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Estado de Minas ENTREVISTA

''H� um cansa�o do circo inaugurado por Bolsonaro'', diz presidente da OAB

Felipe Santa Cruz afirma que o chefe do Executivo � contra tudo que se compreende como civilizat�rio e diz que Moro e Dallagnol deveriam ter se afastado dos cargos para responder �s acusa��es


postado em 14/08/2019 09:08 / atualizado em 14/08/2019 09:29

 Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)
Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) (foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

Desde que Jair Bolsonaro tentou desqualificar a mem�ria do pai de Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado fluminense passou a ser reconhecido nas ruas. “As pessoas param para me cumprimentar e tirar fotos, falar alguma coisa. Estou aprendendo a lidar com isso”, diz ele. Segundo a Comiss�o de Mortos e Desaparecidos, a morte de Fernando Santa Cruz foi violenta e causada pelo Estado brasileiro.

“A mem�ria do meu pai, eu constru� do depoimento dos outros, por isso que ele � muito mais pol�tico do que pessoa, � muito mais uma mem�ria pol�tica que eu tenho que zelar.” Depois do ataque de Bolsonaro, Felipe, de 47 anos, diz que separou as coisas. “Fiz um exerc�cio enorme de n�o me deixar levar pela raiva do filho, que �bvio que eu senti, � humano, e fiz um exerc�cio de policiamento para n�o deixar a raiva suplantar e cegar”, disse, em entrevista ao Correio Braziliense nessa ter�a-feira (13/8).
“H� um cansa�o desse circo que o presidente inaugurou, � um circo contra tudo o que compreendemos como civilizat�rio”, afirmou. “Eu me preocupo porque, talvez, ele esteja flertando com um modelo autorit�rio. O quanto isso tem de fanfarronice e o quanto de conte�do � que nenhum de n�s consegue definir.” A seguir, os principais trechos da entrevista, em que ele ainda fala sobre Vaza-Jato — criticando o fato de S�rgio Moro e Deltan Dallagnol n�o terem pedido licen�a dos cargos —, meio ambiente, minorias e embaixada dos EUA.

A OAB sai mais fortalecida desse epis�dio protagonizado por Bolsonaro contra a entidade?
Eu acredito que sim, principalmente porque o epis�dio nasceu a partir da defesa de prerrogativas. � t�o interessante isso, porque, se fosse um epis�dio que nascesse, por exemplo, de um ataque pol�tico ao presidente, uma cr�tica dura excessiva, porque pode acontecer... Mas o presidente escolheu para essa confus�o todo um epis�dio absolutamente rotineiro de prerrogativas, que n�o � nem da minha gest�o (a quest�o envolvendo o sigilo dos advogados). �, digamos assim, o feij�o com arroz da advocacia garantir o sigilo. Ele ataca o feij�o com arroz, e isso para a advocacia foi muito compreendido, porque tem pessoas que apoiam o Bolsonaro, que n�o apoiam, � natural, mas n�o h� na advocacia aqueles que n�o apoiam os instrumentos do exerc�cio profissional da advocacia. O presidente foi (contra) o elo mais fraco. Esse processo do Ad�lio (Bispo, agressor de Bolsonaro), se voc�s pararem para pensar, a Pol�cia Federal investigou, e voc� n�o vai me convencer que n�o tenha feito uma grande investiga��o. Foram duas investiga��es, jogou-se tudo que podia para investigar e, acredito, com toda a compet�ncia. Tivemos certamente melhores delegados, melhores investigadores, eu conhe�o como funciona, advoguei muitos anos para os agentes da Pol�cia Federal. O Poder Judici�rio julgou, n�s tivemos duas ou tr�s per�cias sobre a quest�o da sanidade mental dele.

Inclusive os delegados da PF est�o irritados com o presidente, que insiste num resultado diferente para a investiga��o...

Sim, o Minist�rio P�blico funcionou, n�o houve recurso e a� a culpa � de quem? ‘Ah, o sigilo profissional do advogado...’ Quer dizer, de toda essa corrente de Estado, � o lado mais fraco. � o ladinho ali do indiv�duo, do cidad�o, o m�nimo que ele tem � falar com seu advogado em sigilo. Tem toda essa m�quina, esse aparato estatal gigante tratando o caso, chega a uma conclus�o, e o presidente se recusa a admitir a conclus�o, e coloca no lado mais fraco.

