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Estado de Minas POL�TICA

N�mero de PECs cresce 190% na �ltima d�cada


16/12/2021 17:06

Cada vez mais comuns na pauta legislativa, o n�mero de Propostas de Emendas � Constitui��o (PECs) saltou 190% na �ltima d�cada, se levadas em conta as iniciativas ainda em tramita��o na C�mara dos Deputados e no Senado. Ambas as Casas t�m hoje 1.344 emendas pass�veis de aprova��o. O n�mero � quatro vezes maior que os 250 artigos da Carta de 1988 e, segundo especialistas ouvidos pelo Estad�o, representa uma amea�a ao conjunto de direitos e deveres que caracterizam o Estado brasileiro h� mais de 30 anos.

N�o que a Constitui��o n�o possa ser mudada, pelo contr�rio. Tr�s d�cadas ap�s sua promulga��o, mudan�as com a finalidade de acompanhar a evolu��o da sociedade s�o salutares e recomendadas. A advogada constitucionalista Vera Chemim cita o escritor alem�o Ferdinand Lassalle para ressaltar a import�ncia dessa atualiza��o no texto constitucional. "Sem ela, o texto constitucional corre o risco de se tornar ineficaz ou, como diria Ferdinand, uma mera folha de papel", afirmou.

� a hipermutabilidade, portanto, que chama a aten��o, observa o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques. Isso porque, al�m das propostas em tramita��o, 113 j� foram promulgadas - a �ltima delas na semana passada, resultado da aprova��o da PEC dos Precat�rios. O professor avalia o movimento atual como uma tentativa promovida pelas for�as pol�ticas no poder de constitucionalizar suas conquistas para assegurar que elas se tornem imut�veis.

"Um estudo mais detalhado sobre as emendas propostas por deputados, especialmente, vai apontar que muitas delas pretendem constitucionalizar direitos que integram suas pautas", afirmou Azevedo Marques. "Existe uma puls�o, uma vontade, uma tend�ncia de os parlamentares quererem constitucionalizar direitos considerados importantes para o seu mandato. No Brasil, direito bom � direito constitucionalizado. E isso � errado, principalmente porque algo que seja circunstancial se torna ultrapassado com o tempo."

A PEC 13/2021 � um exemplo claro desse movimento circunstancial. J� aprovada pelos senadores, e tramitando hoje na C�mara, ela livra de puni��o prefeitos que n�o tenham aplicado no m�nimo 25% da receita em educa��o. Altera o texto constitucional por apenas dois anos - por causa da pandemia de covid-19.

Vera explica que deputados e senadores t�m o chamado "poder derivado", estabelecido pela pr�pria Constitui��o. "Eles t�m realmente compet�ncia para reformar o texto, mas com ressalvas e limita��es. N�o se pode ficar mudando a Constitui��o ao sabor do momento. E � o que est� acontecendo. H� a edi��o de emendas para atender interesses pol�ticos e ideol�gicos", afirmou.

Patologia

Professor de direito constitucional e membro da Academia Brasileira de Letras, Joaquim Falc�o alerta que, antes de 1988, ano de promulga��o do texto constitucional em vigor, t�nhamos no Brasil os decretos-leis, que eram emitidos pelo governo militar e depois tinham de ser respaldados pelo Parlamento. "Para mim, esse excesso de emendas significa que seguimos com a mesma patologia. S� se trocou o nome de doen�a. E essa doen�a fragiliza a nossa Constitui��o", disse. "S� o fato de ela existir e tramitar no Congresso j� representa uma amea�a."

Segundo Falc�o, a banaliza��o do instrumento prejudica o Pa�s sob diversos aspectos. "Cria inseguran�a jur�dica e instabilidade econ�mica. � um sistema que torna o Brasil improv�vel. Qualquer an�lise hoje tem de perceber o que acontece e o que n�o aparece. Essas propostas est�o l�, como um v�rus que n�o se sabe se vai se desenvolver ou n�o. � a contamina��o pela incerteza."

E essa incerteza � refor�ada a cada novo mandato, quando PECs que n�o evolu�ram podem ser desarquivadas, como ressalta o consultor pol�tico Antonio Augusto de Queiroz. "Essa quantidade absurda de emendas � resultado de uma iniciativa legislativa coletiva. Basta um dos 172 parlamentares que assinaram a proposta inicialmente pedir seu desarquivamento para que ela volte a tramitar. Em fun��o disso, muitas dessas 1.344 s�o repetidas ou tratam do mesmo assunto", afirmou.

