A deputada federal e ex-prefeita Luiza Erundina (PSOL), de 85 anos, � presen�a constante nos programas de TV e na campanha do candidato � Prefeitura de S�o Paulo Guilherme Boulos (PSOL). Em entrevista ao Estad�o, ela defendeu que o vice "precisa estar em perfeita sintonia com o programa", mas cobrou uma posi��o "absolutamente clara" de seu colega de partido sobre o aumento do IPTU.
Erundina diz que o aumento de imposto para "mans�es", como proposto no plano de governo, deve ser exposto da forma mais clara poss�vel. Boulos tem evitado falar de aumento de taxas municipais em agendas p�blicas. "� quest�o de compreens�o da justi�a social e para ter justi�a social tem que ter justi�a fiscal e isso significa cobrar mais de quem ganha mais e menos de quem ganha menos", diz.
O plano de governo do PSOL fala em "eleva��o da al�quota de ISS para institui��es financeiras e aumento do valor da tarifa do IPTU para mans�es". Durante sabatina do jornal Folha de S.Paulo, nesta quinta-feira, 26, Boulos disse que n�o haver� aumento de tarifas a n�o ser nesses casos que, segundo ele, servir�o para "corrigir distor��es".
Questionada sobre a taxa de aprova��o de 29%, segundo o Datafolha, de quando deixou a Prefeitura, em 1992, Erundina diz que n�o � esse o sentimento que encontra quando visita a periferia. Mas, em retrospectiva, diz que tentaria ter uma rela��o melhor com a m�dia.
Uma das cr�ticas que se faz � senhora � ter deixado a Prefeitura com baixa aprova��o (29% de avalia��o positiva em 1992, ao fim do mandato, segundo o Datafolha). Como a senhora responde a isso?
Se a gente avalia que, depois de 32 anos, aquela experi�ncia ainda � uma refer�ncia, muitos programas daquela �poca s�o preservados porque a popula��o incorporou, � o contr�rio disso. E a m�dia n�o era a favor do nosso governo, muito ao contr�rio. Acho tamb�m que a gente n�o teve uma rela��o adequada com a m�dia. Trinta anos atr�s, a gente avaliava que investir adequadamente na comunica��o seria retirar dinheiro de pol�ticas mais importantes para a popula��o. Mas isso tirava a oportunidade de a gente prestar contas, mostrar o que estava sendo feito.
Boulos deve fazer este investimento em comunica��o que a senhora n�o fez ou as redes sociais permitem uma rela��o diferente com a sociedade?
Com certeza. Inclusive as redes sociais v�o contribuir para uma participa��o mais ampla da sociedade na defini��o das prioridades. Nas discuss�es sobre or�amento a gente fazia dezenas de plen�rias na periferia, presencialmente, mas numa escala imposs�vel de fazer para que a participa��o fosse realmente ampla. Hoje, n�o. Seja no sentido de envolver a participa��o popular, ou de prestar contas do governo ou de instrumentalizar a sociedade para fiscalizar e controlar as a��es de governo estes meios virtuais s�o os melhores. As dificuldades que a gente teve naquela �poca n�o ter�amos hoje.
A campanha do PSOL fala muito em inverter prioridades. O candidato e o programa de governo falam bastante sobre o que deve ser feito nos bairros mais pobres mas n�o dizem o que deixar� de ser prioridade para que haja essa invers�o. O que vai deixar de ser priorizado?
Nos governos tradicionais de S�o Paulo a prioridade eram obras de infraestrutura urbana, grandes viadutos, t�neis, avenidas. Se investia mais no transporte individual do que no coletivo. No nosso governo n�o investimos em obras deste porte, muito custosas, mas que tomavam recursos por exemplo para moradia popular. Constru�mos mais de 40 mil casas, sete hospitais que agora est�o sob risco de privatiza��o.
A senhora � contra parcerias em servi�os p�blicos?
N�o estou dizendo que n�o se fa�am parcerias, conv�nios. Devem ser feitos, mas compatibilizados com servi�os diretos do poder p�blico at� para que tenha uma refer�ncia, padr�es a partir dos quais se possa garantir que os servi�os tenham o mesmo grau de qualidade.
Boulos fala que n�o vai aumentar o IPTU, mas a senhora, em entrevista ao Estad�o, defendeu que bairros mais ricos paguem mais. A senhora defende que haja aumento nos bairros mais ricos?
�. Isso numa rela��o de di�logo, de participa��o, discutindo e dando sentido social e esta medida. N�o � para punir. Ser rico n�o � um defeito ou um pecado. Por�m o princ�pio da solidariedade, na minha opini�o, � bom para toda a coletividade. A nossa proposta n�o � de aumentar indiscriminadamente o IPTU. � dar ao IPTU uma forma mais justa.