Agora, Bolsonaro tem uma bronca com o senhor tamb�m...

N�o, n�o, eu n�o acredito. N�o acho n�o.

Ele tinha falado da outra vez...

Eu acho que ele � um cara de poucas luzes, ele conhece poucas hist�rias. A hist�ria do meu pai est� na cabe�a dele por um epis�dio antigo. Ele foi cercado pelos estudantes da UFF (Universidade Federal Fluminense) quando ofendeu a mem�ria do meu pai, l� em 2010. Ent�o, ele guardou essa hist�ria na cabe�a como guardou poucas, ele n�o � um cara dedicado e a�, em um momento de raiva, ataca o meu pai.

Mas o senhor tamb�m foi v�tima de fake news pelos bolsominions em um determinado momento

Desde o meu primeiro dia aqui de mandato.

Sim, o senhor acabou de certa forma marcado...

Acredito que eles tenham uma imagem que querem deslegitimar a OAB com essa imagem do filho do desaparecido. Eles querem colocar a OAB dentro da polariza��o. Eu nunca aceitei esse papel, at� porque, aqui, h� coisas que n�s vamos apoiar, como j� apoiamos, e h� coisas que n�s vamos criticar, � o papel hist�rico da OAB.

O presidente foi cruel?

O que ele fez foi cruel, � uma coisa meio adolescente despreparado. Eu estou discutindo com voc� um tema e a� eu ofendo o seu pai, que est� doente, eu ofendo o seu pai, que morreu. � uma conduta que n�o � da esfera p�blica, e n�o � uma conduta que se espera de um presidente da Rep�blica, ela (a conduta) n�o tem a compostura do cargo.

Depois daquele epis�dio, o presidente desandou a falar...

Foi, e, se voc� notar, eu acho que no meio da fala ele fica em d�vida do que est� fazendo. Tem uma hora, eu j� assisti muito a essa fala, ele nota que ultrapassou um limite ali, s� que, pela personalidade dele, n�o admite essa ultrapassagem de limite. Eu acho que ele acelerou e, da� para frente, radicalizou as posi��es dele.

Que conselho o senhor daria a Bolsonaro?

Fazer o que eu fa�o: guardar as m�goas, ter serenidade. H� uma diferen�a do papel, eu tento fazer isso em uma microesfera, e eu sou presidente de uma entidade, eu tenho aqui o meu papel institucional, que n�o pode se confundir com os meus �dios, as minhas frustra��es, os meus traumas. Eu tenho de separar as duas coisas, eu presido aqui uma entidade que tem muitas pessoas que apoiam o presidente, e eu tenho que respeit�-las, respeitar o seu pensamento. Eu me coloco hoje muito mais como um social-democrata, uma pessoa de centro, e vejo essa loucura polarizada no pa�s com tristeza.

O senhor recebeu solidariedade de algum general, ou de algu�m do governo?

Do governo, n�o. Recebi de deputados do PSL, do deputado Felipe Francischini, que � presidente da CCJ (Comiss�o de Constitui��o e Justi�a). Recebi de todo espectro, do governador do Rio Grande do Sul, de S�o Paulo, do Maranh�o, do Piau�. Foi tanta gente, confesso, que estou at� organizando a forma de fazer of�cios e de agradecer a todo mundo.

Falando da ret�rica do presidente, qual a interpreta��o do senhor disso tudo?

