O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse neste s�bado, 10, que a decis�o individual do colega de Corte Lu�s Roberto Barroso, que mandou o Senado Federal abrir a CPI da Covid para investigar a gest�o da pandemia pelo governo federal, foi tomada por "obriga��o".
"O Poder Judici�rio � inerte, mas n�o pode ser omisso. Tem que decidir, com base na Constitui��o. Nesse caso espec�fico o ministro Lu�s Roberto Barroso foi provocado, via mandado de seguran�a, por v�rios senadores. A fun��o, a obriga��o era analisar a concess�o ou n�o da liminar", afirmou o ministro em transmiss�o ao vivo promovida pelo Grupo Prerrogativas para discutir o papel do tribunal na defesa da democracia. "N�s podemos concordar ou discordar da decis�o, mas � assim que funciona o mecanismo judici�rio. N�o foi o ministro Lu�s Roberto Barroso que acordou de manh� e disse: estou com vontade de instalar uma CPI", acrescentou.
Moraes tamb�m repreendeu os ataques ao colega, dirigidos por apoiadores do governo e pelo pr�prio presidente Jair Bolsonaro, que acusou Barroso de "milit�ncia pol�tica" e "politicalha".
"Decis�es judiciais n�s podemos discordar, criticar acidamente, recorrer. Agora uma decis�o judicial fundamentada, p�blica, transparente, n�o cria o direito de ningu�m ofender da forma que se ofendeu o ministro Lu�s Roberto Barroso", disse Moraes. "Lament�veis as agress�es, que acabaram se multiplicando por fan�ticos milicianos digitais", acrescentou.
Enquanto Barroso tem evitado dar declara��es p�blicas sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal divulgou na sexta-feira uma nota institucional para defender a legalidade da decis�o. Moraes disse que todos os integrantes do tribunal foram consultados sobre o texto e sublinhou que as rela��es harm�nicas entre os Poderes exigem respeito. O ministro ainda classificou a rea��o de Bolsonaro como "lament�vel".
"� lament�vel a forma e o conte�do das ofensas pessoais que foram dirigidas ao ministro Lu�s Roberto Barroso. � um conte�do falso, absolutamente equivocado, mas a forma tamb�m, a forma grosseira, a forma descabida de relacionamento entre os Poderes", criticou. "Quem quer respeito deve respeitar tamb�m. O Supremo Tribunal Federal respeita o Poder Executivo, respeita o Poder Legislativo, e exige respeito de ambos."
Como mostrou o Estad�o, a decis�o monocr�tica provocou mal-estar em uma ala do tribunal, que n�o v� com bons olhos a abertura dos trabalhos de uma comiss�o em plena pandemia. A liminar de Barroso ainda vai passar pelo escrut�nio dos colegas em julgamento no plen�rio virtual a partir da pr�xima sexta-feira, 16. Apesar das cr�ticas reservadas, a tend�ncia � a manuten��o da ordem individual do ministro.
Questionado sobre a concess�o de liminares, Moraes disse que o tribunal tem um "encontro marcado" com o tema, talvez ainda no primeiro semestre deste ano. Na avalia��o do ministro, em nome da seguran�a jur�dica, as decis�es monocr�ticas devem ser submetidas imediatamente ao colegiado para referendo ou n�o em plen�rio.
"O ministro Lu�s Roberto Barroso, assim como eu, n�s somos dos maiores defensores de uma altera��o regimental para que todas as decis�es monocr�ticas, as liminares, sejam imediatamente colocadas na pr�xima sess�o virtual ou presencial, o que for mais r�pido. Para, em um primeiro ponto, n�o suprimir a possibilidade de decis�es monocr�ticas. H� momentos emergenciais que � necess�rio uma decis�o liminar monocr�tica. Agora imediatamente isso deve ser levado ao plen�rio. E foi exatamente o que o ministro Lu�s Roberto Barroso fez", explicou.
Pandemia
Indicado ao tribunal pelo ex-presidente Michel Temer, Alexandre de Moraes completou, no �ltimo dia 21, quatro anos como ministro da Suprema Corte. Em sua avalia��o, neste momento, a prioridade jur�dico-pol�tica do Pa�s deve ser o combate � pandemia e a defesa da democracia.
Em sua fala, Moraes voltou a negar que o tribunal tenha proibido o governo federal de agir para conter a dissemina��o da covid-19 e lembrou que o plen�rio apenas deu autonomia a Estados e munic�pios para, levando em conta o contexto local, determinarem medidas de isolamento social e enfrentamento ao novo coronav�rus. O ministro ainda acusou "omiss�o" e "falta de coordena��o" da Uni�o no enfrentamento da crise sanit�ria.
"Em momento algum o Supremo Tribunal Federal afastou a Uni�o desta atua��o. Mais do que isso: o Supremo reafirmou que as quest�es de interesse geral seriam de coordena��o da Uni�o", repetiu. "N�s tivemos, lamentavelmente neste �ltimo ano, e principalmente entre maio e junho do ano passado, uma grande crise. J� com a pandemia em andamento, sem uma coordena��o geral. O Supremo Tribunal Federal tendo que tomar diversas decis�es a partir de provoca��es, n�o para criar direitos, mas sim para especificar o que a pr�pria Constitui��o diz: que a sa�de p�blica, o combate a pandemias e epidemias � compet�ncia comum de todos os entes federativos. N�s vivemos em uma federa��o que deveria ter somado for�as pela vida, pela ci�ncia, pela vacina, e n�o dividido, e n�o se omitindo", prosseguiu.
