Aprovado na C�mara dos Deputados com uma uni�o 'espec�fica' entre oposi��o e situa��o, o projeto de lei que altera a lei de improbidade fortalece maus gestores e causa dificuldades 'imensas' para investiga��es, avalia o procurador Ubiratan Cazetta, presidente da principal entidade da classe, a Associa��o Nacional dos Procuradores da Rep�blica (ANPR). Em entrevista ao Estad�o, Cazetta ressaltou o impacto do projeto apelidado de 'lei da impunidade' na prote��o ao patrim�nio p�blico, ressaltando que seus efeitos podem beneficiar pol�ticos j� condenados.
"Qual � o peso maior? � o peso da prote��o ao patrim�nio p�blico, da prote��o, da honestidade, ou � o peso da exist�ncia de uma a��o (de improbidade)? O simples fato da exist�ncia da a��o n�o significa condena��o. Botando na balan�a, o meu 'sofrimento pessoal de gestor' e o impacto disso na prote��o � coisa p�blica, no que isso significa para sociedade, eu prefiro ficar do lado da sociedade", ressaltou.
A discuss�o sobre as mudan�as na lei de improbidade se estendem h� anos - assim como as cr�ticas e rea��es ao teor das altera��es propostas. Como mostrou o Estad�o no ano passado, o Minist�rio P�blico Federal chegou a ressaltar que o projeto criava 'uma excludente de ilicitude gen�rica intoler�vel' e representava 'um dos maiores retrocessos no combate � corrup��o'.
Segundo Cazetta, a forma que o projeto foi votado na casa legislativa, em regime de urg�ncia, gerou preocupa��o aos investigadores, que n�o puderam debater o texto final relatado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP). H� uma expectativa de que o projeto possa ser melhor discutido no Senado, para onde o projeto foi encaminhado, diz o procurador.
CONFIRA A SEGUIR OS PRINCIPAIS PONTOS DA ENTREVISTA:
A ANPR j� havia apontado diferentes retrocessos no novo texto da lei de improbidade. Na avalia��o do sr. qual deles � o mais grave?
A mais evidente de todas � voc� exigir a prova do dolo, a prova da vontade consciente em todos os casos. Isso cria uma dificuldade imensa porque em em v�rios casos da lei atual, voc� pode trabalhar com o que n�s chamamos de dolo gen�rico, ou seja, que se presume que a pessoa soubesse daquilo. � algo t�o t�o evidente que o ato � lesivo ao patrim�nio, ou de que � enriquecimento il�cito, que voc� n�o tem que provar que ela tinha inten��o de causar aquele dano. E isso causa uma dificuldade muito grande de prova, para voc� conseguir avan�ar. Ent�o houve uma restri��o muito grande do campo de atua��o da lei. Fora isso, dois prazos se tornaram muito dif�ceis. Um, o prazo pra terminar as investiga��es: 180 dias, mais 180, em casos complexos, em que voc� depende manifesta��o do Tribunal de Contas, da Controladoria, ou per�cias, na vida real, nos casos pr�ticos, � praticamente imposs�vel. N�o se prega que seja em determinado caso, mas o prazo tem que ser um prazo exequ�vel, dentro da realidade, e hoje n�o �, esse 180 mais 180 dias, ele � praticamente imposs�vel. E o prazo da prescri��o, que tamb�m se tornou um complicador, porque voc� tem a prescri��o, hoje, a partir de fatos objetivos, quando a pessoa deixa o cargo, se � o caso de um um agente pol�tico, voc� tem cinco anos. Hoje, com esse prazo de oito anos, da data do fato, nem sempre o fato se torna conhecido rapidamente. E se voc� tiver um uma situa��o dessa de mudan�a de mandatos e o fato ocorreu no primeiro ano de um mandato que, com a reelei��o chega a oito, voc� na pr�tica s� tem um ano pra discutir esses fatos. Descobrir, preparar a documenta��o e discutir. Fora outros prazos que foram criados, que s�o as prescri��es intercorrentes, assim, voc� prop�s a��o, voc� tem quatro anos at� uma senten�a condenat�ria. Teve a senten�a condenat�ria, voc� tem quatro anos at� que o ac�rd�o do tribunal confirme. Ent�o, todas essas somas de prazo, elas s�o muito limitadoras, elas criaram um problema s�rio pra pro acompanhamento dessa lei.
Ent�o quest�o do dolo tem um impacto grande e direto nas investiga��es e condena��es.
Sim, porque a vontade � algo muito pessoal, muito subjetivo. A pessoa pode falar: 'n�o, eu n�o quis causar dano'. Sim, mas voc� tinha uma obriga��o. Na vis�o da lei de hoje, voc� tem que demonstrar que aquilo foi um ato volunt�rio, que n�o foi algo que aconteceu sem que ele tivesse feito nada, mas voc� n�o precisa demonstrar que ele teve a vontade espec�fica de causar o dano. Agora voc� tem que demonstrar. Como � que voc� entra dentro da percep��o da pessoa, do que ela quer ou n�o quer?
O debate sobre o texto aprovado pela C�mara j� se estende faz anos - assim como as cr�ticas sobre seu teor. Como o sr v� a acelera��o da aprova��o?