Ele est� seguindo o caminho que o trouxe at� aqui. Ele tem uma parcela do eleitorado que � muito radicalizada, e alimenta essa parcela com essas pol�micas. O que me preocupa � a normaliza��o de coisas que s�o anticivilizat�rias e causaram danos ao Brasil. A gente j� sabe da imagem do pa�s hoje, por conta da quest�o do meio ambiente. Essa quest�o, n�o no meu aspecto pessoal, mas, internacionalmente, pesa muito, por conta de toda uma transi��o da anistia, da transi��o para a democracia. Eu tenho sido muito procurado por jornais do mundo todo preocupad�ssimos com esse negacionismo. O Brasil, de certa forma, fez um modelo de transi��o pactuada. A OAB foi que ajudou esse modelo a, digamos, ser uma transi��o suave, ao contr�rio de outros pa�ses. Ent�o, ele reabre feridas e, com isso, coloca o pa�s em uma posi��o dif�cil internacionalmente. � muito cedo, n�s estamos com seis meses de governo, estamos vivendo uma esp�cie de acelera��o sem fim dos temas, e eu me preocupo muito.

O senhor acha que existe uma estrat�gia do presidente ao falar essas coisas todas?

Eu acho que uma parte � estrat�gia, de alimenta��o do eleitorado dele, e outra, dele mesmo. Acho que ele tem, dentro dele, um sentimento de viol�ncia, que ele expressa de forma repugnante quando exalta a mem�ria de um torturador. O presidente, quando usa a extrema import�ncia do seu cargo para receber a vi�va do torturador, poderia at� receb�-la no aspecto privado, com carinho. Mas, para fazer daquilo ali um manifesto pela mem�ria da tortura, eu acho que isso que est� dentro dela � a incompatibilidade que existe entre o homem crist�o que ele se diz e os valores que ele professa.

O debate de nomear um ministro evang�lico preocupa o senhor?

N�o. Acho que n�o deveria ser esse o crit�rio. Acho que pode ser um evang�lico, pode ser um cat�lico, como pode ser um ateu, um judeu. O crit�rio deveria ser a forma��o jur�dica, a solidez do pensamento.

Alguns protagonistas do poder em Bras�lia j� falam em impeachment...


Eu acho que o Brasil se traumatiza a cada impeachment desses. Eu acho muito mais importante discutir uma reforma pol�tica que, de uma vez por todas, venha a compatibilizar uma constitui��o parlamentarista como um regime presidencialista. Ou n�s vamos criar esse impeachment, que � voto de desconfian�a, como aconteceu com a presidente Dilma. Ela perdeu as condi��es de sustentabilidade, tanto que se preservaram os direitos pol�ticos.

Agora, o senhor est� falando que a cada impeachment se tem um trauma…

Tem, acabamos de sair de uma campanha. Eu acho que n�s todos temos de ter toler�ncia e exigir do governo que ele entre nos eixos constitucionais.

A OAB foi uma das respons�veis nesse processo com a Dilma. Avaliando agora o momento hist�rico, a entidade acertou naquele momento?

Eu acho que aquele momento era o que a conjuntura nos levou a fazer. Eu tinha d�vidas na �poca, mas acompanhei o sistema, porque o impeachment j� estava apresentado.

Mas o presidente n�o est� ultrapassando limites?

Depende de quais s�o os limites. Eu acho que muito mais grave do que falou do meu pai � a persegui��o na Petrobras, que vai contra tudo que ele falou de impessoalidade. Ali, h� um crime de responsabilidade e quebra de impessoalidade (a Petrobras cancelou contrato que tinha com o escrit�rio de Santa Cruz). Eu ligo para uma empresa que n�o � uma empresa p�blica e determino persegui��es. N�o estou nem falando no meu caso, eu acho isso um futuro muito preocupante, porque demonstra um aparelhamento do Estado que n�o � republicano.

Mas como n�o est� falando do seu caso? N�o ocorreu isso no seu caso?

A partir do meu caso n�s temos observado que h� esse mesmo esp�rito nos conselhos, que � um esp�rito de retirada da pluralidade. A quebra da impessoalidade para a ocupa��o dos espa�os por aqueles que concordam � muito grave, por exemplo, do que o presidente dizer que o pr�ximo PGR ter� de comungar dos pensamentos dele. � uma quebra de paradigma, � o que eu estou te falando na normaliza��o dos absurdos. O problema desse ritmo do presidente � que ele come�a a normalizar pensamentos que n�o s�o constitucionais.

Bolsonaro n�o est� se mostrando diferente do que ele era na campanha?

