Rio, 16 - Favelada. Essa foi a primeira identidade de Marielle Francisco da Silva - a Marielle Franco -, que a ganhou no dia em que nasceu, em 27 de julho de 1979. A crian�a ia morar no Morro do Timbau, no Complexo da Mar�, um aglomerado de 16 favelas, com Ant�nio, seu pai, e Marinete, sua m�e.
At� os 16 anos foi a condi��o de favelada que determinou suas escolhas e seu cotidiano. S� mais tarde, Marielle iria reivindicar e compreender dois outros tra�os fundamentais para sua vida: ser mulher e negra. Marielle teve forma��o crist� - era cat�lica. Aos 16 anos, atuava na Pastoral da Juventude como catequista na comunidade.
Com 17 anos, come�ou a ir a bailes funk. "Era adolescente da favela, que curte baile, torcida, farra, fugir da igreja para ir pro baile", contou. Ganhou at� o concurso de Garota Furac�o.
Concluiu o ensino m�dio estudando � noite em um col�gio p�blico. Deu-se conta ent�o de que n�o tinha bagagem para seguir adiante com os estudos e cursar uma faculdade e, por isso, acabou no curso pr�-vestibular comunit�rio da Mar�.
Foi ali que Edson Dias, diretor da ONG Redes da Mar�, a conheceu. Ele era seu professor de Hist�ria. "Ela era uma pessoa muito engajada nos problemas da Mar�", afirmou. Como a maioria das meninas da favela - ela dizia - engravidou. Tinha 18 anos, quando acrescentou outra identidade �quelas com as quais nasceu: a de m�e solteira.
Para cuidar de Luyara, hoje estudante de Educa��o F�sica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), teve de largar os estudos. "Porque mesmo com minha m�e ajudando, n�o tinha como deixar; o foco era cuidar da crian�a e n�o tinha ali um pai presente que assumisse as responsabilidades."
Trabalhou como educadora em uma creche e, dois anos depois, retomou os estudos no mesmo curso pr�-vestibular. Foi ali que a viol�ncia urbana come�ou a mudar sua vida, quando uma amiga foi atingida por uma bala perdida durante um confronto entre a pol�cia e bandidos - o Morro do Timbau � dominado por traficantes do Terceiro Comando Puro.
Entrou na Pontif�cia Universidade Cat�lica (PUC), do Rio, onde obteve uma bolsa de 100%. Foi l� que percebeu que n�o dava para ter uma vida que se resumisse � "trabalho-casa-casa-trabalho" e, de vez em quando, um "vamos � praia". Marielle queria mais. "Precisava de mais", disse.
Foi na mesma �poca em que o debate sobre a seguran�a no Rio conheceu o slogan: "N�o quero meu dinheiro no caveir�o, quero meu dinheiro na educa��o". Art�fice dessa campanha, era outro professor de Hist�ria - Marcelo Freixo -, personagem importante para a trajet�ria seguinte de Marielle, na qual acrescentaria �s suas identidades outras duas: a de cientista social e a de militante pol�tica.
"A Marielle comprava todas as brigas que tinha de comprar. Ela representava aquilo que muito brasileiro quer na pol�tica: era uma mulher negra, que nasceu na favela da Mar�, era feminista e tinha todas as bandeiras importantes da valoriza��o da vida. Eu tinha muito orgulho dela", disse Freixo.
Marielle formou-se em Ci�ncias Sociais na PUC e fez mestrado em Administra��o P�blica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com uma disserta��o sobre as Unidades de Pol�cia Pacificadora (UPPs). Fez campanha para Freixo, eleito em 2006. Passou a trabalhar como assessora do deputado, na Comiss�o de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, onde acompanhava casos de viola��es de direitos humanos, como as praticadas por milicianos e policiais.
Apadrinhada por Freixo, elegeu-se vereadora pelo PSOL em 2016, com 46.502 votos - a quinta maior vota��o no Rio. Seu gabinete - ela dizia - era um lugar para o debate do g�nero, da favela e da negritude. Apresentou 116 proposi��es e 16 projetos de lei, como o que garantia acesso ao aborto nos casos previstos em lei e o que abria as creches no per�odo noturno para pais que trabalham � noite. Era presidente das Comiss�o de Defesa da Mulher. Estava casada com Monica, a primeira mulher que beijou, sua "companheira de vida e de amor".
Sua irm�, a professora de Ingl�s Anielle Silva, de 33 anos, disse que Marielle n�o estava sendo amea�ada. "Ela estava muito tranquila."
As identidades de Marielle marcaram sua milit�ncia at� o fim. "Quem matou a Marielle achando que ia calar a Marielle, a transformou num s�mbolo e vai fazer com que muitas Marielles brotem nas pra�as p�blicas deste Pa�s", reagiu Freixo. A filha Luyara foi no mesmo caminho: "Mataram a minha m�e e mais 46 mil eleitores! N�s seremos resist�ncia porque voc� foi luta! Te amo". As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Marcelo Godoy, Priscila Mengue, Juliana Di�genes e M�rcio Dolzan)