Para n�s isso � muito preocupante, porque voc� n�o mexe com a lei, com a import�ncia que tem a lei de improbidade, dessa forma. Porque voc� n�o deu espa�o pra debate. Pode se dizer 'ah, mas houve 14 audi�ncias antes'. Mas essas audi�ncias n�o tinham um texto final. O texto final surgir depois do meio dia, de um dia, e ser aprovado na noite do dia seguinte impede qualquer corre��o. Assim, at� coisas que podem estar boas no projeto, no substitutivo e que mereceria uma reda��o melhor, n�o houve espa�o pra isso. Ent�o, agora n�s vamos ter que fazer esse di�logo em cima desse novo texto no Senado, para ver o que que a gente consegue construir de corre��es e debates mais amplos no Senado.
Para quem o sr acha que interessa o esvaziamento dessa lei?
H� dois campos claros de debate. Um aqueles que dizem que a a lei atual impede que pessoas de bem entrem na pol�tica, porque correm o risco de uma a��o de improbidade. N�o vou negar que haja muitas a��es de improbidade, que isso seja um problema para quem se lan�a pra administra��o. Agora, o lado da moeda � o lado da sociedade. Qual � o peso maior? � o peso da prote��o ao patrim�nio p�blico, da prote��o, da honestidade, ou � o peso da exist�ncia da a��o? O simples fato da exist�ncia da a��o n�o significa condena��o, n�s temos que aprender isso, � um debate a ser constru�do. Ent�o, botando na balan�a, o meu 'sofrimento pessoal de gestor' e o impacto disso na prote��o � coisa p�blica, no que isso significa para sociedade, eu prefiro ficar do lado da sociedade. Acho que a sociedade perde com isso e os gestores tamb�m perdem. Porque aquele que � honesto continuar� sendo honesto, continuar� tendo sua gest�o bem adequada. O que � desonesto, fica mais tranquilo, porque ele sabe que a chance de ser condenado ficou muito pequena. Ent�o, acho que o debate colocado, como foi na noite de ontem, de que 'estamos protegendo o gestor', ele tem um erro de premissa. O bom gestor sempre ser� protegido. Agora o mau gestor com essa restri��o que se deu na lei de improbidade ele sai fortalecido.
Quem o sr. acha que s�o os principais inimigos dessa lei de improbidade que se tem hoje? O governo federal, os aliados dele na C�mara?
Isso houve uma jun��o de de fatores. A reclama��o contra a lei de improbidade, come�a dos prefeitos e vai at� o Governo Federal. Foi isso que foi refletido ontem na uni�o dos diversos matizes. Ontem n�s t�nhamos oposi��o e situa��o un�ssona, em muito por conta press�o. Ent�o, pelos �ltimos anos, pela reclama��o, pelas condena��es que ocorreram, pelas pessoas que ficaram ineleg�veis, isso criou um ambiente que fortaleceu uma uni�o muito espec�fica entre oposi��o e governo. S� basicamente o PSOL, Podemos e PSB ontem manifestaram a a necessidade de mais debate. Todos os outros partidos se uniram contra a lei.
Onde est� o principal foco no Congresso que fulminou a lei?
A C�mara dos Deputados ecoa toda essa press�o que vem da base, que afeta os pr�prios deputados. A pr�pria l�gica da forma��o da C�mara, que depende muito desse voto popular, nas bases, isso faz com que a C�mara seja o principal porta-voz dessa cr�tica. Vamos ver agora no Senado, se a gente consegue ter um ambiente de debate mais tranquilo, menos apaixonado, do que o que n�s vimos ontem na aprova��o.
Os srs. t�m essa expectativa de que no Senado h� um espa�o para discuss�o desse texto final?
Temos, temos expectativa de que o Senado tenha, primeiro, mais tempo nessa discuss�o. E temos uma uma no��o de que o Senado tende a ser composto por ex-governadores, enfim, por pol�ticos com uma bagagem mais consolidada, digamos assim, e que nos ouvem. O que n�o quer dizer que a lei v� ser alterada, n�o � certeza de altera��o, mas h� um espa�o de di�logo mais vi�vel no Senado do que o que n�s vimos ontem na C�mara dos Deputados.
O sr. avalia que antigos r�us, j� condenados, poder�o usar o novo texto retroativamente para se beneficiar?
Ela tem esse efeito de retroa��o, sim. No que n�s chamamos de direito sancionador, toda vez que voc� elimina uma conduta, ela deixa de ser punida, aquele que estiver com processo em andamento, ou com casos de senten�a n�o transitada em julgado, eles v�o ter o direito a esse novo tratamento. Ent�o, isso promove um impacto muito forte. Os que j� est�o com senten�a transitada em julgado, a situa��o � um pouco mais complicada, mas eles podem buscar o que n�s chamamos no direito de a��o rescis�ria. A� tem que ver os prazos. Mas enfim, � como se n�s tiv�ssemos dito que um fato deixou de ser crime. A pessoa que est� respondendo por um processo por aquilo n�o ser� mais punida. Ent�o, esse impacto existe, ele n�o olha s� pra frente. A mudan�a da lei de improbidade olha para tr�s tamb�m. A regra do jogo muda no meio do caminho, voc� vai ter resultados alterados.
POL�TICA