Mesmo citado na dela��o de S�rgio Cabral, o ministro Dias Toffoli votou nesta quinta-feira, 27, para anular a colabora��o premiada do ex-governador do Rio com a Pol�cia Federal. O placar do julgamento terminou em 7 a 4 para tornar o acordo sem efeito.
Embora a decis�o que homologou a colabora��o tenha partido do pr�prio tribunal, pelas m�os do ministro Edson Fachin, o caso foi revisitado depois que vieram a p�blico as acusa��es que atingiram o colega. Apesar das expectativas, Toffoli n�o se declarou impedido para votar no julgamento. Ele foi o �ltimo dos 11 ministros a se manifestar.
Em sua dela��o, Cabral disse ter conhecimento de pagamentos na ordem de R$ 4 milh�es ao ministro em troca da venda de decis�es judiciais favor�veis a dois prefeitos fluminenses no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde Toffoli ocupou uma cadeira entre 2012 e 2016. A discuss�o sobre o acordo foi travada a partir de um recurso da Procuradoria Geral da Rep�blica (PGR), que contestou a negocia��o por considerar que n�o foram apresentados fatos novos e que o ex-governador 'age com m� f�'.
O tribunal decidiu sobre a validade da dela��o no plen�rio virtual, plataforma que permite aos ministros analisarem os processos e inclu�rem manifesta��es no sistema online sem necessidade de reuni�o presencial ou por videoconfer�ncia - e longe dos olhos da opini�o p�blica e das transmiss�es da TV Justi�a. De um lado, os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Dias Toffoli votaram para derrubar a dela��o, deixando vencidos os colegas Marco Aur�lio Mello, Lu�s Roberto Barroso, Rosa Weber e C�rmen L�cia.
O julgamento trouxe como pano de fundo o debate sobre a autonomia da Pol�cia Federal para fechar acordos de colabora��o sem o aval do Minist�rio P�blico Federal (MPF), prerrogativa chancelada pelo pr�prio Supremo em 2018. Embora a maioria dos ministros tenha votado contra a homologa��o da dela��o de Cabral, n�o houve coro para cassar o direito franqueado � PF de tocar seus pr�prios acordos de colabora��o. Apenas Lewandowski, Fux, Toffoli e Fachin defenderam nova reflex�o sobre a participa��o do MPF nas negocia��es.
Veja como votou cada ministro:
Fachin v� espa�o para revisitar a tese sobre dela��es e pol�cia
Embora tenha homologado a dela��o de Cabral, Fachin defendeu a derrubada da pr�pria decis�o. Isso porque, na avalia��o do relator, se o Minist�rio P�blico n�o considerou 'suficientemente relevantes e in�ditas' as informa��es prometidas no acordo, o ex-governador n�o poderia ter procurado outro �rg�o de investiga��o para negociar a colabora��o premiada. A proposta de dela��o de Cabral j� havia sido rejeitada pela for�a-tarefa da Lava Jato no Rio.
Fachin observou que, ao homologar a colabora��o de Cabral, ele seguiu a orienta��o majorit�ria do Supremo, que deu autonomia aos delegados de Pol�cia para fecharem de colabora��o premiada, mas defendeu que o recurso da PGR poderia abrir caminho para revisitar essa tese.
"O acordo em �mbito policial n�o pode se transformar numa nova oportunidade para que o candidato a colaborador, cujos elementos de convic��o de que dispunha tenham sido considerados insuficientes por um agente estatal, possa submeter sua proposta a uma segunda an�lise. Deve o Estado-Acusa��o manifestar-se a uma s� voz", escreveu.
Ele foi acompanhado pelo presidente do STF, Luiz Fux, e pelo colega Dias Toffoli, que defenderam a tese de que a dela��o premiada firmada por �rg�o policial deve se submeter � anu�ncia do Minist�rio P�blico. Havia expectativa de que ambos se declarassem impedidos para participar do julgamento. Fux por conhecer o ex-governador e Toffoli por ter sido citado na dela��o. No entanto, eles decidiram apresentar votos sem entrar em detalhes do caso concreto da dela��o de Cabral.
Em seu voto, Toffoli disse que, quando o STF reconheceu a autonomia da Pol�cia Federal para fechar dela��es, n�o foi debatida a hip�tese de homologa��o de um acordo j� recha�ado pelo Minist�rio P�blico Federal. "� m�ngua da concord�ncia do Minist�rio P�blico na aven�a, o quadro � de total inseguran�a jur�dica e desprote��o da confian�a leg�tima nos atos estatais com a chancela do Estado (Juiz)", defendeu.