Isso. E alguns professores, eu leio muito o que alguns juristas est�o pensando, dizem que a ret�rica do autoritarismo ainda n�o virou instrumento autorit�rio, que � esse limite que n�s temos de acompanhar para o impeachment. Quando for uma ret�rica que alimenta alguma parcela do eleitorado, digamos assim, ela nos choca, � preocupante, n�o pode ser normalizada, mas a gente tem de acompanhar dentro do aspecto ainda do jogo pol�tico. Agora, me preocupa, por exemplo, a redu��o dos conselhos. A quest�o do meio ambiente, para mim, � a que mais incomoda hoje, porque essa � irrevers�vel. Causa um dano � imagem do pa�s, causa um dano ao futuro da humanidade. Ela n�o pode ser uma ret�rica eleitoral, tem uma obriga��o muito al�m, inclusive da nossa territorialidade. H� pontos que nos preocupam muito.

Essa quest�o de ele ter rescindido o seu contrato com a Petrobras � equiparado ao uso da m�quina contra um advers�rio?

Claro que �, ele n�o nega, � fant�stico. Pense um outro presidente na hist�ria da Rep�blica que tenha dito: “Eu vou demitir o fulano, mandei tirar porque n�o concorda comigo”. Eu n�o sou advogado da Petrobras. Eu fui procurado para fazer uma tese, fui vitorioso na tese, porque sou um especialista, os seus s�cios foram beneficiados pelo meu trabalho, e ele diz que, por conta de um outro assunto, eu devo ser perseguido, ele diz abertamente. E desconhece, inclusive, o funcionamento da OAB: ‘Ah, ele j� est� na OAB, tem muito dinheiro’. Aqui, eu trabalho volunt�ria e gratuitamente. Ali�s, o fato de eu ser um advogado bem-sucedido � que me permite doar parte do meu tempo aqui para a Ordem.

O uso da m�quina contra um suposto advers�rio � semelhante ao fato de ele usar o governo para colocar o filho em uma situa��o de protagonismo…

Sim, por isso que eu digo, ele � um homem de poucas luzes. Tem dificuldade de separar o p�blico do privado, h� uma dificuldade dele de forma��o, basta ouvir as falas dele. N�o sabe muito bem o que � Estado, o que � governo, quais s�o as institui��es, qual o papel das institui��es, quais s�o os limites dele. Veja o Itamaraty. Eu sou de uma gera��o em que o Itamaraty, para n�s, era algo inacess�vel. N�s �amos para o bar, no fim da aula, falar de um colega nosso que pretendia o Itamaraty, o Rio Branco, com orgulho, entendeu? Porque ele tinha a nossa idade, j� falava quatro l�nguas, j� tinha morado na Fran�a, conheceu profundamente tal autor. N�s, que �ramos bons alunos e t�nhamos um futuro pela frente, n�o nos consider�vamos eleg�veis, n�o �ramos pessoas pass�veis de entrar no Itamaraty. Bermudez, Carlos Alberto Direito, Joaquim Barbosa, todos foram meus professores. Ent�o, assim eu digo: ‘Meu filho frita hamb�rguer e � isso mesmo’. � um processo civilizat�rio que vai sendo jogado fora, eu pego, sei l�, 100 anos. 

Uma intromiss�o da Justi�a n�o poderia frear tais coisas?

Mas eu acho que temos de voltar as institui��es para o seu rio. Eu tamb�m n�o acho que a judicializa��o de tudo seja a sa�da, agora � a hora de o Senado mostrar qual � o seu papel (na avalia��o de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador dos EUA).

E se o Senado n�o mostrar?

A� n�s temos de acompanhar e cobrar dos senadores, porque todos os especialistas que eu li nas �ltimas semanas, n�o s� especialistas na �rea, dizem que ali h� uma brecha, que � o cargo pol�tico, n�o � o cargo de confian�a, que � a esfera pol�tica, essa esfera de aprecia��o. Eu n�o acho que deva se retirar do Senado essa responsabilidade, se ele vai cumprir ou n�o a responsabilidade � o que vamos ver agora. E que o pa�s discuta o que ele quer desse embaixador, com ingl�s deficiente, sem forma��o cab�vel, sem compreens�o de qual � o papel. 

