O decreto presidencial publicado nesta ter�a-feira, 11, exonerando todos os onze peritos do Mecanismo Nacional de Preven��o e Combate � Tortura (MNPCT) "� inconstitucional e fere uma s�rie de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro". O entendimento � da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidad�o (PFDC), bra�o do Minist�rio P�blico Federal, e foi encaminhado, por meio de uma representa��o � procuradora-geral, Raquel Dodge. As informa��es foram divulgadas pela Assessoria de Comunica��o e Informa��o da Procuradoria do Cidad�o.
A sugest�o � para que uma argui��o de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) seja enviada para an�lise pelo Supremo. O documento � assinado em conjunto com a C�mara do Minist�rio P�blico Federal de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional.
O Decreto 9.831, de 10 de junho de 2019, alterou o Decreto 8.154/2013 e passou a estabelecer que a participa��o no Mecanismo Nacional de Preven��o e Combate � Tortura "ser� considerada presta��o de servi�o p�blico relevante, n�o remunerada".
Para a Procuradoria, ao criar uma esp�cie de "trabalho volunt�rio", a medida inviabiliza a preven��o e o combate � tortura - em contrariedade ao fundamento vetor do Estado Democr�tico de Direito, que "� a dignidade da pessoa humana".
No conjunto de argumentos, que n�o se restringe a uso exclusivo pelo Minist�rio P�blico Federal, a Procuradoria destaca que "o Brasil, nacional e internacionalmente, tem o compromisso de efetivar, da forma mais eficaz poss�vel, a preven��o e o combate � tortura e a outros tratamentos desumanos ou degradantes". Para tanto, deve contar com mecanismos nacionais, os quais devem ter a garantia da independ�ncia funcional e de seu pessoal.
"Com esse prop�sito � que foi editada a Lei 12.847/2013, instituindo o Sistema Nacional de Preven��o e Combate � Tortura e criando os respectivos Comit� e o Mecanismo no �mbito da administra��o p�blica federal."
De acordo com a Procuradoria do Cidad�o, o Decreto 9.831 "afronta a literalidade e o esp�rito da Lei 12.847/2013, ofendendo os princ�pios da legalidade e da separa��o de poderes".
A Procuradoria assinala que os decretos t�m por fun��o disciplinar a execu��o da lei, ou seja, explicitar o modo pelo qual a administra��o operacionalizar� o cumprimento da norma legal.
"Quando muito, o decreto pode aclarar conceitos jur�dicos ou preencher um preceito normativo de conte�do abstrato, cuja densifica��o foi intencionalmente delegada pelo legislador ao Poder Executivo", destaca.
"Mas, mesmo nesses casos, um decreto n�o pode alterar o objetivo da norma legal, bem como ampliar ou reduzir sua abrang�ncia - que � o que ocorre com o Decreto 9.831/2019", aponta a Procuradoria.
O dispositivo impugnado altera substancialmente o sentido do artigo 8.� da Lei 12.847, que � disciplinar o Mecanismo Nacional de Preven��o e Combate � Tortura "em conformidade com o Protocolo Facultativo � Conven��o contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cru�is, Desumanos ou Degradantes, pois, ao inv�s da independ�ncia dos peritos, mediante remunera��o adequada, investe no voluntarismo".
Ainda de acordo com a Procuradoria, a medida "tem o efeito perverso da possibilidade de gerar insufici�ncia de peritos, na eventualidade de volunt�rios serem em n�mero inferior � composi��o legal do MNPCT (onze membros), tamb�m aqui afetando a sua miss�o convencional e legal".
Independ�ncia
O �rg�o do Minist�rio P�blico Federal observa que a conforma��o do MNPCT est� em absoluta conformidade com as diretrizes constantes do Protocolo Facultativo. "Donde se conclui que a independ�ncia dos peritos �, tamb�m na lei, um imperativo."
"A ado��o de padr�es de preven��o � tortura, mediante a implanta��o de mecanismos nacionais integrados por peritos independentes e, por isso, com remunera��o adequada, que realizem visitas permanentes a espa�os de priva��o de liberdade, � um imperativo a um s� tempo de ordem constitucional e de direito internacional, e est� centrado na perspectiva de que as obriga��es de direitos humanos s�o de natureza acumulativa e progressiva, com proibi��o permanente de retrocesso", ressalta o documento.
No texto, a Procuradoria lembra ainda que o Brasil tem, na atualidade, a terceira maior popula��o carcer�ria do mundo, atr�s apenas de Estados Unidos da Am�rica e China. Segundo dados do Conselho Nacional de Justi�a, s�o mais de 600 mil presos em todo o Pa�s.
Considerando apenas o per�odo mais recente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou medidas provisionais para as seguintes institui��es: Complexo Penitenci�rio de Curado, Instituto Penal Pl�cido de S� Carvalho, Complexo Penitenci�rio de Pedrinhas e Unidade de Interna��o Socioeducativa (UNIS).
"O Mecanismo Nacional de Preven��o e Combate � Tortura, desde sua primeira miss�o, vem identificando pr�ticas de tortura e de tratamento cruel, desumano e degradante em todas as unidades visitadas. Seus relat�rios, sempre com metodologia conhecida, s�o minuciosos na descri��o. Certamente, � o �xito dessa atua��o, e n�o o seu fracasso ou o seu baixo resultado, a raz�o das altera��es agora promovidas na remunera��o de seus peritos", afirma a Procuradoria.
O Mecanismo Nacional de Preven��o e Combate � Tortura � composto por 11 especialistas independentes, que t�m como prerrogativa a visita e identifica��o de viola��es de direitos humanos em institui��es de priva��o de liberdade - tais como centros de deten��o, estabelecimentos penais, hospitais psiqui�tricos, abrigos para idosos, unidades socioeducativas ou centros militares de deten��o disciplinar.
Em conjunto com o Comit� Nacional de Combate � Tortura, o �rg�o atende a compromisso internacional assumido pelo Estado brasileiro em 2007, com a ratifica��o do Protocolo Facultativo � Conven��o Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cru�is, Desumanos ou Degradantes da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU).
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