Gilmar afirma que dela��o de Cabral � 'imprest�vel'
Gilmar Mendes tamb�m defendeu que a dela��o de Cabral fosse declarada sem efeito. Segundo o ministro, o acordo 'n�o atende aos padr�es m�nimos de legalidade e n�o se vislumbra, na sua celebra��o, a exist�ncia de interesse p�blico'.
"O resultado desse processo mostra que as narrativas do colaborador e o seu acordo em si revelaram-se absolutamente imprest�veis para a persecu��o criminal. As estrat�gias do colaborador voltadas ao constrangimento dos �rg�os de persecu��o criminal e deste pr�prio Tribunal tinham como finalidade n�o a elucida��o da verdade material, mas sim a profus�o de narrativas falsas como combust�vel da sua aventura em busca de liberdade a qualquer custo", escreveu.
Em seu voto, chamou aten��o para uma cl�usula do acordo de colabora��o que permitiu ao ex-governador ir apresentando informa��es a 'conta gotas'. Para o ministro, a condi��o � ilegal, uma vez que o delator � obrigado a narrar todos os crimes sobre os quais tem conhecimento de uma �nica vez.
"Ap�s a homologa��o do acordo, essa cl�usula guarda-chuva foi utilizada como um p� de apoio para incont�veis ilegalidades. Malgrado a Cl�usula 17 fixasse prazo de 120 (cento e vinte dias), ap�s a decis�o homologat�ria, para a apresenta��o dos "novos casos", o delegado respons�vel apresentou pedidos de compartilhamento de provas obtidas nos autos de outras opera��es criminais e ainda solicitou a prorroga��o do prazo para elabora��o de novos relatos criminais", observou.
Ele tamb�m defendeu a abertura de uma investiga��o do delegado Bernardo Guidali Amaral, respons�vel pela dela��o, por ind�cios de abuso de autoridade e viola��o de segredo profissional.
Barroso defende dela��o, mas observa que inqu�rito exige materialidade e autoria
O ministro Lu�s Roberto Barros foi o primeiro ministro a se manifestar pela manuten��o da decis�o que homologou a dela��o de Cabral. Ele tamb�m lembrou do julgamento em que o STF reconheceu a legitimidade dos delegados para a celebra��o de acordos de dela��o, indicando ainda que para uma eventual supera��o do entendimento fixado no plen�rio em 2018 seria necess�ria uma 'clara altera��o das circunst�ncias f�ticas ou normativas ou, ainda, a apresenta��o de raz�es jur�dicas extremamente fortes'.
"N�o reputo que tenham sido demonstradas altera��es das circunst�ncias f�ticas, nem trazidos ao debate argumentos novos que autorizem a modifica��o da compreens�o estabelecida em 2018. Al�m disso, do ponto de vista normativo, a Lei n� 13.964/2019 alterou substancialmente o regime da colabora��o premiada e, ainda assim, manteve a previs�o expressa de legitimidade do delegado de pol�cia para a celebra��o do acordo", registrou.
Por outro lado, o ministro observou que a homologa��o do acordo 'n�o implica reconhecimento de que as declara��es do colaborador sejam suficientes, isoladamente, para a abertura de investiga��es'.
"Para a instaura��o do inqu�rito, exige-se a verifica��o de ind�cios m�nimos de materialidade e de autoria. Tal exig�ncia reflete o equil�brio necess�rio entre os interesses em jogo: de um lado, a liberdade e a privacidade do suspeito, j� que a mera instaura��o do inqu�rito gera ineg�vel constrangimento; de outro lado, o interesse da sociedade e das v�timas na apura��o dos fatos e na puni��o de eventuais culpados", defendeu.
Marco Aur�lio, Rosa Weber e C�rmen L�cia dizem que teor da dela��o n�o deve ser analisado na homologa��o
Decano do tribunal, Marco Aur�lio Mello tamb�m abriu diverg�ncia e se manifestou contra o pedido da PGR para anular a dela��o do ex-governador. Na avalia��o do ministro, n�o cabe analisar o teor da colabora��o na fase da homologa��o.
"Apenas cumpre apreciar os aspectos formais, sem adentrar o conte�do do acordado. No caso, as formalidades legais, consideradas a espontaneidade, a voluntariedade e a legalidade do ajuste, foram atendidas. A efic�cia do que versado pelo delator, levando em conta a veracidade das declara��es, � definida mediante senten�a, observado pronunciamento do �rg�o julgador", escreveu.