A cada momento h� um teste de limites. Um pa�s aguenta isso quanto tempo?


Acho que todos n�s j� estamos cansando. H� um cansa�o desse circo que o presidente inaugurou, � um circo contra tudo que compreendemos como civilizat�rio. Eu me preocupo porque, talvez, ele esteja flertando com um modelo autorit�rio. O quanto isso tem, como dito aqui, de fanfarronice e o quanto isso tem de conte�do � que nenhum de n�s consegue definir.

Qual � o perfil ideal, neste momento, para um procurador-geral da Rep�blica?

O que sempre foi: independ�ncia, autonomia, equil�brio, n�o ser tomado pela vaidade de ser o centro dos acontecimentos. Eu digo isso desde o dia em que tomei posse. O momento depois da elei��o � de pacifica��o, o Brasil superou um momento muito dif�cil. Legitimamente, a popula��o quer o combate � corrup��o, mas quer muitas outras coisas: crescimento, estabilidade. Temos 13 milh�es de miser�veis, ampliando isso, 12,8 milh�es de desempregados, 4,9 milh�es de desalentados, 40 milh�es de pessoas em subempregos, que � essa informalidade. Ent�o, n�s precisamos que as pessoas voltem ao seu ritmo de trabalho. E me preocupa muito que o presidente seja o primeiro a confundir esses pap�is. Ele demonstra incompreens�o do papel da Ordem, do Judici�rio. A cada momento, afronta o Congresso. Afrontou muito at� o estabelecimento de uma lideran�a mais s�lida do Rodrigo (Maia), e isso � verdade. Hoje, ele tem de negociar, porque o Congresso est� muito solidificado de um campo pr�prio, mostrou isso com a reforma da Previd�ncia, que, mais ou menos, passou � margem do comportamento presidencial. As institui��es t�m de dar essa resposta, cada uma no seu papel. 

A escolha para elei��o direta � OAB n�o seria a melhor?

Eu acho que a OAB tem de discutir o seu modelo eleitoral e moderniz�-lo. Eu sempre fui um simpatizante da elei��o direta. A nossa preocupa��o � que somos uma entidade privada, com receita limitada, porque � uma estrutura muito grande no Brasil. Quanto custaria uma elei��o dessas? A estrutura de uma elei��o dessas? Tamb�m tem a preocupa��o com o abuso do poder econ�mico, mas j� estou criando uma comiss�o para modernizar as nossas formas de escolha. E digo que, na hist�ria da OAB, poucos presidentes tiveram mais chances de serem eleitos diretamente do que eu. No passado, eu tinha apoio do meu estado, onde eu ganho elei��es com 60% dos votos h� tr�s elei��es. Eu tinha apoio de S�o Paulo, s� a� s�o 50% da advocacia brasileira.

A falta de elei��o direta da OAB � criticada por aliados do presidente…

Est� sendo usada por quem n�o compreende o nosso sistema, os aliados do presidente. Como se fosse uma fragilidade minha. Poucas pessoas na hist�ria dessa entidade tiveram mais chance de se eleger diretamente do que eu, ali�s, sempre foi essa a minha defesa.

Nem teve advers�rios, n�o �?

�, fui eleito por unanimidade, e tinha o apoio dos grandes e pequenos estados, tive uma carta assinada por 27 estados.

Por que a OAB resiste em ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas da Uni�o (TCU)?

Eu n�o resisto. Ali�s, j� sentei e conversei com o TCU. Eu posso aplicar aqui todo o manual do TCU. Este momento est� mostrando por que n�s resistimos. Eu sou completamente contramajorit�rio? Estou apanhando de uma parcela substancial da popula��o. Eu vou defender popula��es ind�genas? Vou, � a lei. Vou defender minorias? Vou defender a popula��o LGBT? Vou defender o meio ambiente? Parte das despesas aqui � gasta, por exemplo, em congressos de meio ambiente, de direitos humanos, de jovens. Eu n�o quero, e a OAB n�o aceita, que exista controle estatal da finalidade da nossa atua��o. Isso aconteceu na ditadura militar. Qual foi o �ltimo momento em que essa discuss�o foi aprofundada? Em 1978, Raymundo Faoro resistiu exatamente por isso. A Ordem no Brasil n�o � um conselho profissional, ela est� constitucionalizada por isso. Ela (Ordem) � a entidade-chefe que lidera a sociedade civil, inclusive para ser dura em mat�rias que s�o de independ�ncia, n�s somos independentes.

