A menos de tr�s meses de deixar o cargo, o governador do Rio, Luiz Fernando Pez�o (MDB), confessa que gostaria de "dar um abra�o" no ex-governador S�rgio Cabral, companheiro de partido e de grupo pol�tico que cumpre pena por condena��es da Lava Jato.
Pez�o Admite que seu antecessor teve "falhas" e n�o nega que ele tenha cometido crimes, mas se recusa a atribuir a crise do Rio ao saque dos cofres do Estado promovido pela suposta quadrilha que teria sido chefiada por seu padrinho pol�tico. Pez�o reconhece que Cabral mostrava um padr�o de vida "elevado", mas afirma que a crise do Rio teve outras causas.
"O que quebrou o Rio foi (a queda das cota��es internacionais do) o petr�leo, a Lava Jato, a queda da economia, tudo junto", disse o governador , em entrevista ao Estado concedida antes do primeiro turno das elei��es.
Ele contou que tamb�m gostaria de visitar outro amigo preso pela Lava Jato, o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), trancafiado na Superintend�ncia da Pol�cia Federal em Curitiba. Mostrando-se aliviado por deixar o governo sem atrasos dos sal�rios dos servidores e com obras em andamento, Pez�o lembrou o agressivo c�ncer linf�tico que enfrentou. "Meu corpo virou uma geleia, n�o tinha um m�sculo", declarou. "Fa�o fisioterapia tr�s vezes por semana para recuperar."
Foram quatro anos de turbul�ncia. Que avalia��o faz de seu governo?
Foi muito intenso e dif�cil. Peguei o barril (do petr�leo) a US$ 115 em abril de 2014 e no final de 2015 estava a US$ 28. Ficou 14 meses assim, e depois um ano a US$ 32. As pessoas falam 'o Rio � dependente do petr�leo'. Claro, o petr�leo est� aqui. S� com o petr�leo perdemos R$ 9 bilh�es por ano. A m�dia de crescimento do Brasil em 16 anos foi de 1,9%, 2%, e pegamos -8% em quatro anos, menos R$ 40 bilh�es na receita, incluindo royalties. A ind�stria naval, a automobil�stica, sider�rgica, constru��o civil, hot�is, metalurgia... Parou tudo.
Em 2014 n�o era poss�vel prever que isso poderia acontecer?
Pega as previs�es. Todo mundo dizia que o barril ia US$ 130. Ningu�m falava desse cen�rio, nenhum economista. O Brasil tinha visto com a (ent�o presidente) Dilma (Rousseff) crescimento de 2%, 3,%; com o Lula tinha sido 7,5%. A economia despencou, e aqui foi pior. A cadeia de petr�leo � toda aqui. Em 2014, in�cio de 2015, a gente tinha o dobro da taxa de empregos, a melhor renda per capita de regi�o metropolitana do Pa�s.
O senhor entra para a hist�ria como o governador da fal�ncia do Rio, que atrasou sal�rios. Como acredita que ser� lembrado?
N�o estou preocupado com isso. Quem faz ajuste fiscal n�o pode se preocupar com popularidade. Minha doen�a foi forte. Sa� da licen�a e fui direto para o Congresso criar uma lei que n�o existia. Se n�o fosse minha determina��o, n�o tinha recupera��o fiscal. Fiquei 29 dias enfiado em Bras�lia direto. Quando ia votar, Cabral foi preso. Deu 15 dias, Adriana (Ancelmo, mulher de Cabral) preso. Mais 15 dias, Tribunal de Contas todo preso. Um clima horroroso. N�s aderimos a essa lei e em um ano colhemos frutos. Atingimos meta de tr�s anos em apenas um, com corte de despesa, aumento de receita, redu��o de incentivos e a volta do petr�leo. Agora tem cinco ou seis Estados tentando aderir. J� conseguimos reduzir mais de 19 mil funcion�rios. Parecia imposs�vel.
Os servidores passavam fome e culpavam o senhor todo dia no notici�rio
O maior sofrimento meu, como filho de trabalhadores, de aposentados, foi n�o poder pagar um sal�rio de R$ 1.000. � uma dor imensa. Eu sofria 24 horas por dia.
Tamb�m ficou sem sal�rio?
Sim, por tr�s meses. Fui o �ltimo a receber, fiquei com conta virada. O dinheiro que tinha depositado a vida inteira eu gastei na minha doen�a. O plano de sa�de cobriu s� uma parte.
Como est� de sa�de hoje? Acredita que a situa��o do Estado de certa forma contribuiu para seu adoecimento?