Ataques � democracia e ao tribunal
Durante o semin�rio, Alexandre de Moraes tamb�m comentou os ataques recentes sofridos pelo Supremo Tribunal Federal. No intervalo de pouco mais de um ano, a Corte abriu duas investiga��es que t�m se mostrado relacionadas: o "inqu�rito das fake news", para apurar not�cias falsas, ofensas e amea�as aos ministros, e o "inqu�rito dos atos antidemocr�ticos", que investiga manifesta��es contra as institui��es democr�ticas. Ambas s�o conduzidas por Moraes e foram prorrogadas por mais 90 dias na �ltima sexta, 9.
"N�s tivemos que combater, ao mesmo tempo, a in�rcia governamental em rela��o � pandemia e os ataques de grupos radicais � institucionalidade e � democracia. Com erros e acertos, eu entendo que o Supremo Tribunal Federal neste �ltimo ano garantiu a continuidade democr�tica", afirmou. "Independentemente de posicionamentos diversos em determinadas mat�rias, o Supremo Tribunal Federal � coeso quando est� em jogo o Brasil, a defesa da Constitui��o e a democracia."
O ministro lembrou do foguet�rio contra o pr�dio do tribunal e do protesto com tochas e m�scaras promovido por bolsonaristas contra os ministros, em meados do ano passado, e disse ainda que amea�as mais graves de grupos radicais foram identificadas na sequ�ncia, incluindo planos de atentados contra integrantes da Corte.
Moraes tamb�m defendeu a instaura��o do "inqu�rito das fake news", aberto de of�cio pelo ent�o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, em mar�o de 2019. Na �poca, Toffoli recorreu ao artigo 43 do Regimento Interno do tribunal, segundo o qual "ocorrendo infra��o � lei penal na sede ou depend�ncia do Tribunal, o Presidente instaurar� inqu�rito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita � sua jurisdi��o". Apesar da justificativa, o caso � at�pico, porque a Justi�a brasileira preserva o princ�pio acusat�rio, ou seja, um �rg�o apresenta a den�ncia, frequentemente o Minist�rio P�blico, e outro julga. No inqu�rito das fake news, contudo, o pr�prio Supremo, que foi alvo dos ataques e not�cias falsas, determinou a abertura das investiga��es e vai julgar os crimes.
"Se n�o fosse esse inqu�rito, um ano antes dessas manifesta��es. Se n�s n�o tiv�ssemos antecipado, investigado, n�s n�o ter�amos conseguido interromper essa marcha nefasta contra a democracia", disse Moraes. "A hist�ria vai reconhecer essa contribui��o [de Toffoli]", acrescentou.
O ministro ainda esclareceu que a ordem para abrir o inqu�rito foi tomada depois que "in�meros of�cios" foram encaminhados ao Minist�rio P�blico e � Pol�cia Federal, pedindo as provid�ncias, sem qualquer iniciativa dos �rg�os de investiga��o.
LSN
Respons�vel por determinar a pris�o do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), ap�s ataques a integrantes do tribunal e apologia � ditadura militar, Alexandre de Moraes disse que o parlamentar ultrapassou os limites da liberdade de express�o. Silveira est� hoje em deten��o domiciliar e � alvo de um de um processo administrativo no Conselho de �tica da C�mara que pode levar � cassa��o de seu mandato.
"Nem nos Estados Unidos, �nico pa�s do mundo onde h� uma ideia um pouco mais alargada da liberdade de express�o, diferente de toda a Europa continental e mesmo da Inglaterra, que � de onde n�s trouxemos a nossa ideia de liberdade de express�o, nem l� isso � permitido. N�s queremos combater as agress�es e, principalmente, os atentados contra a democracia e as institui��es", comentou. "Liberdade de express�o, consagrada pela Constitui��o, � liberdade com responsabilidade. Se voc� quer agredir, se voc� quer ofender, se voc� quer atentar contra as institui��es, sob falso manto protetivo de uma liberdade de express�o, voc� ser� responsabilizado."
A pris�o do deputado foi justificativa por infra��o prevista na Lei de Seguran�a Nacional (LSN), sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente Jo�o Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem pol�tica e social - incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as institui��es e a pessoa do presidente da Rep�blica.
Heran�a do ordenamento jur�dico autorit�rio, a LSN tem reacendido debates na esteira da explos�o de investiga��es abertas pela Pol�cia Federal com base no dispositivo no governo Jair Bolsonaro. Um levantamento do Estad�o mostrou que o n�mero de procedimentos aumentou 285% nos primeiros dois anos da gest�o bolsonarista em compara��o com o mesmo per�odo dos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Na avalia��o de Moraes, o dispositivo n�o deve ser integralmente descartado. "Eu n�o sou a favor do preconceito de que todas as leis feitas durante ditadura devem ser revogadas ou n�o recepcionadas, porque se n�o n�s estar�amos perdidos. Como n�s lamentavelmente vivemos muitos per�odos em ditadura, n�s ter�amos que rever todo o ordenamento jur�dico. Eu sou a favor que as leis, mesmo as de vi�s autorit�rio como a Lei de Seguran�a Nacional, sejam interpretadas agora conforme o regime democr�tico", defendeu. "Se a lei for afastada sem nada no lugar, n�s n�o temos como proteger as institui��es, institui��es que s�o democr�ticas agora."
POL�TICA