Por que � importante o Exame da Ordem?

N�s tivemos, s� neste ano, a cria��o de 42 cursos de direito e mais de 10 mil vagas. N�s temos 1,2 milh�o de advogados, 890 mil estudantes ativos em sala de aula de direito. N�o sou de uma vis�o elitista de direito. N�o sou daqueles que dizem: ‘Feliz era o tempo que existia a PUC, a Federal e, antes disso, Coimbra’. Coisa de pertencimento. Mas acho que essa amplia��o precisa ser acompanhada, primeiro, de uma necess�ria avalia��o do que ser� o mercado, porque h� uma transforma��o n�o s� no direito, mas em todas as profiss�es. Boa parte desses estudantes estava se preparando, na verdade, para servi�o p�blico. A crise fiscal, por exemplo, no meu estado, acabou com os concursos p�blicos e deve acabar nacionalmente com uma s�rie de concursos. Tem uma juventude que paga com muita dificuldade esses cursos, e cursos, em sua maioria, com baixa qualidade. Pergunto aqui se algu�m se lembra do �ltimo curso que o Minist�rio da Educa��o fechou por m�-avalia��o, por uma defici�ncia de forma��o? Ent�o, Exame da Ordem hoje � uma forma de proteger a sociedade. O advogado j� sai do exame com a carteira, podendo sustentar no Supremo, podendo cuidar da separa��o de algu�m, das verbas trabalhistas de uma vida, e precisamos ter um selo de qualidade, inclusive, para proteger esse profissional que entra no mercado.

O senhor acredita que, com tudo o que aconteceu com esse epis�dio da Vaza-Jato, o ministro Moro ainda tem legitimidade para ser nomeado ministro do Supremo?

Por enquanto, sim. Ele (Moro) foi um juiz popular, muita gente gosta dele, tem uma carreira. Agora, acho que ele vai ter muita resist�ncia por conta desse epis�dio de quebra de imparcialidade. A imparcialidade est� na Declara��o Universal dos Direitos Humanos, todo mundo tem direito a um julgamento imparcial. Acho que isso pesar� contra ele. Eu o acho, hoje, muito mais um pol�tico do que um quadro jur�dico.

Raquel Dodge prorrogou por um ano a equipe da Lava-Jato. O senhor acha que, devido � repercuss�o desse epis�dio o procurador Deltan Dallagnol deveria ser afastado?

A�, n�o sou eu. O Conselho Federal da Ordem recomendou, no primeiro dia dos acontecimentos, que os dois se afastassem espontaneamente para responder �s d�vidas que a sociedade tinha. Sinceramente, eles deveriam ter nos ouvido. Se tivessem feito isso naquele dia, n�o estariam sob ataque, como est�o hoje. O problema � a confus�o de seus cargos (de Dallagnol e Moro), pois qualquer cidad�o pode sofrer acusa��es, ainda mais nos tempos de hoje. O problema � que, hoje, h� uma d�vida sobre a conduta do ministro Moro e da sua, digamos, imparcialidade dentro da PF, sob seu direto controle. H� material todo dia, da imprensa, falando em opera��es, em tentativas de tirar o foco da quest�o dos vazamentos, a quest�o da liga��o para as autoridades para descartar a prova. Se voc� parar para pensar, at� agora, eu n�o tenho como comprovar a veracidade desses vazamentos. Com a apreens�o desse material, pela Lei Carolina Dieckmann, eu, necessariamente, tenho de periciar esse material, porque, sen�o, n�o � crime o que os hackers de Araraquara cometeram. A per�cia � que vai dar a fidelidade, mostrar que s�o fidedignos, e vai afastar de vez a tese do ‘pode ser, mas n�o lembro bem’, que � a que foi adotada. Ent�o, n�s sempre defendemos que, tanto para preservar a Lava-Jato quanto para preservar o papel do Minist�rio da Justi�a, eles deveriam se afastar.