Tomo muito rem�dio. A minha dose de cortisona foi cavalar. Meu linfoma d� muito em jovem de 25 anos. Fiz um tratamento de jovem tendo 63 anos. A (ex-presidente) Dilma (Rousseff, que tamb�m teve c�ncer) ia me visitar e dizia que n�o aguentava 60 miligramas de cortisona. O Lula queria se atirar do pr�dio com 80 miligramas. Eu tomei 200 miligramas cada aplica��o. Minha glicose ficou 500 um ano, depois 350 (o valor de refer�ncia dos pr�-diab�ticos � 100 miligramas de a��car por decilitro de sangue). Meu corpo virou uma geleia, n�o tinha um m�sculo. Fa�o fisioterapia tr�s vezes por semana para recuperar. Fiquei nove meses afastado e os m�dicos n�o queriam de jeito algum que eu voltasse, diziam que o estresse � a porta de entrada do c�ncer. Contrariei todas as orienta��es, minha mulher, meu filho...
Diante disso, chegou a pensar em renunciar?
Longe de mim. Era quest�o de honra voltar e botar tudo em dia.
Como avalia a postura dos candidatos � sua sucess�o de cr�tica ao plano de recupera��o fiscal?
Eles n�o conhecem, n�o estudaram o plano. S� posso interpretar assim. Uma pessoa que vai se sentar aqui e vai ter dois anos sem bloqueio e sem arresto, a d�vida jogada para frente... N�o vai passar o que eu passei. O pr�ximo pode passar o mandato inteiro e poder se reeleger sem pagar d�vida. Eu estou pagando d�vida que era do (ex-governador Anthony) Garotinho (mandato de 1999 a 2002). Ele renegociou por 30 anos.
O senhor aposta no estudo do especialista em contas p�blicas Raul Velloso de capitaliza��o do fundo de Previd�ncia dos servidores como um pulo do gato para o ajuste fiscal?
� vi�vel, e vou apresentar, com a anu�ncia de quem for me suceder. S�o ideias criativas de capitaliza��o de recursos da Previd�ncia. Quero tentar aprovar depois das elei��es. N�o d� pra ter 66% do funcionalismo se aposentando com 50 anos de idade.
As Unidades de Pol�cia Pacificadora foram uma bandeira da sua elei��o e est�o tendo um fim melanc�lico. Como avalia o programa?
Vejo com tristeza. Eu particularmente acho a UPP uma boa pol�tica. A crise econ�mica prejudicou muito, s� deu para pagar a folha da seguran�a p�blica, e muito mal. As pessoas pedem pra continuar. Eu sempre pedi ajuda federal. N�o vejo como combater esse crime que temos hoje, tr�s fac��es e mil�cia, o Primeiro Comando da Capital tentando entrar de vez em quando, s� com Pol�cia Militar e Pol�cia Civil.
A interven��o federal na seguran�a fez 7 meses e os homic�dios explodiram...
A interven��o reduziu os roubos de carga, a transeuntes. Homic�dio � pela presen�a maior de policial na rua. O enfrentamento est� acontecendo.
A pol�cia mata cada vez mais...
Est� reagindo. Mataram muitos policiais. A gente n�o pode achar natural.
Seis meses depois, n�o se sabe quem matou a vereadora Marielle Franco (PSOL). N�o � uma vergonha?
� muito dif�cil (desvendar o crime), foram profissionais que fizeram. Est� sendo utilizado o que temos de melhor na pol�cia.
A Lava Jato contribuiu para a fal�ncia do Rio?
Atingiu muito. Estou com R$ 600 milh�es para terminar as obras do metr� da G�vea, 56% pronto, porque tem a��o do Minist�rio P�blico e do Tribunal de Contras do Estado que impede de pagar empresas que est�o na Lava Jato.
E a pris�o de parte da elite da pol�tica do Rio, Cabral, Jorge Picciani (ent�o presidente da Assembleia Legislativa), todos do seu partido. Isso teve peso tamb�m, n�o?
Sempre dificulta, o ambiente pol�tico ficou carregado. � superdesagrad�vel. Mas a gente est� vendo que outros Estados est�o come�ando a passar pelo que o Rio passou.
Qual o futuro do MDB no Rio?
Vai se sair bem (nas elei��es), fazer um bom n�mero de deputados. MDB � assim mesmo, enverga, mas n�o quebra. Existe crise em todos os partidos no Brasil.
Como recebeu a not�cia da pris�o do Cabral?
Fiquei chateado, triste.
As pessoas que conviviam com ele j� disseram que os sinais exteriores de riqueza eram incompat�veis com a renda e o pr�prio j� admitiu que "exagerou". O senhor n�o percebeu o que estava acontecendo?
Uma coisa que ele sempre dava impress�o, e eu sempre conversava, � que ele tinha um padr�o de vida elevado. Ele dizia que era tudo do escrit�rio (de advocacia) da esposa, que tinha uma grande clientela dentro do Estado, os maiores.
Posi��o que conseguiu ajudada pelo cargo do marido...
Mas a� n�o sou que vou julgar. N�o sou eu que vou falar: "para de fazer isso".
N�o era claro o conflito de interesses dessas contrata��es do escrit�rio (por concession�rias e prestadoras de servi�o ao Estado)?
