Acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de estar agindo "a servi�o de alguma ONG", o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Os�rio Galv�o, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que ficou escandalizado com as declara��es que, para ele, parecem mais "conversa de botequim".
Galv�o, que dirige o instituto desde setembro de 2016, se manifestou na manh� deste s�bado sobre os coment�rios feitos na sexta por Bolsonaro em caf� da manh� com a imprensa estrangeira. Na ocasi�o, o presidente questionou os dados fornecidos pelo Inpe sobre as taxas de desmatamento da Amaz�nia e disse que eles s�o mentirosos.
"Se toda essa devasta��o de que voc�s nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amaz�nia j� teria sido extinta, seria um grande deserto", disse Bolsonaro.
"A quest�o do Inpe, eu tenho a convic��o que os dados s�o mentirosos", afirmou. "At� mandei ver quem � o cara que est� a frente do Inpe para vir se explicar aqui em Bras�lia, explicar esses dados a� que passaram na imprensa", disse. "No nosso sentimento, isso n�o condiz com a realidade. At� parece que ele est� a servi�o de alguma ONG, que � muito comum."
As declara��es do presidente ocorreram um dia depois de a imprensa destacar que dados do sistema Deter-B, do Inpe, que faz alertas em tempo real de focos de desmatamento para orientar a fiscaliza��o, mostraram que a �rea perdida de floresta at� meados deste m�s j� � a segunda maior da s�rie hist�rica, medida desde 2015.
Na quinta, os alertas indicavam um desmatamento de 981 km? neste m�s de julho. Nesta sexta, �s 19h, conforme observado pelo Estado, o n�mero j� tinha saltado para 1.209 km? e atingiu o valor mais alto de perda em um m�s desde 2015. � tamb�m 102% maior do que o observado em julho do ano passado, que viu uma perda de 596,6 km?.
Os alertas dispararam nos �ltimos meses. Em junho, a perda, de acordo com o Deter, foi de 932,1 km?, contra 488,4 km? em junho do ano passado. Em maio j� tinha sido de 738, 4 km?, contra 550 km? em maio de 2018.
Galv�o optou por n�o responder na pr�pria sexta para primeiro "arrefecer o estado de �nimos", mas hoje deu sua posi��o. "A primeira coisa que eu posso dizer � que o sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da Rep�blica n�o pode falar em p�blico, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez coment�rios impr�prios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceit�veis n�o somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ci�ncia desse Pa�s", afirmou.
"Ele tomou uma atitude pusil�nime, covarde, de fazer uma declara��o em p�blico talvez esperando que pe�a demiss�o, mas eu n�o vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Bras�lia para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos", continuou o engenheiro, que iniciou a carreira no Inpe em 1970, fez doutorado em F�sica de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e � livre-docente em F�sica Experimental na USP desde 1983.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Como o sr. responde �s cr�ticas do presidente?
A primeira coisa que eu posso dizer � que o sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da Rep�blica n�o pode falar em p�blico, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez coment�rios impr�prios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceit�veis n�o somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ci�ncia desse Pa�s. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe s�o mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo � institui��o.
Qual � o papel do Inpe hoje no Brasil?