Isso contamina tamb�m o pacote anticrime?


J� contaminou. Basta conversar com qualquer deputado em Bras�lia para saber que j� contaminou.

Esse epis�dio recoloca a OAB como uma das principais defensoras da democracia?


Eu n�o diria que recoloca, porque sempre foi, mas o Ruy Barbosa j� dizia que s�o nestes momentos de autoritarismo que um advogado tem import�ncia. Mas ele dizia que tem uma import�ncia nos tribunais, eu n�o acho que isso nos tira desse papel jur�dico. N�s n�o somos um partido pol�tico. Eu posso ter minhas paix�es, as pessoas podem ter suas paix�es, mas n�s temos de ser o mais t�cnico poss�vel, temos que ser t�cnicos, mas temos de ser firmes publicamente na defesa dessa agenda, porque a Constitui��o � a lei. Qual � o juramento que o advogado faz quando recebe a carteira? Proteger os direitos humanos, proteger as minorias. O presidente disse a frase: ‘Eu quero um PGR que entenda que o direito � das maiorias’. Gente, a Constitui��o existe… N�o � isso. A PGR tem de ter um cuidado especial com as minorias, as maiorias j� t�m todas as suas vantagens. S�o as minorias que s�o protegidas pela carta constitucional, esse � o papel da Ordem. Isso eu n�o vou me eximir, e eu acho que ela sempre teve isso, mas, agora, temos uma agenda que � mais clara.

A Lava-Jato cometeu excessos?

Sim. Eu falo isso h� muito tempo. Eu me preocupo sempre no Brasil quando determinada coisa vira um instrumento pr�prio, ganha vida pr�pria. O Brasil tem ‘N’ hist�rias. A ditadura militar, no momento em que baixaram o AI 5, esse � c�lebre, o �nico que votou contra foi Pedro Aleixo, o vice-presidente civil. E ele disse ao marechal Costa e Silva: ‘Marechal, o problema n�o � o senhor, � o guarda da esquina’. Dito e feito. O que virou a partir dali? A m�quina de repress�o criou vida pr�pria, financiamento pr�prio, e ela n�o quer parar de funcionar. A mesma coisa ocorreu, fui extremamente claro com isso. A Lava-Jato � uma opera��o important�ssima, a classe dominante brasileira tem de responder por sua impunidade hist�rica, mas ela n�o pode ter atores que s�o maiores do que ela, e tem de ter objetivos e m�todos dentro da Constitui��o. N�s temos varas criminais em todo o Brasil, procuradores em todo o Brasil, possibilidades de opera��o em todo o Brasil, dentro da Constitui��o. Nesse processo, ela ganhou uma estrat�gia de marketing extremamente perversa, que � a pris�o espetaculosa, o prejulgamento, a exposi��o do preso. A defesa est� muito fragilizada, esse p�ndulo naturalmente foi todo para um lado, e � como se a defesa fosse inimiga do pa�s.

Fala-se muito dessa quest�o da falta de isen��o da Lava-Jato, mas ministros conversam muito com advogados, t�m rela��es muito pr�ximas. Existe isen��o no Supremo?

Se um ministro for pego tratando como foi feito entre Moro e o Minist�rio P�blico, o ministro j� estava afastado, e o advogado j� tinha perdido a carteira. Combinando resultado de processos, dizendo quando determinada coisa deveria ser apresentada? A verdade � que as pessoas passaram a fazer um c�lculo de que os fins justificam o meio. Eu at� acho que um cidad�o sofrido, frustrado, tem o direito de fazer esse c�lculo, ele n�o se formou em direito. Mas n�s, que temos a salvaguarda do direito, entendemos que o Estado n�o pode ser um instrumento de vingan�a.

