Uma decis�o liminar (provis�ria) concedida pelo ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), livrou o caminho de pol�ticos que concorreram nas elei��es municipais de 2020 e sa�ram vitoriosos, mas tiveram o registro barrado pela Justi�a Eleitoral devido � Lei da Ficha Limpa.
Individualmente, �s v�speras do recesso do Judici�rio, Nunes Marques declarou, no s�bado, inconstitucional um trecho da legisla��o que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes ficassem ineleg�veis por mais oito anos, ap�s o cumprimento das penas.
A a��o foi proposta pelo PDT h� apenas cinco dias, contra um trecho da Lei da Ficha Limpa, que antecipou o momento em que pol�ticos devem ficar ineleg�veis. Antes da lei, essa puni��o s� come�ava a valer ap�s o esgotamento de todos os recursos contra a senten�a por certos crimes (contra a administra��o p�blica, o patrim�nio p�blico, o meio ambiente ou a sa�de p�blica, bem como pelos crimes de lavagem de dinheiro e aqueles praticados por organiza��o criminosa).
Com a lei, a puni��o come�ou imediatamente ap�s a condena��o em segunda inst�ncia e atravessa todo o per�odo que vai da condena��o at� oito anos depois do cumprimento.
O partido apontou que � desproporcional deixar ineleg�vel um pol�tico por tanto tempo e alegou ao STF que a puni��o deveria ser de apenas oito anos a partir do momento que come�a a valer a pena, e n�o durante esse per�odo mais oito anos "ap�s o cumprimento da pena". Para o partido, deve haver a "detra��o", isto �, o tempo da puni��o deve ser computado desde o momento que ela come�a a surtir efeito, ainda que de modo antecipado, e n�o apenas quando o caso encerra. O ministro Nunes Marques concordou, afirmando que essa condi��o � um "desprest�gio ao princ�pio da proporcionalidade".
A decis�o de Nunes Marques valer� especificamente para os pol�ticos que ainda est�o com o processo de registro de candidatura de 2020 pendentes de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo. � o caso, por exemplo, do prefeito eleito de Bom Jesus de Goi�s, Adair Henriques (DEM), que teve o registro barrado pelo TSE. Condenado por delito contra o patrim�nio p�blico em segunda inst�ncia em setembro de 2009, ele teve o registro eleitoral para 2020 autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas, no TSE, perdeu.
De acordo com o voto do ministro Edson Fachin, o prazo de oito anos de inelegibilidade deve ser contado a partir de 6 de maio de 2015, data em que foi finalizado o cumprimento da pena aplicada a Adair. O fundamento da decis�o � exatamente o trecho da Lei da Ficha Limpa que, agora, o ministro Kassio Nunes Marques declarou inconstitucional.
Al�m desse caso, advogados eleitorais ouvidos pelo Estad�o reservadamente estimam que at� cem candidatos que estavam barrados pela justi�a eleitoral poder�o assumir os mandatos, com base na decis�o de Nunes Marques. Tr�s advogados, que preferiram n�o se identificar nem fazer declara��es, disseram � reportagem que t�m clientes em situa��o semelhante e v�o acionar o TSE. Os eventuais recursos ser�o analisados pelo presidente do tribunal, ministro Lu�s Roberto Barroso.
Integrantes do TSE consultados pela reportagem n�o comentaram a decis�o do ministro Kassio Nunes Marques. Em conversas reservadas, no entanto, alguns ministros disseram que a forma como foi tomada a decis�o n�o foi a mais adequada. Um deles classificou como "absurdo".
A principal cr�tica, no meio jur�dico eleitoral, � que a decis�o modifica as regras da elei��o de 2020 ap�s a realiza��o. A situa��o � incomum. Normalmente, as regras eleitorais s� podem ser alteradas faltando um ano para a popula��o ir �s urnas. Leis aprovadas pelo Congresso em um prazo de menos de um ano para uma elei��o, por exemplo, s� valer�o para a seguinte.
A liminar do ministro avan�ou sobre um tema que j� havia sido debatido pelo plen�rio do Supremo Tribunal Federal em 2012, durante julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa. Na ocasi�o, o ministro Luiz Fux, relator da a��o, defendeu que o prazo de oito anos come�asse a valer a partir do in�cio da puni��o, e n�o ap�s o cumprimento da pena. Apesar disso, a proposta enfrentou resist�ncia dos ministros Marco Aur�lio Mello e C�rmen L�cia, na ocasi�o. O plen�rio, ent�o, entendeu por n�o modificar o que estava previsto na lei.
Kassio Nunes Marques, no entanto, decidiu n�o esperar para colocar em vota��o o caso no plen�rio do Supremo. Segundo ele, o trecho da lei questionado "parece estar a ensejar, na pr�tica, a cria��o de nova hip�tese de inelegibilidade". O magistrado justificou a concess�o da liminar afirmando que o pedido deve ser atendido imediatamente para n�o prejudicar quem foi eleito nessas condi��es. "Impedir a diploma��o de candidatos legitimamente eleitos, a um s� tempo, vulnera a seguran�a jur�dica imanente ao processo eleitoral em si mesmo, bem como acarreta a indesej�vel precariza��o da representa��o pol�tica pertinente aos cargos em an�lise".
Com base na decis�o dele, devem cair as decis�es da justi�a que determinaram a realiza��o de novas elei��es para prefeituras, nos casos em que o eleito estava na condi��o de ficha suja. Apesar disso, ainda pode haver recurso contra a decis�o do relator no STF e, da mesma forma, tamb�m ser� necess�ria a an�lise do presidente do TSE.
O coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Pol�tico (Abradep), Marcelo Weick, elogiou a decis�o do ministro Kassio Nunes Marques. "A Lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa) completou dez anos. Natural que agora se avalie, longe do calor das emo��es daquele julgamento das ADCs 29 e 30 (as a��es no STF que discutiram a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa), os excessos e despropor��es desta Lei, em especial nesse tormentosa e mal feita reda��o da al�nea �e�. Caber� ao plen�rio do STF, t�o logo retomada suas atividades em 2021, enfrentar essa quest�o que, reiteremos, vem em bom momento. A necess�ria reflex�o desta desproporcionalidade de tratamento entre as inelegibilidade previstas na Lei 135/2010 (Lei da Ficha Limpa)", disse.
O procurador regional eleitoral do Maranh�o, Juraci Guimar�es Junior, disse que a decis�o afronta ao princ�pio da igualdade, pois os candidatos que j� perderam todos os recursos poss�veis n�o t�m mais como apelar ao STF. Ele disse tamb�m que a decis�o tamb�m ofenderia o princ�pio da anualidade da lei eleitoral. "A altera��o do processo eleitoral, por for�a do art. 16, da Constitui��o Federal, deve ser feita um ano antes das elei��es", disse.
O Movimento de Combate � Corrup��o Eleitoral (MCCE), que participou da elabora��o da lei, divulgou uma nota de rep�dio � decis�o do ministro Nunes Marques. "A Lei da Ficha Limpa foi excessivamente julgada quanto � sua constitucionalidade, tanto no TSE quanto no STF. � parte de um amplo processo de mobiliza��o popular por mais �tica na pol�tica. Fica claro que existe uma articula��o de for�as que pretende esvaziar a lei, com ataques pontuais que visam dilacerar o seu conte�do sob alega��o de aperfei�o�-la, tentativa oriunda daqueles que podem ser atingidos por ela ou que buscam poupar seus aliados", diz a nota.
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