No seu governo a senhora tentou aplicar este princ�pio da solidariedade com a experi�ncia da tarifa zero no transporte em Cidade Tiradentes. Isso terminou com o Minist�rio P�blico abrindo uma investiga��o por improbidade. Hoje este princ�pio est� mais enraizado na sociedade?
N�o. N�o est�. De jeito nenhum. Mas agora tem o fator que � a progressividade do imposto estar prevista na Constitui��o. Quem tem mais deve pagar mais e quem tem menos deve pagar menos. Eu governei no in�cio da implanta��o da Constitui��o de 1988 e faltava ainda a regulamenta��o. Este �bice do Minist�rio P�blico inviabilizou uma experi�ncia que estava sendo gestada. Evidente que este princ�pio da solidariedade n�o � f�cil de voc� implementar e fazer todo mundo concordar com isso. Qualquer medida autorit�ria vinda de cima para baixo, por mais justa que ela seja, cria uma resist�ncia de tal ordem que termina n�o se viabilizando. Essa � a dimens�o pedag�gica da pol�tica, at� �tica, eu diria. Nossa vida � t�o limitada e curta. A gente precisa de t�o pouco. Ningu�m precisa de duas camas. Todo mundo come o limite de uma pessoa. � um processo lento, civilizat�rio, de constru��o de uma democracia para a gente viver um pouco mais com paz, sem intoler�ncia, sem trag�dias. N�o � uma quest�o de esquerda e direita, n�o. Porque isso n�o resolve tudo. � quest�o de compreens�o da justi�a social e para ter justi�a social tem que ter justi�a fiscal e isso significa cobrar mais de quem ganha mais e menos de quem ganha menos.
Isso n�o devia ficar mais claro? Nesta quinta-feira, 26, o Boulos foi novamente perguntado sobre isso e repetiu que n�o vai aumentar imposto. O pragmatismo eleitoral impede que isso seja colocado por ele de uma forma t�o clara quanto a senhora est� colocando agora?
Tem que ser colocado de forma absolutamente clara. N�o se pode antes de voc� se submeter a uma vota��o n�o se preocupar se as pessoas t�m exatamente a no��o de quem est�o elegendo. Por isso fizeram muita falta os debates que tem sido em parte supridos pelas entrevistas e sabatinas que voc�s t�m feito. Aquele programa (de governo) foi feito a muitas m�os em plen�rias de escuta. E o programa n�o est� fechado, n�o � uma pe�a herm�tica. Vai estar aberta para o teste com a realidade. Alguma coisa pode ser corrigida. Sobretudo porque pretendemos governar de forma descentralizada de verdade. O que diferencia nossos governos pretensamente democr�ticos e populares � o m�todo de gest�o. N�s n�o somos donos do poder. Na verdadeira democracia o soberano � o povo, n�o � quem det�m o poder pol�tico delegado pelo povo.
Boulos deve negociar com outros partidos fora do seu arco de alian�as?
Claro. Di�logo permanente, rela��o de respeito m�tuo. O outro tamb�m � poder. A popula��o, tamb�m. Primeiro, tem de ter uma rela��o horizontal com o Legislativo, di�logo. N�o pode o prefeito designar um secret�rio para fazer uma rela��o com o Legislativo. Tem de ser o pr�prio prefeito. � uma constru��o permanente de di�logo, transpar�ncia e humildade. A transpar�ncia, inclusive, vai trazer a vis�o do cidad�o comum, e a posi��o do cidad�o ajudar� os vereadores a votar mat�rias, como o or�amento da cidade.
Se voc�s ganharem, ir�o administrar a cidade tendo Jair Bolsonaro na Presid�ncia e Jo�o Doria no Estado. Como a sra. acha que Boulos deve se relacionar com eles?
Cada uma das esferas de poder tem um n�vel de autonomia, de poder real. O munic�pio deve ter soberania e S�o Paulo n�o � qualquer cidade. Uma d�vida social absurda, mas um poder enorme. N�o temos ilus�es de que vai ser tranquila essa rela��o, mas a cidade � poderosa e o gestor de uma cidade como essa � tamb�m uma lideran�a pol�tica que tem de ser ouvido. Criamos a Frente Nacional de Prefeitos que at� hoje est� ativa como espa�o de discuss�o das quest�es municipais e constru��o de consensos. As outras esferas de poder t�m de respeitar S�o Paulo e o gestor da cidade de S�o Paulo tem de ter autonomia.
Seu governo investiu em constru��es de moradia nas periferias e, hoje, h� quem critique a forma como isso foi feito entre urbanistas. Houve adensamento de regi�es distantes dos locais de trabalho. Como a sra. v� esse ponto?