N�o eram clientes em a��es contra o Estado. Eu n�o vou entrar nesse detalhe, n�o estou aqui pra julgar e condenar as pessoas. O que n�o falta no Brasil � �rg�o fiscalizador e para julgar. Tem em excesso.
O senhor era secret�rio, vice-governador, o "tocador de obras" do governo Cabral, respons�vel pelo PAC, sendo que s� no PAC das Favelas e na moderniza��o do Maracan� ele foi condenado a 12 anos de pris�o. A popula��o tem dificuldade de acreditar que o senhor n�o sabia de nada.
Eu fazia o contato com a Dilma na Casa Civil, ficava dentro das comunidades, fazia audi�ncias p�blicas, corria atr�s de dinheiro. Eu n�o tinha esse relacionamento de ficar olhando se cobrou comiss�o. Tem diversos depoimentos da Odebrecht, da Carioca Engenharia, todas as pessoas falando abertamente de mim. Eu coordenei o PAC. Tem zero irregularidade. Com o Maracan�, o Arco Metropolitano, o metr�.
Em nenhuma obra teve pagamento de propina ent�o?
Eu era secret�rio de obras. Temos um or�amento paradigma, que � o que o Tribunal de Contas da Uni�o aceita. Em todas essas obras estamos dentro do or�amento- aradigma. O TCU aceita com mais 5%, menos 5% do valor. Temos obras que estamos com menos 3%. Tem coisas estapaf�rdias do TCE, que disse que numa obra de R$ 9 bilh�es n�s superfaturamos R$ 3 bilh�es. Isso n�o existe. Temos toda a defesa pronta, com �rg�os atestando. Tenho muita tranquilidade.
N�o foi poss�vel perceber que Cabral vivia de forma incompat�vel com a renda?
Eu vou me preocupar com isso? � a vida dele. Eu vou saber quanto o escrit�rio da mulher dele est� ganhando?
As condena��es v�o a 100 anos de cadeia. Acha mesmo que ele n�o fez nada irregular?
Em nenhum momento falei isso. A Justi�a achou as falhas dele. Estou falando que as obras que a gente fez est�o dentro de todos os par�metros.
O senhor j� refutou a dela��o que o coloca como um benefici�rio do esquema atribu�do a Cabral. Como se prepara para enfrentar isso na Justi�a, sem foro privilegiado?
J� entrei na primeira lista da Lava Jato, e infelizmente as pessoas n�o deram destaque ao arquivamento. Investigaram minha vida toda, quebraram meu sigilo, meu e da minha esposa, e fui absolvido por seis a zero. N�o tenho problema, minha vida est� aberta.
A sociedade credita a fal�ncia do Estado n�o s� � depend�ncia do petr�leo, mas tamb�m ao esquema de corrup��o atribu�do ao ex-governador Cabral. Como responde a isso?
Imagina! Nosso d�ficit � de R$ 20 bilh�es! N�o vou minimizar o que aconteceu. Mas os n�meros mostram: o que quebrou o Rio foi o petr�leo, a Lava Jato, a queda da economia, tudo junto. Agora vou entregar bem. Isso me gratifica, por ter lutado. Sem d�vida, os fornecedores com 2018 em dia.
O que o senhor sente neste momento?
Um al�vio grande. Com 36 anos de pol�tica, eu estava arrasado. Sofria, chorava, engordei... Uma tristeza. E a doen�a junto. Mas me deu uma for�a muito grande para fazer a lei. Ningu�m acreditava que conseguiria, n�o � algo trivial. Dos 46 deputados federais do Rio, 26 votaram contra; dos tr�s senadores, dois foram contra. E conseguimos passar a lei com 312 votos. Foram quatro anos em que a gente conseguiu entrar nas favelas, fazer apartamentos, saneamento, obras que eram um sonho do Rio h� muito tempo. O saldo foi muito positivo.
Como ser� seu 2019?
Vou ficar um per�odo em Pira� (cidade no interior na qual nasceu), depois volto para o Rio para procurar emprego. N�o sei se encerrei na pol�tica. Se n�o tivermos reforma eleitoral, n�o volto. Cheguei muito longe para quem saiu de uma cidade com 15 mil eleitores. Foi muito angustiante, quero descansar um pouco e cuidar da minha sa�de, que ainda tem muitos problemas. S�o 12 tumores na coluna e tenho que tomar conta desses bichinhos.
Qual a primeira coisa que vai fazer ao por os p�s para fora do Pal�cio?
Botar uma sunga debaixo do terno e ficar na praia uns 30 dias. Eu e minha mulher. Vou dirigir meu carro e sumir.
Vai visitar Cabral na pris�o?
Tenho vontade. Mas tenho limita��es jur�dicas, porque tem processo em que a gente est� junta. Tenho vontade de v�-lo e lhe dar um abra�o.
E o Lula?
Gostaria, se tiver autoriza��o. Eu me dou muito bem com ele, apesar de ele n�o ter me apoiado.
POL�TICA