
"Aqui somos totalmente informais", avisou Steve Bannon sentado na ponta da mesa de jantar, enquanto pelo menos cinco funcion�rios vestidos de preto serviam �gua e vinho aos presentes e substitu�am os pratos de salada pelo menu principal. O convidado de honra do jantar oferecido pelo ex-estrategista de Donald Trump na �ltima sexta-feira � noite, em Washington, era o brasileiro Olavo de Carvalho. Os dois se conheceram um dia antes, em Virg�nia, quando o americano decidiu visitar aquele que d� suporte ideol�gico ao governo de Jair Bolsonaro, do qual � um entusiasta.
Curioso sobre o Brasil, Bannon abriu as portas da "embaixada", como chama a casa em que vive numa rua atr�s da Suprema Corte americana, a doze convidados. A maior parte era acompanhantes do pr�prio fil�sofo. O jornal O Estado de S. Paulo acompanhou o encontro. Ele aproveitou que Olavo de Carvalho, que mora a cerca de tr�s horas dali, j� estava na capital dos EUA, convidado por integrantes do Departamento de Estado americano, para uma conversa off the records durante a tarde de Sexta.
O grupo de Olavo se mostrava entusiasmado por ter sido recebido no s�timo andar do Departamento de Estado, considerado o das altas autoridades da diplomacia americana. Segundo eles, os americanos concordaram "genuinamente" com o que o fil�sofo falou. Bannon disse que isso era um sinal de mudan�a, pois o time de Am�rica Latina do Departamento de Estado, durante a administra��o Obama, era o setor do governo mais "tolerante" com o "marxismo cultural" - a express�o comum a Olavo e seus alunos.
A aproxima��o com Olavo j� era ensaiada por Bannon h� alguns meses, desde que ele se encontrou com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, ainda no per�odo de campanha eleitoral. Steve Bannon esteve por tr�s da estrat�gia de campanha de Trump e ret�rica nacionalista que ajudou o republicano a chegar � Casa Branca. Nos �ltimos dois anos, ele tem fomentado l�deres e movimentos nacionalistas e de populismo de direita pelo mundo.
O americano tece elogios ao vice-premi� da It�lia e ministro do Interior, Matteo Salvini, e ao primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, faces do novo populismo nacionalista europeu, ambos acusados de xenofobia. Apesar de n�o ter trabalhado na campanha de Bolsonaro, o estrategista americano n�o esconde o entusiasmo com o presidente brasileiro. Bannon tamb�m integrou o conselho da Cambridge Analytica, a consultoria acusada de acessar e usar indevidamente dados de milhares de usu�rios do Facebook para disseminar mensagens que ajudaram Trump a se eleger em 2016.
'O cara de Chicago'
No jantar, Bannon, como se entrevistasse Olavo de Carvalho, quer saber dos rumos do governo Bolsonaro e transparece preocupa��o com o quanto o "cara de Chicago" pode atrapalhar o avan�o de uma agenda nacionalista no Pa�s. O cara � o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Os planos de privatiza��o de Guedes, que � oriundo da escola neoliberal do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, chocam com pontos defendidos por Bannon. Uma das fric��es � a rela��o do Brasil com a China, criticada abertamente pelo fil�sofo brasileiro e por Bolsonaro. O presidente j� defendeu em alguns momentos a tese de que os chineses est�o "comprando o Brasil".
Para falar sobre o Brasil, Olavo de Carvalho se reveza na fala com Gerald Brant, executivo do mercado financeiro em Nova York, respons�vel pela ponte com Bannon. Brant diz, como algu�m que atua no setor, que a Bolsa de Valores tem reagido bem ao governo eleito: "O mercado ama o Bolsonaro".
Bannon rebate: "O mercado financeiro ama o capit�o Bolsonaro, mas eles amam mais a Escola de Chicago", e pergunta se Olavo conseguiria exercer influ�ncia sobre o ministro. O fil�sofo faz sinal negativo com a cabe�a.
Ao ouvir que Bolsonaro � um patriota e saber do slogan de governo, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", Bannon avalia: "Eu amei isso, amei isso".
Influ�ncia
Olavo de Carvalho, que rejeita os r�tulos de "ide�logo" ou "guru" do governo Bolsonaro, mostra no jantar a interlocu��o que tem com o novo governo e escuta quieto quando um de seus filhos ou Gerald Brant falam sobre os cargos no governo federal ocupados por "amigos" ou ex-disc�pulos do fil�sofo. Entre eles, o do ministro de Rela��es Exteriores, Ernesto Ara�jo, um dos principais seguidores do pensamento de Olavo no Planalto. "Ele � um sonho que se tornou realidade", define Brant, ao explicar para Bannon que o ministro v� Trump como um ponto de "salva��o" do Ocidente.
Durante o jantar, eles discutem sobre as diverg�ncias dentro do governo. Para o grupo, as cr�ticas internas ao pilar ideol�gico � criada pela imprensa que, na opini�o deles, "tenta criar intriga todos os dias".
Imprensa
Bannon j� esteve � frente do Breitbart News, um site considerado a voz da ultradireita americana, e critica a imprensa tradicional. Ele n�o pergunta como � a cobertura jornal�stica feita no Brasil antes de partir do pressuposto de que a m�dia � contra Bolsonaro, e questiona: "� uma quest�o de ideologia ou � porque vende mais jornal?"
Eles emendam a conversa sobre os "riscos" da chegada da CNN ao Brasil. Nos EUA, o canal � cr�tico a Trump. Bannon � c�tico sobre o canal ter apenas licenciado o uso da marca sem aplicar diretrizes da CNN americana. Para o ex-estrategista de Trump, a ida ao Brasil � uma tentativa de conter Bolsonaro. Olavo pondera que Bolsonaro pode se decepcionar com a CNN, indicando que o presidente n�o v� no novo canal uma amea�a.
Filosofia
Na segunda metade do jantar, que durou duas horas e meia, Bannon quis saber o que Olavo de Carvalho ensina e no que consiste a filosofia do brasileiro. Olavo pediu ajuda aos outros para explicar. Quando toma a palavra, critica o fato de as universidades colocarem "textos acima dos problemas filos�ficos". "Todos esses fil�sofos para mim s�o instrumentos para resolver os problemas filos�ficos", diz, e define sua filosofia como "a unidade do conhecimento na unidade da filosofia e vice-versa". Seu filho e um dos alunos comentam: "Perfeito, isso diz tudo". Sil�ncio na mesa.
O americano quer saber qual o m�todo de aulas de Olavo, qual o tamanho do seu "pelot�o" e como o curso avan�a. O curso avan�a em espiral, diz Olavo. Bannon insiste que � preciso ter um m�todo para chegar a algum ponto concreto e diz: "� aqui que divergimos". Olavo responde que o m�todo � "a honestidade intelectual", confessar o que se sabe e o que n�o se sabe. "Quando voc� pergunta o m�todo, me faz pensar o que acontecia antes de algu�m definir o que era a palavra m�todo. � isso que o professor nos ensina", diz um dos alunos.
O Olavo presente � mesa com Bannon � sereno, sem palavr�es ou tom de voz elevado nas redes sociais e em entrevistas. Diz que quer fazer com que seus alunos saibam que s�o inteligentes e que entendam o que est� acontecendo.
Ap�s idas e vindas e duas x�caras de caf�, Bannon se distrai com a chegada de outras pessoas � casa. �s 20h30, o anfitri�o anuncia que "Olavo e a fam�lia ter�o uma longa viagem a Virg�nia" e, assim, declara encerrado o encontro.