O guarda municipal Gumercindo Aparecido Mosca Junior entrou em contato com vereadores do munic�pio de Amparo, no interior paulista, em meados de outubro para dizer que tinha informa��es sobre um esquema regional de fake news. Em um depoimento convocado em sigilo na C�mara Municipal, ele apresentou �udios, v�deos e conversas que teve com o propriet�rio do jornal Gazeta Amparense, que responde a mais de dez processos por mat�rias que continham informa��es falsas, distorcidas, inj�rias e ofensas, segundo os reclamantes.
Nas grava��es, o dono do jornal admite ter alugado as p�ginas do seman�rio a um dos principais pol�ticos da regi�o, candidato � prefeitura da cidade, para atacar seus advers�rios com not�cias falsas. M�rio Auler (PSDB), ex-secret�rio de Administra��o da cidade e atual candidato, aparece nas imagens em encontros semanais com um jornalista e o dono da publica��o, sempre �s quintas-feiras. Uma das fotos mostra os detalhes do documento na pasta que um deles leva � reuni�o: um texto que seria publicado na Gazeta do dia seguinte.
"Faz 's�' sete anos e meio que estou com o Mario. O jornal � meu, mas quem faz � ele", diz o propriet�rio, Samuel Michelini, em um dos �udios apresentados na C�mara. "Eu vejo o jornal na hora que est� impresso, para voc� ter uma ideia. S� vou l� na quinta-feira, que o jornal roda de quinta � noite. Vou na quinta-feira, pego o dinheiro dele sem ningu�m ver, pago a gr�fica, fico com o meu."
Segundo o guarda municipal, ele foi abordado pelo dono do jornal em junho deste ano com uma proposta. A inten��o era oferecer os servi�os da Gazeta ao prefeito de Monte Alegre do Sul, cidade vizinha a Amparo, onde o funcion�rio mora. Os �udios mostram que Michelini oferecia, por R$ 1,5 mil, a oportunidade de determinar o conte�do de quatro p�ginas do jornal.
"Sabe quanto o Mario paga para mim? Tr�s conto", diz o �udio. "Ele gasta R$ 12 mil por m�s comigo. Tipo assim, ele faz o que ele quer. A capa, ele faz como ele quer. Eu n�o mando mais nada."
Os vereadores abriram h� dois meses uma Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) para investigar a Gazeta Amparense. O depoimento do guarda municipal foi enviado ao Minist�rio P�blico de S�o Paulo, e o relat�rio final da comiss�o est� em fase de elabora��o.
Casos de not�cias falsas e ofensas que resultaram em processos judiciais ocorrem ao menos desde 2013. H� cinco anos, um grupo de parlamentares processou o jornal por estampar na capa que eles haviam votado contra uma lei que daria subs�dio de vale-alimenta��o aos servidores municipais e, nas palavras do jornal, eram tamb�m "contra o povo de Amparo". O projeto, no entanto, havia sido aprovado por unanimidade.
Outro alvo frequente do jornal � o ex-vereador Carlos Alberto Martins (MDB), hoje principal oponente de Auler nas elei��es de Amparo, que tem 72 mil habitantes. Em depoimento � CPI, ele disse que tem sido atacado nas p�ginas do jornal em quase todas as edi��es com textos que distorcem suas declara��es e atacam sua fam�lia. "Tenho duas filhas, uma de dez e outra de seis anos. Chegaram a dizer (no jornal) que eu mando minhas filhas correrem na igreja durante a missa para eu ir atr�s delas e 'aparecer'", ele relatou � comiss�o.
Martins tamb�m disse que foi procurado pelo propriet�rio do jornal em 2012, quando tamb�m era candidato a prefeito, com a oferta de alugar espa�o no jornal com conte�do determinado pelo pol�tico. Martins disse ter recusado a proposta e que, a partir do ano seguinte, virou alvo das mat�rias. "Quando ele falou 'comprar o jornal', achei que ele queria vender a empresa. Ele falou 'n�o, n�o � isso, estou oferecendo para voc� o jornal. O jornal � meu, voc� me paga e escreve o que quiser no jornal'", relatou.
A Gazeta tamb�m foi processada por jornalistas da cidade de Amparo que alegaram ser atacados e ter seus coment�rios distorcidos nas p�ginas do jornal concorrente. Em um dos casos, o jornal perdeu na Justi�a em primeira e segunda inst�ncia. Depoentes na CPI reclamaram de n�o terem seu direito de resposta publicado pelo jornal.
V�deos
Mosca, como � conhecido na regi�o o guarda municipal, monitorou o escrit�rio pol�tico de Mario Auler por mais de dois meses. Nesse per�odo, al�m das visitas semanais dos representantes da Gazeta Amparense, ele tamb�m gravou uma constante romaria de moradores que lhe pediam ajuda e favores. Em algumas ocasi�es, segundo o guarda municipal, o escrit�rio tinha fila para atendimento.
Em um dos v�deos, Auler � visto entregando dinheiro a uma mulher que tem um papel em m�os, que aparenta ser uma receita de medicamento. Segundo o autor do v�deo, o ex-secret�rio era procurado constantemente por pessoas.
"Isso ocorre constantemente l�, vi com meus olhos e em algumas vezes filmei", disse Mosca sobre a entrega de dinheiro. "N�o era s� dinheiro que ele resolvia l� (sic). Ele resolvia problema com alvar�, resolvia problema m�dico, chegou a comprar fralda."
Em um �udio gravado durante uma conversa pessoal entre Mosca e Michelini, o propriet�rio do jornal diz que pediria R$ 200 mil a Auler para ficar em sil�ncio durante sua oitiva na CPI. O dinheiro serviria para investir em um neg�cio pr�prio. "Duzent�o (sic), vou pedir. Eu preciso comprar meu neg�cio l�, meu, � minha hora. Se n�o comprar agora, n�o compro mais."
O propriet�rio foi convocado na CPI, e reservou-se o direito de ficar calado na maior parte do depoimento. Antes, no entanto, disse que nunca publicou "nenhuma not�cia falsa" e acusou os vereadores de o atacarem - assim como sua fam�lia.
H� cerca de duas semanas, a Gazeta publicou na capa uma nota de rep�dio contra o depoimento de Mosca na CPI. Assinada por Michelini, a nota alega que os �udios s�o "grava��o clandestina, premeditada, sen�o conversas montadas". Ele diz que ir� ingressar com um pedido de per�cia t�cnica dos �udios e v�deos, pois n�o tinha ci�ncia da sua exist�ncia, n�o reconhece as vozes nem o conte�do.
Em outro trecho, por�m, Michelini admite reconhecer as informa��es dos �udios; "quanto �s alega��es que recebo R$ 12 mil por m�s pela edi��o, venho confessar nesta nota que menti ao Sr. Gumercindo (Mosca), oras, trata-se de jogada comercial para valorizar o meu trabalho no jornal".
"Foi verdadeiro ato de desespero utilizar-me de figuras p�blicas e supostos contrato comercial para venda. Pe�o publicamente desculpas pela mentira veiculada, qual seja: que meu jornal possui grandes patrocinadores."
Em sua oitiva na comiss�o, Auler tamb�m se recusou a responder se patrocinava o jornal ou tinha influ�ncia sobre o material publicado. A reportagem do Estad�o entrou em contato com a Gazeta Amparense e com o diret�rio municipal do PSDB em Amparo, mas n�o obteve resposta.
POL�TICA