A primeira sess�o de julgamento da tese de "marco temporal" no Supremo Tribunal Federal (STF) foi realizada nesta quarta-feira, 1�, com o in�cio das sustenta��es orais de representantes das partes envolvidas no processo. Ao todo, est�o inscritos 37 amicus curiae - nome dado aos amigos da Corte - para se manifestar e ajudar a fundamentar os votos dos ministros, al�m da Advocacia-Geral da Uni�o (AGU) e da Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR). A longa fila, por�m, inviabilizou o encerramento do caso ainda hoje. Somente 21 advogados conseguiram se pronunciar at� o momento, o que far� com que nova sess�o seja realizada nesta quinta-feira, 2.
Ao fim das manifesta��es, o relator do caso e �nico a votar at� o momento, ministro Edson Fachin, deve proferir novamente seu voto - apresentado no plen�rio virtual da Corte - para que ent�o os outros magistrados possam expor seus entendimentos sobre o caso. O andamento devagar do processo j� desmobilizou parte dos 6 mil ind�genas acampados h� duas semanas pr�ximos � Esplanada dos Minist�rios, enquanto aguardam os rumos do processo.
O Estad�o apurou que a expectativa dos ind�genas no acampamento "Luta Pela Vida", organizado pela Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil (Apib), deve ser frustrada por um pedido de suspens�o do julgamento a ser apresentado por algum dos ministros. O entendimento de parte dos integrantes do Supremo � de que o momento do Pa�s � de tens�o social e que a decis�o, seja ela qual for, pode estimular rea��es das partes envolvidas.
O recurso extraordin�rio em an�lise no Supremo possui car�ter de repercuss�o geral, portanto, a decis�o que prevalecer dever�, necessariamente, ser aplicada em situa��es similares. O caso concreto em julgamento trata da Reserva Ind�gena de Ibirama-La Klan�, sob tutela dos povos Xokleng, Kaigang e Guarani, mas que � reivindicada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, antiga Funda��o Amparo Tecnol�gico ao Meio Ambiente, para realiza��o do processo da reintegra��o de posse das terras.
Para os defensores do marco temporal, os povos origin�rios s� podem reivindicar a demarca��o de territ�rios que comprovadamente ocupavam na data em que foi promulgada a Constitui��o Federal de 1988, em 5 de outubro daquele. Na impossibilidade de provar a posse das terras, os ind�genas poder�o ser despejados e impedidos de solicitar novas demarca��es. Indigenistas e lideran�as representantes dos povos origin�rios recha�am essa possibilidade.
"� not�rio que o marco temporal figura como um dos principais trunfos para sobrepor interesses individuais, pol�ticos e econ�micos sobre os direitos fundamentais, coletivos e constitucionais dos povos ind�genas e tamb�m da pr�pria Uni�o. Ou seja, o marco temporal n�o goza de natureza jur�dico constitucional, pois vai de encontro a pilares que s�o caros ao nosso estado democr�tico de direito", disse Samara Carvalho Santos, representante dos Povos e Organiza��es Ind�genas da Bahia.
"O mais gravoso dessa discuss�o � que aqueles que defendem crit�rios subjetivos e limitadores para o reconhecimento dos nossos direitos territoriais, tanto no Legislativo como no Executiva, e tamb�m aqueles que trazem suas demandas perante o Judici�rio, com base no marco temporal, assim o fazem dolosamente", completou.
Enquanto n�o chega a vez dos ministros se manifestaram, o advogado-geral da Uni�o, Bruno Bianco Leal, defendeu no tribunal n�o apenas o marco temporal, como tamb�m o projeto de lei (PL) 490, em tramita��o na C�mara dos Deputados, e um parecer formulado pela AGU, em 2017, cujo teor prop�s a aplica��o da tese em processos de demarca��o. Leal argumenta que o n�o reconhecimento da tese pode gerar inseguran�a jur�dica e atentar contra a paz social.
O PL 490 trata da mesma mat�ria analisada pelo STF e ainda abre margem para iniciativas do agroneg�cio, da minera��o e da infraestrutura explorarem as terras ind�genas. J� o parecer mencionado pelo AGU, � um argumento em defesa do marco temporal que se baseia no julgamento do caso Raposa Serra do Sol - amplamente citado no julgamento de hoje -, que decidiu pela demarca��o da terra ind�gena situada no Estado de Roraima.
Na ocasi�o, o ex-ministro Ayres Britto introduziu a tese de marco temporal durante a sustenta��o do seu voto, o que passou a ser usado por defensores dos interesses agropecuaristas em disputas contra ind�genas que exigiam a demarca��o de territ�rios tradicionais.
"O revolvimento das salvaguardas institucionais firmadas no caso Raposa Serra do Sol tem o potencial de gerar inseguran�a jur�dica e ainda maior instabilidade nos processos demarcat�rios. � nesse sentido que a Uni�o defende que as salvaguardas institucionais sejam reafirmadas em prol da pacifica��o social", disse Bianco.
Em maio de 2020, Fachin atendeu ao pedido do povo Xokleng e suspendeu os efeitos do parecer da AGU at� que o recurso extraordin�rio sob an�lise do plen�rio da Corte fosse julgado. O ministro alegou ser necess�rio desconsiderar o contexto da aplica��o da tese de marco temporal.
O relator do caso j� manifestou em seu voto que a aplica��o da tese de marco temporal promove progressivo "etnoc�dio" das comunidades ind�genas e de suas formas de reprodu��o cultural. Com o mesmo entendimento apresentado pelo ministros Fachin, o advogado Eloy Terena, representante da Apib no julgamento, argumenta que a Constitui��o Federal n�o trabalha com crit�rios de temporalidade, mas sim de tradicionalidade.
"� preciso perguntar: se determinada comunidade n�o estava em sua terra na data de 5 de outubro, onde elas estavam? Quem as despejou dali? Basta lembrar que est�vamos saindo do per�odo da ditadura, onde muitas comunidades foram despejadas de suas terras. Ora com apoio, ora com aval do pr�prio Estado e seus agentes. Portanto, adotar o marco temporal � ignorar todas as viola��es a que os ind�genas foram e est�o submetidos", afirmou.
Representante do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, o procurador-geral do Estado Alisson de Bom de Souza reiterou os argumentos defendidos pela AGU desde 2017. Segundo o PGE, a derrubada da tese do marco temporal pelo Supremo pode colidir com o direito � propriedade privada.
"N�o se pode violar outros direitos fundamentais igualmente relevantes � sociedade brasileira e decorrentes da Constitui��o", afirmou. "Estar-se-� concluindo por vias transversas que h� um direito origin�rio ind�gena superior aos demais direitos fundamentais".
J� o representante dos Xokleng, Rafael Modesto dos Santos, argumentou que "o marco temporal parte de um negacionismo" dos conhecimentos produzidos pelas ci�ncias antropol�gicas, que atestam o processo de viola��o de direitos dos povos origin�rios. Para Santos, a Constitui��o Federal n�o d� margem para interpreta��es restritivas: "n�o cabe nenhum marco temporal, por ele legalizaria todo o tipo de il�cito ocorrido at� 1988".
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