Sobre os temas mais recorrentes, levantamento do Estad�o na base de dados da C�mara mostra que 70% das proposituras vivas atualmente tratam de quest�es pol�ticas e da administra��o p�blica. Em seguida, est�o mudan�as relacionadas a direitos humanos, seguran�a e trabalho.

"Dos governos Dilma Rousseff (segundo mandato) e Michel Temer para c�, houve um crescimento exponencial no n�mero de emendas propostas e aprovadas. Isso � produto do crescimento da fatia de parlamentares mais comprometidos com a economia de mercado", afirmou Queiroz.

"Mais recentemente, no governo Jair Bolsonaro, houve ainda uma renova��o � direita do Congresso, que levou a muitas tentativas de mudar princ�pios constitucionais. Antes, havia um certo constrangimento em se mexer em pautas ambientais ou de direitos humanos. Hoje, n�o h� mais", disse.

Regimento

O que tamb�m se perdeu foi o cumprimento do rito estabelecido para se aprovar uma emenda constitucional. Em alguns casos, as etapas t�m sido atropeladas para acelerar a vota��o.

Segundo o regimento da C�mara, qualquer proposta de emenda � Constitui��o teria de ser debatida na Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ) por cinco sess�es e depois virar alvo de uma comiss�o especial com at� 40 reuni�es, sendo dez obrigat�rias. S� depois poderia seguir para o plen�rio. N�o foi o que aconteceu com a PEC dos Precat�rios, ao menos com a parte da proposta que foi fatiada. A Casa resolveu vincul�-la a outra propositura, a PEC 176/2012, j� pronta para vota��o.

Outro impacto dessa prioridade dada �s emendas � a baixa regulamenta��o de leis ordin�rias previstas pela pr�pria Carta de 1988. "Em vez de se criar e aprovar esse excesso de PECs, o Legislativo deveria estar preocupado em editar leis que s�o demandadas pela Constitui��o em v�rios de seus dispositivos. Temos muitos temas que acabam ficando sem efic�cia, s� figuram na Constitui��o. Isso gera uma demanda no Supremo que n�o seria necess�ria", disse Vera.

Azevedo Marques concorda e acrescenta que a Suprema Corte n�o teria de se manifestar tanto e sobre tantos aspectos do dia a dia dos brasileiros se os parlamentares de hoje assumissem o papel que lhes foi confiado pelos constituintes.

Para o professor Joaquim Falc�o, a falta de regulamenta��o � parte do que ele considera uma "politiza��o da Constitui��o". E, segundo ele, essa � uma tend�ncia que n�o ocorre apenas por meio das mais variadas interpreta��es feitas pelo Supremo, mas tamb�m pelas "amea�as" do Congresso e do Pal�cio do Planalto.

Das 1 mil PECs em tramita��o na C�mara, 17 s�o de autoria do Poder Executivo e 76 do Senado Federal. Todas as demais foram propostas por deputados. Levantamento feito pelo Estad�o tamb�m mostra que 146 iniciativas est�o prontas para entrar na pauta de vota��o.

Detalhista

O excesso de emendas ainda sob an�lise do Congresso n�o tem comparativo no mundo nem justificativa plaus�vel, segundo os especialistas ouvidos pelo Estad�o, mas quem as defende pode usar ao menos um argumento com propriedade, conforme os mesmos estudiosos: a Carta brasileira � exaustivamente detalhista e anal�tica do ponto de vista do direito.

Azevedo Marques compara os m�nimos detalhes inclu�dos no texto constitucional a uma receita tradicional de fam�lia. "Imagine que voc� quer aprender a fazer aquela receita da sua av�. Ela explica, por exemplo, que vai alho, mas n�o � s�. Diz tamb�m qual marca comprar e onde. � mais ou menos assim."

Professor de direito constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano afirma ser "fatal" que uma Carta com as caracter�sticas da nossa seja mudada para acompanhar a evolu��o da sociedade, mas considera que o n�mero de emendas � exagerado e tem origem na tradi��o do brasileiro de querer regular tudo em lei.

"Isso vem desde o escravismo. Come�ou com a Lei Feij�, a famosa �Lei para ingl�s ver�. Ela proibiu o tr�fico de escravos no Brasil por press�o dos ingleses, mas, como ningu�m a fiscalizou, nunca foi de fato cumprida. Tanto � que entre 1831 a 1850, quando se aprovou a Lei Eus�bio de Queiroz (proibindo a travessia pelo Atl�ntico), mais de 800 mil pessoas foram escravizadas. � assim desde sempre. Temos uma excessiva produ��o de leis e de emendas casu�sticas, ocasionais e oportunistas no Brasil", afirmou Serrano.

Procuradas, as assessorias da C�mara e do Senado n�o comentaram os n�meros. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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