um estrago enorme que atingiu o presidente da Rep�blica.
C�rmem L�cia:
� uma li��o. Eu n�o sou do MP, mas, diante de fatos graves que agridem a sociedade inteira, imagino que a tend�ncia seja buscar a apura��o a qualquer custo. Nesse caso, o custo foi alto mesmo. Mas � preciso que todos sejam investigado diante de determinados relatos.
Estado:
Janot lan�ou uma n�voa de suspeitas sobre ministros do STF ...
C�rmem L�cia:
Mandei of�cio para a PGR e para a Pol�cia Federal e espero que deem uma solu��o imediatamente. N�o pode pairar nenhuma gota de d�vida sobre a correi��o, a licitude dos atos de ministros do STF ou de qualquer juiz. At� o fim de dezembro, quero uma solu��o.
Estado:
O STF e a senhora sofreram desgaste com a decis�o das medidas cautelares para parlamentares. Doeu?
C�rmem L�cia:
Claro que n�o � bom. � ruim n�o tanto o desgaste, mas n�o ter ficado claro o resultado. N�o consegui dar clareza ao princ�pio de que n�o se pode romper a separa��o de poderes e que cabe ao Legislativo manter ou n�o a decis�o judicial de suspender o mandato, como acontece desde sempre em caso de pris�o.
Estado:
Para a opini�o p�blica, o STF abriu m�o de seu poder para o Legislativo e saiu enfraquecido.
C�rmem L�cia:
O STF pode ter sa�do at� mal compreendido e enfraquecido, para usar sua express�o, a partir dessa m� compreens�o, mas sai fortalecido no sentido de que n�s mantivemos a compreens�o majorit�ria de que a Constitui��o estabelece os tr�s Poderes como base de uma Rep�blica democr�tica. A opini�o p�blica queria que a decis�o do STF valesse independentemente das consequ�ncias para o outro poder, mas o STF fez o que tinha de fazer, como determina a Constitui��o, que enaltece o mandato para garantir a soberania do voto popular.
Estado:
Presidentes do STF t�m de agir politicamente, al�m de juridicamente?
C�rmem L�cia:
T�m a obriga��o de pensar no que � bom para o Brasil.
Estado:
Ou seja, evitar crises?
C�rmem L�cia:
Evitar crises, n�o. Resolver crises. Mas n�o pode deixar de raciocinar tecnicamente. O voto que eu apresentei rapidamente, de forma extremamente conturbada, �s 22 horas, n�o tem nada de pol�tico, nem poderia ter, at� porque o racioc�nio pol�tico de partidos eu nem tenho.
Estado:
A Alerj usou o STF para soltar deputados. A decis�o das medidas cautelares abriu uma Caixa de Pandora?
C�rmem L�cia:
N�o. N�s discutimos o que n�o era pris�o e l� havia pris�o. Uma coisa n�o tem nada a ver com a outra.
Estado:
Misturaram as coisas?
C�rmem L�cia:
Ou por inadvert�ncia ou por alguma raz�o que eu n�o sei explicar, confundiram para confundir mesmo. Confundiram com vontade.
Estado:
O STF pagou o pato?
C�rmem L�cia:
N�o aceita pagar o pato, n�o. Exige que se respeite a decis�o dele nos termos que foi dada. N�s discutimos que medidas cautelares diversas da pris�o s�o aplic�veis a todos. Nada a ver com a pris�o, portanto.
Estado:
O julgamento do STF valeu apenas para parlamentares federais?
C�rmem L�cia:
Sim. Est� na ementa.
Estado:
E os conflitos no STF?
C�rmem L�cia:
S�o compreens�es de mundo diferentes e n�o h� que se falar em que o diferente seja advers�rio ou inimigo, porque sen�o n�s n�o conseguimos construir consensos.
Estado:
H� tend�ncia de desqualificar as pessoas do ponto de vista moral?
C�rmem L�cia:
Isso � muito preocupante, porque n�o se convive harmonicamente numa sociedade em que todo o diferente seja imoral, �mprobo. Nos espa�os virtuais, se destr�i uma vida em cinco minutos. � preciso resistir a isso, porque o diferente � que nos abre para as mudan�as e transforma��es.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S.Paulo
(Eliane Cantanh�de e Rafael Moraes Moura)