O senhor acha que o ex-presidente Lula, pelo que representa, por ter popularidade, deve ter um tratamento diferente?

N�o. Hoje, eu entendo que ele tem de ter sala de Estado-maior, ele e qualquer outro ex-presidente, por uma quest�o de seguran�a. �bvio que est� hoje submetido � guarda do Estado. H� uma situa��o em rela��o a ele que voc� n�o vai me convencer de que � igual a de todo preso, h� toda uma aten��o. Acho que sala de Estado-maior a um presidente, por uma s�rie de quest�es que j� li (inclusive a lei que disciplina o regime, tanto que eles t�m seguran�a do Estado), acho que essa sala � compat�vel com a dignidade do cargo, e com isso, ali�s, penso igual a S�rgio Moro. O Moro pensa exatamente o que eu penso, e acho que ele est� correto nesse aspecto.

O senhor acha que a democracia corre risco?

Democracia, no Brasil, � uma planta que costuma morrer rapidamente. E morre assim se os democratas olharem para o lado, ela morre, e a gente nem notou. Na nossa hist�ria, h� v�rios epis�dios parecidos. Jo�o Goulart pensava que o dispositivo militar dele era mais poderoso do que os dos golpistas. Posso dar v�rias hist�rias das nossas tentativas, ou de derrubada, ou que foram vitoriosas, que se deram em gabinetes. � da hist�ria do nosso pa�s, n�o precisa de revolu��es para isso. Ent�o, assim, n�s temos que, todos os dias, primar pela prote��o dos institutos democr�ticos.  Preocupa-me que exista uma agenda presidencial de afronta a esses institutos.

Isso acaba permitindo que as pessoas que acordavam com algum sentimento de rancor se influenciem?

Isso � o maior perigo. Para mudar uma lei, ele tem que mudar aqui no Congresso, que tem representantes de todos os pensamentos do Brasil. Mas, no Brasil, por conta da nossa l�gica de poder, o presidente � uma imensid�o. Essa agenda dele de falas gerou uma centralidade do personagem dele. E isso n�o precisa de altera��o legal, isso � um comando simb�lico, que contamina. Ent�o, um pa�s que j� mata muitos da popula��o LGBT se sente autorizado a matar. Um pa�s que j� desmata muito para plantar, se sente autorizado, sim. Tanto que a explos�o de desmatamento se d� sem altera��o legal.

O senhor falou que hoje teria idade para ser pai do seu pai. Qual a �ltima mem�ria que o senhor tem?

N�o tenho nenhuma. A mem�ria do meu pai eu constru� do depoimento dos outros, por isso que ele � muito mais pol�tico do que pessoa, � muito mais uma mem�ria pol�tica que eu tenho que zelar. Eu separei as duas coisas, fiz um exerc�cio enorme de n�o me deixar levar pela raiva do filho, que �bvio que eu senti, � humano, e fiz um exerc�cio de policiamento para n�o deixar a raiva suplantar e cegar. Foram semanas dif�ceis no ambiente familiar, porque a� tem filho, esse ambiente do pa�s muito enfurecido, as redes sociais, as crian�as. Eu tenho filhos adolescentes que transitam nesse ambiente, muita mentira.

O presidente o transformou em uma celebridade, o senhor � candidato?

Candidato a nada, cada dia menos. Sou candidato a cuidar do meu escrit�rio e depois fazer um doutorado, que eu abandonei quando entrei na Ordem. N�o tenho esse sentimento, meu sentimento agora � servir � Ordem em um momento extremamente dif�cil, � o Brasil. N�o tenho planos a m�dio e longo prazos. Tem sido muito dif�cil.

N�o ter planos quer dizer que o senhor est� descartando?

Eu n�o criminalizo a pol�tica. Mas, sinceramente, n�o me vejo como candidato, mas posso contribuir, na esfera p�blica. A vida inteira eu contribu�, mas n�o me vejo como candidato. Fui muito frustrado quando candidato na juventude (em 2004, disputou um cargo de vereador). Aqui, eu encontrei um lugar em que fa�o pol�tica dentro do institucional, das coisas que eu entendo, dos assuntos que eu entendo.


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