Marco Aur�lio n�o entrou no m�rito sobre autonomia da PF para fechar os acordos de colabora��o, prerrogativa defendida por ele.
Assim como o decano, a ministra Rosa Weber defendeu que, na fase da homologa��o, a Justi�a deve analisar apenas o arcabou�o legal da colabora��o, sem ju�zo de valor sobre as declara��es prestadas pelo delator. "Um olhar voltado � apura��o da regularidade, da legalidade e da adequa��o dos benef�cios pactuados e dos resultados projetados, assim como da voluntariedade da manifesta��o de vontade do colaborador", escreveu em seu voto.
Nesse sentido, Rosa concluiu que n�o seria poss�vel entrar no m�rito do agravo proposto pela PGR. "A verificabilidade - e, tamb�m, a possibilidade de refuta��o - da tese recursal erigida pelo Parquet resta prejudicada, considerados os limites cognitivos que governam este procedimento homologat�rio. A consagra��o de entendimento contr�rio traduziria, ali�s, ineg�vel ofensa ao devido processo legal, com grave restri��o aos princ�pios do contradit�rio e da ampla defesa", afirmou a ministra.
Ela tamb�m deixou claro que se op�e a uma nova discuss�o sobre a autonomia da PF em fechar acordos de colabora��o. "Compreendido o Tribunal como institui��o, a simples mudan�a de composi��o n�o constitui fator suficiente para legitimar a altera��o da jurisprud�ncia , nem o s�o raz�es de natureza pragm�tica ou conjuntural", afirmou.
Na mesma linha, C�rmen L�cia disse que eventual inadequa��o das declara��es prestadas no acordo s� deve ser analisada 'ap�s aprecia��o do material probat�rio obtido'. "Trata-se de quest�o a ser decidida em momento processual adequado", defendeu. "N�o se h� cogitar de invalidade jur�dica do acordo de colabora��o firmada entre delegado de pol�cia e o colaborador baseado apenas na manifesta��o desfavor�vel do Minist�rio P�blico", acrescentou a ministra.
Alexandre v� 'graves v�cios' na dela��o e ind�cios de que Cabral continuou a ocultar dinheiro e bens ap�s acordo
O ministro Alexandre de Moraes chamou aten��o para as 'mentiras e omiss�es seletivas' do ex-governador durante as negocia��es e tamb�m concluiu que Cabral n�o poderia ter procurado a Pol�cia Federal ap�s ter a proposta de colabora��o rejeitada pelo MPF.
"O interessado, portanto, procurou, pela via transversa, garantir os benef�cios legais que a lei lhe garante, mesmo, no passado, em situa��o praticamente id�ntica, tendo faltado com a verdade e omitido dados e fatos de relevante import�ncia para o �rg�o Ministerial", escreveu.
Ele ainda apontou 'graves v�cios' no acordo e concluiu que a dela��o n�o preenche os requisitos legais. Isso porque, segundo lembra a decis�o, a Procuradoria Geral da Rep�blica apontou ind�cios de que o ex-governador continuou ocultando bens e valores mesmo ap�s a assinatura do termo de colabora��o.
"No caso concreto, existem circunst�ncias aptas a indicar que houve viola��o dos deveres anexos da boa-f� objetiva nas fases pr� e p�s-contratual", concluiu.
Lewandowski prop�e reflex�o sobre participa��o do Minist�rio P�blico nos acordos de colabora��o fechados pela PF
O ministro Ricardo Lewandowski disse que as informa��es sobre o acordo, enviadas pelo Minist�rio P�blico Federal ao STF, apontam para 'ilegalidade flagrante' e fatos 'grav�ssimos'. "O referido ajuste, tal como formulado, servir� n�o mais como um meio de obten��o de prova, mas ter� o cond�o de conferir um atestado de regularidade � parte consider�vel do produto do crime que ainda remanesce sob controle do colaborador", escreveu.
Para o ministro, � preciso revisitar a tese sobre a autonomia da Pol�cia Federal para fechar acordos de colabora��o sem a chancela do MPF. "Imp�e-se agora, todavia, � luz das m�ltiplas experi�ncias j� ocorridas, que se inicie uma reflex�o mais aprofundada quanto � participa��o do Minist�rio P�blico nos acordos de colabora��o premiada, entabulados pela autoridade policial, como condi��o de validade e efic�cia destes, particularmente em situa��es nas quais venham a ser delatadas pessoas com foro especial por prerrogativa de fun��o, cuja investiga��o depende de pedido do Parquet e de autoriza��o do Poder competente, como � o caso sob exame", defendeu.
POL�TICA