O Inpe permitiu ao Brasil ser o terceiro pa�s do mundo a receber imagens de sat�lite para monitoramento de desmatamento, do Landsat. Come�amos isso em meados da d�cada de 70. �amos a reuni�es internacionais que s� tinham Brasil, Canad� e Estados Unidos. O Inpe tem credibilidade internacional inatac�vel. O presidente Bolsonaro n�o entende que n�o somos n�s que fornecemos os nossos dados para a imprensa. Os nossos alertas de desmatamento s�o fornecidos ao Ibama. Isso come�ou ainda na gest�o da ministra Marina Silva (2003-2008) por demanda do pr�prio Minist�rio do Meio Ambiente. Os dados s�o acessados pelo Ibama na nossa p�gina na internet. Est�o abertos para todo mundo, todo mundo pode verificar. S�o publicados em revistas cient�ficas internacionais. Temos mais de mil cita��es pelos nossos dados, qualquer um pode testar. Ent�o chamar de manipula��o � uma ofensa inaceit�vel. Mais do que o ataque que ele me fez, eu me sinto muito chateado pelos colegas do Inpe, que sempre teve pesquisadores de renome internacional, como o professor Carlos Nobre, que em 2016 ganhou o pr�mio internacional Volvo pela defesa da Amaz�nia. Este ano, em junho, o doutor Antonio Divino Moura, coordenador do Centro de Previs�o do Tempo e Estudos Clim�ticos (CPTEC), do Inpe, ganhou o equivalente ao pr�mio Nobel de meteorologia da Organiza��o Meteorol�gica Mundial (OMM). N�o teve uma carta de congratula��es nem do presidente nem do ministro de Ci�ncia e Tecnologia. O presidente n�o tem no��o da respeitabilidade que os dados do Inpe e que os pesquisadores do Inpe t�m. � uma ofensa o que ele fez.
E sobre os ataques ao senhor?
Fiquei realmente aborrecido, porque na minha opini�o ele fez comigo o mesmo jogo que fez com Joaquim Levy (que pediu demiss�o do BNDES ap�s tamb�m ser criticado em p�blico por Bolsonaro). Ele tomou uma atitude pusil�nime, covarde, de fazer uma declara��o em p�blico talvez esperando que pe�a demiss�o, mas eu n�o vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Bras�lia para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos. Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ci�ncias, n�o vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele est� fazendo.
N�o � a primeira vez que os dados do Inpe s�o questionados. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, j� tinha dado declara��es assim no come�o do ano. Houve um encontro do governo com voc�s para entender como o Inpe funciona?
Eles nunca fizeram uma cr�tica objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Ricardo Salles fazia essas cr�ticas por falta de conhecimento. H� tr�s semanas mandei um of�cio para o Minist�rio da Ci�ncia e Tecnologia falando que pol�micas n�o ajudavam em nada o Brasil, inclusive com rela��o � repercuss�o internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunica��o com o ministro Ricardo Salles, com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Seguran�a Institucional), para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa que havia. Mandei para o ministro Marcos Pontes, mas acho que ele estava viajando. Porque quero tirar dessa pol�mica algo que ele sempre declarou, que a quest�o (dos dados) do desmatamento da Amaz�nia � uma quest�o cient�fica e n�o pol�tica e ele sempre demonstrou confian�a nos dados do Inpe.
E os alertas do Deter de fato mostram que vem ocorrendo uma alta na perda da floresta?
O Deter � um sistema de alerta. N�s levantamos esses dados para o Ibama agir. E uma vez por anos divulgamos os dados do Prodes, esses sim s�o os dados realmente consolidados do desmatamento do ano. Mas a margem de acerto do Deter � de 95%. Quando o Deter anuncia o crescimento do desmatamento, provavelmente o Prodes vai mostrar que foi isso mesmo que ocorreu. E o desmatamento vem crescendo nos �ltimos tr�s anos. O sistema do Deter foi solicitado pela ent�o ministra Marina Silva e com base nele ela e os demais ministros foram capazes de agir e o desmatamento teve um decr�scimo substancial entre 2004 e 2012.
Mas este m�s de julho j� tem o valor mais alto desde 2015. Isso surpreende?
O resultado deste m�s de julho sim nos surpreendeu, mas lembre-se que o desmatamento da Amaz�nia � sempre mais intenso na �poca seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declara��es do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que n�o vai mais ter puni��o. A� as pessoas est�o reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou.
O presidente insinuou que o sr. poderia estar a servi�o de ONGs. O que o senhor responde sobre isso?
Como sou um cientista, n�o respondo. Um grande pr�mio Nobel em F�sica uma vez falou que certas respostas n�o devem ser dadas porque s�o t�o absurdas que n�o est�o na natureza. N�o vou responder a ele e ele que me chame pessoalmente e tenha coragem de me dizer cara a cara isso.
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