O presidente Jair Bolsonaro abordou corretamente em seu discurso na ONU, na semana passada, a exist�ncia de uma Amaz�nia desconhecida, tratada pelas ONGs como um para�so intoc�vel. A opini�o n�o � de nenhum seguidor do presidente ou de um l�der declarado de direita. � de Aldo Rebelo, ex-militante hist�rico do PCdoB que foi presidente da C�mara e ocupou os minist�rios de Defesa, Esporte, Ci�ncia e Tecnologia e articula��o pol�tica nos governos do PT. Fora da vida pol�tica, ele � filiado hoje ao Solidariedade, que faz parte do Centr�o no Congresso. Segundo Aldo, o ambientalismo pode carregar interesses leg�timos, mas tamb�m pode ser o vetor para a interfer�ncia de pa�ses fortes sobre na��es fr�geis.
O sr. viu algum ponto positivo no discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU?
Sim. A abordagem da quest�o da Amaz�nia a partir de uma perspectiva que n�o � a das ONGs, que tratam a floresta como um santu�rio desantropizado. Ou seja, para essas pessoas, parece que n�o mora ningu�m na Amaz�nia. E l� vive a popula��o mais abandonada no Brasil, que s�o os �ndios e ribeirinhos, com a mais alta taxa de mortalidade e analfabetismo. Eu vi munic�pios sem m�dicos e que dependem da �nica institui��o que esta l� presente: as For�as Armadas. O presidente abordou corretamente essa outra Amaz�nia praticamente desconhecida. Mas Bolsonaro assumiu uma posi��o muito defensiva no caso da Amaz�nia. Podia ser mais explicativa. Basta recorrer aos grandes intelectuais que abordaram a quest�o da Amaz�nia. Os ensaios do Euclydes da Cunha, o Josu� de Castro com o livro Geografia da Fome e outros.
E os pontos negativos?
Como algu�m chega na ONU e faz um discurso de defesa da soberania do seu Pa�s, mas interfere na soberania dos outros? Bolsonaro acha que ningu�m pode se meter na Amaz�nia, mas pode se meter na Venezuela, Cuba e Argentina. � completamente incoerente. Absolutamente fora das tradi��es do Itamaraty, que � uma institui��o que adquiriu respeito por mediar e resolver conflitos. Hoje, temos um Itamaraty especializado em criar conflitos. Onde n�o existe um conflito, o Itamaraty vai l� e cria. At� conflitos internos.
Como o sr. avalia as cr�ticas externas sobre as queimadas na Amaz�nia? Isso interfere na soberania do Brasil?
Evidente que esse tema � um encontro de duas agendas em conflito. Uma � a preocupa��o com o meio ambiente no mundo inteiro, que � uma coisa leg�tima e verdadeira. H� problemas ambientais graves no mundo e provavelmente os mais graves n�o estejam nem no Brasil. H� outra quest�o que � o fato de a Amaz�nia sempre ter sido um ambiente de disputa. O Tratado de Tordesilhas n�o apareceu por acaso. Em 1492 as duas pot�ncias coloniais do mundo (Portugal e Espanha) j� disputavam aquilo ali. Fizeram um tratado. As cr�nicas do s�culo 19 registram a presen�a da Marinha americana no rio Amazonas.
Existe alguma avers�o ao discurso ambiental nas For�as Armadas?
O ambientalismo contempor�neo � a face vis�vel de muitos interesses. Um leg�timo, de prote��o do meio ambiente amea�ado pela degrada��o. Mas, ao mesmo tempo, como todas as bandeiras carregadas de generosidade, elas tamb�m servem a outros interesses. � como fazem com a democracia e a liberdade. Na �poca da Uni�o Sovi�tica, queriam a democracia para proteg�-la da amea�a totalit�ria, davam um golpe de Estado e colocavam um regime militar no poder. Um Videla, um Pinochet...Tudo isso em nome da democracia. A ironia da hist�ria, como diz um pensador americano, � querer o bem e produzir o mal.
O que isso tem a ver com a quest�o ambiental?
Na quest�o do meio ambiente, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore escreveu um livro chamado Terra em Balan�o. Ele diz que, com o fim da Uni�o da Sovi�tica, os EUA perderam sua grande bandeira de interfer�ncia na vida das outras na��es. O meio ambiente passou a ser essa bandeira, que � humanit�ria, generosa. A luta pelo meio ambiente permite a interfer�ncia dos pa�ses fortes na vida e nos assuntos internos dos pa�ses mais fr�geis. A esquerda, muitas vezes, embarca gratuitamente. Mas essa amea�a concreta n�o vem da esquerda, que se equivoca nessa agenda.
O que achou da parte do discurso do presidente Bolsonaro e do presidente Donald Trump que ataca o socialismo? Qual a estrat�gia por tr�s desse discurso?
Por parte do Trump, � o conflito com a China. A amea�a chinesa � hegemonia americana � iminente. O do presidente do Brasil se explica pela ignor�ncia dos interesses nacionais.
Os Estados Unidos t�m interesse na Amaz�nia?
T�m. Sempre tiveram. Ali�s, foram os mais interessados. Eles consideram para efeito de pol�tica de defesa que a �rea de influ�ncia dos Estados Unidos se estende ao Caribe, quase na nossa fronteira. Eles criaram a 4.� Frota. Sempre consideraram a Am�rica do Sul como �rea de interesse deles. Tem setores do governo que, na verdade, n�o separam a soberania brasileira da americana. � como se fosse uma soberania subordinada.
O sr. participa do f�rum Direitos-J�, movimento que re�ne lideran�as de 16 partidos contra o presidente Jair Bolsonaro. � poss�vel construir uma candidatura �nica de centro-esquerda? Como avaliou a aus�ncia do PT no evento no Tuca?
Est� cedo para defini��es sobre a sucess�o do presidente Bolsonaro. � precoce. Essa polariza��o entre o PT e o Bolsonaro � falsa, embora interesse a ambos. Ela veda a constru��o de alternativas e se d� em torno de uma agenda secund�ria, que � a agenda identit�ria, dos costumes e direitos individuais. O Bolsonaro alimenta o antipetismo, que re�ne setores que t�m muita resist�ncia a ele e se juntam contra o PT, e o PT sabe que, com a agenda anti-Bolsonaro, pode reunir muita gente que n�o gosta do partido. Ou seja: � uma conveni�ncia que interessa aos dois. E quem fica �rf�o nesse caso? O interesse nacional. Isso pode mudar.
O hegemonismo do PT atrapalha a forma��o de uma coaliz�o de esquerda?
O PT tem legitimidade para proteger seu ativo eleitoral e pol�tico. Ningu�m vai dizer ao PT que n�o defenda o Lula Livre. � leg�timo. Se deixar de defender o Lula Livre, para que vai servir o PT? Agora, � tamb�m leg�timo quem acha que essa n�o deve ser a bandeira.
Existe espa�o para o surgimento de uma alternativa de poder de centro fora dessa polariza��o?
O centro virou uma coisa estigmatizada. Parece que o centro � o sujeito que n�o quer tomar posi��o. O Pa�s est� fragmentado em disputas secund�rias. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
POL�TICA