A proposta do Boulos aborda isso. Tem 400 mil im�veis desocupados no centro expandido, alguns que sequer pagam IPTU. A Prefeitura pode adquirir esses im�veis e construir moradia popular. Fizemos isso no Br�s. A Prefeitura comprou quatro casar�es que eram corti�os e construiu em mutir�o conjuntos habitacionais. Foi uma experi�ncia exitosa. Aproveitar esses espa�os e socializar esses espa�os, porque o centro j� disp�e da estrutura montada. Mas a periferia tamb�m tem vida. O cidad�o quer sua moradia onde ele vive.
Voc�s conseguiram uma alian�a no segundo turno com sete partidos. Os programas do fim de semana tiveram Lula, Ciro Gomes, Marina Silva, Flavio Dino, algo que parecia muito pouco prov�vel. Nesse sentido, qual o impacto da candidatura de voc�s pode ter na unidade das for�as de oposi��o ao governo Bolsonaro em 2022?
� antes de 2022. Os problemas est�o colocados a�. Pandemia, desemprego em massa, o problema da deseconomia, a queda brutal do PIB. O Pa�s n�o cresce mais, a infla��o est� voltando. Os problemas est�o para ser enfrentados j�. H� uma crise de desesperan�a. As pequenas e m�dias empresas est�o falindo. A sociedade, a juventude, est� se organizando, voltando a acreditar. Quase 70% dos que declaram voto, est�o fazendo campanha para o Boulos, s�o jovens. Eu estou muito gratificada, independente do resultado final desse processo. N�o d� para ficar assistindo as bobagens que o presidente fala, a falta total de projeto para o Pa�s. As for�as pol�ticas com algum n�vel de identidade t�m de estar juntas.
O presidente do PSDB paulista, Marco Vinholi, gravou um v�deo em que diz que a campanha de voc�s foca na figura do vice para, subliminarmente, trazer para a elei��o o fato de que Covas tem um c�ncer. Isso � verdade?
Absolutamente! O que a gente acha � que o vice � um cargo importante. Tem de ser algu�m com identidade e proposta. A substitui��o do titular n�o se dar� apenas com uma aus�ncia definitiva do titular. Um prefeito de S�o Paulo precisa viajar para o exterior, fazer pol�tica internacional. Aqui � a cidade dos mil povos. As embaixadas do mundo inteiro est�o aqui, o capital internacional, os maiores bancos. N�o viajar porque quer ser presidente da Rep�blica, mas para viajar como prefeito, fazer acordos. Consequentemente, o vice precisa estar em perfeita sintonia com o programa, com as responsabilidades, os compromissos, e preparado. Esse candidato a vice-prefeito n�o aparece, n�o se mostra. Se ele n�o tem nada a ser acusado, que venha, para que o cidad�o o conhe�a, saiba quem �. Eu, como vice, n�o vou ser uma figura decorativa e o Boulos sabe disso. Portanto, Deus queria que esse jovem, Bruno Covas, que tem se mostrado de uma garra, de vontade, lutando pela vida, v� at� o fim se ele eventualmente chegar l�. Afirmo a voc�s com a mais absoluta honestidade: as cr�ticas que est�o sendo feitas ao vice, pelo comportamento dele, pela aus�ncia dele, n�o t�m esse sentimento t�o perverso.
Qual � sua opini�o a respeito de Bruno Covas?
Como pessoa, n�o tenho nenhuma restri��o a ele. Ele era o neto mais querido de M�rio Covas. Eu era muito amiga do M�rio Covas. Nenhum �bice � pessoa dele. Ele n�o � uma lideran�a carism�tica, mas ningu�m � obrigado a ser uma lideran�a carism�tica. � um homem s�rio e honesto. Mas � uma pessoa dependente do Doria. E o Doria n�o � pe�a que se junte. Inclusive, h� ind�cios de que essa indica��o do Nunes foi do Doria, que quer apoio do MDB em 2022. Porque a l�gica atual presente em S�o Paulo � 2022. O PSDB n�o � mais o partido de sua origem, social-democrata, de M�rio Covas, Franco Montoro. Era uma novidade que destoava das for�as paulistas. Hoje, n�o � assim. Bruno Covas, jovem lideran�a, est� submetido a essa l�gica do partido de hoje.
Por que a senhora saiu candidata?
N�o queria mais ser candidata, mas se imp�s a mim a condi��o para termos Boulos candidato. Conhe�o o Boulos, sei de sua hist�ria de vida. Logo que ele terminou a candidatura presidencial, o procurei. N�o era �ntima, era companheira de partido. �Olha, se eu fosse voc�, colocaria seu nome ao partido para ser candidato em S�o Paulo. Voc� tem uma trajet�ria pol�tica � frente�. Ele disse que n�o, que ia viajar pelo Pa�s, fazer palestras em universidades. E foi o que fez. Mas a� ele imp�s: �S� saio candidato se voc� for a vice.� Pensei que o pre�o era alto demais, mas para ser coerente, se de fato eu queria que ele fosse candidato, cedi: 'Vamos l�.' E est� dando certo, desculpe a falsa mod�stia.
POL�TICA