
Esta reportagem foi publicada originalmente em 7 de dezembro de 2022 e atualizada em 15 de dezembro de 2022.
Com placar apertado e ainda indefinido, o julgamento do chamado Or�amento Secreto no Supremo Tribunal Federal (STF) foi suspenso e ser� retomado na pr�xima segunda-feira (19/12).
A Corte avalia se a gest�o de dezenas de bilh�es de reais do Or�amento federal de forma pouco transparente por parlamentares fere princ�pios constitucionais.
At� o momento, cinco ministros votaram pela proibi��o completa do atual uso desses recursos, formalmente chamados de emendas do relator-geral, em refer�ncia ao parlamentar que relata a proposta de lei or�ament�ria.
Outros quatro decidiram pela continuidade dessas emendas, mas desde que se adotem mudan�as, como mais transpar�ncia. Faltam se manifestar os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Se posicionaram pela total proibi��o do atual uso das emendas de relator-geral a ministra Rosa Weber, presidente do STF e relatora das a��es em julgamento, e mais quatro ministros que acompanham sua posi��o integralmente: Edson Fachin, Lu�s Roberto Barroso, Luiz Fux e C�rmen L�cia.
Segundo a posi��o dos cinco, as emendas do relator-geral devem servir apenas para a "corre��o de erros e omiss�es" no projeto de lei or�ament�ria anual, como ocorria antes da cria��o do chamado Or�amento Secreto. Dessa forma, ficaria proibido o uso dessas emendas para cria��o de novas despesas.
Na avalia��o desses ministros, uso atual das emendas de relator para gerir dezenas de bilh�es de reais do Or�amento federal subverteu a l�gica da independ�ncia entre os Poderes, na medida em que parlamentares passaram a definir o destino de verbas dos minist�rios.
Eles criticaram n�o s� a falta de transpar�ncia, mas a aus�ncia de planejamento e efici�ncia no uso dessas verbas, pois entendem que a aplica��o dos recursos acaba atendendo interesses eleitorais dos parlamentares, e n�o as necessidades priorit�rias da popula��o.
"(O Or�amento Secreto) Est� subtraindo do presidente e do Poder Executivo a capacidade de fazer o planejamento dos investimentos globais, para atender interesses locais. Isso cria um d�ficit republicano que n�o deve passar despercebido", argumentou Barroso em seu voto.
J� os ministros Andr� Mendon�a, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli consideraram que a Constitui��o permite que os parlamentares decidam a destina��o dessas verbas, desde que sejam adotadas novas regras.
Mendon�a e Marques votaram obrigando maior transpar�ncia aos gastos, enquanto Moraes e Toffoli defenderam tamb�m novos crit�rios para a distribui��o e aplica��o dos recursos.
"Quanto maior o poder do Legislativo sobre o or�amento, mais democr�tico � o pa�s", argumentou Nunes Marques.
Com o atual placar, h� dois caminhos poss�veis, a depender dos votos de Lewandowski e Gilmar Mendes: ou o STF determinar� o fim do uso das emendas de relator-geral para cria��o de despesas, ou vai autorizar sua continuidade com novas regras que ampliem a transpar�ncia e/ou o planejamento na aplica��o dos recursos.

Na tentativa de evitar que a Corte derrube totalmente o uso das emendas de relator, partiu do pr�prio Congresso uma proposta de resolu��o que cria novas regras para essas despesas, prevendo crit�rios mais objetivos e igualit�rios para a aplica��o dos recursos pelos parlamentares, al�m da obriga��o da transpar�ncia. A resolu��o foi proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na segunda-feira (12/12) e ainda precisa ser submetida � vota��o em sess�o conjunta do Senado e da C�mara dos deputados.
Rosa Weber elogiou a iniciativa, mas disse que a proposta n�o impedia o julgamento no STF. Na sua vis�o, a resolu��o confirma a improbidade da forma como essas despesas t�m sido executadas.
"N�o se sabe quem s�o os parlamentares integrantes do grupo privilegiado (que recebe maior acesso � gest�o das emendas de relator-geral), n�o se conhecem as quantias administradas individualmente, n�o existem crit�rios objetivos e claros para a realiza��o das despesas, tampouco observam-se regras de transpar�ncia na sua execu��o", criticou a ministra, em seu voto.
O chamado Or�amento Secreto se tornou pe�a fundamental na forma��o de uma base de apoio ao governo de Jair Bolsonaro no Congresso. J� o presidente eleito, Luiz In�cio Lula da Silva, fez duras cr�ticas ao mecanismo durante a campanha presidencial.
Caso as emendas do relator-geral acabem, por�m, pode ser que parlamentares pressionem o futuro governo por outro tipo de compensa��o, em forma de cargos e verbas, em troca do apoio �s pautas de interesse do Pal�cio do Planalto no Congresso. Por isso, dentro do PT h� quem considere melhor que as emendas de relator-geral continuem com novas regras e transpar�ncia, do que sejam extintas.
Entenda melhor a seguir o que o � o chamado Or�amento Secreto e o que est� em jogo no julgamento.
O que � o Or�amento Secreto?
O "or�amento secreto" � o apelido que se deu a um mecanismo or�ament�rio conhecido como emenda de relator-geral.
Anualmente, o Congresso Nacional precisa aprovar uma lei com a previs�o de gastos do governo federal no ano seguinte. Ela � chamada de Lei Or�ament�ria Anual (LOA).
Ela determina qual ser� a verba destinada para cada �rg�o do governo. Parte dessas despesas � obrigat�ria, como o sal�rio dos servidores. Outra parte � discricion�ria. Isso significa que � o governo quem decide em quais obras, projetos ou programas os recursos ser�o aplicados.
Apesar disso, existe uma parcela do or�amento federal que � destinada de acordo com o Congresso Nacional. Essa destina��o � feita por meio das chamadas emendas parlamentares.
� por meio delas que deputados e senadores enviam recursos para investimentos nas regi�es onde ficam as suas bases eleitorais.
At� 2020, a maior parte das verbas que ficavam sob o controle do Congresso Nacional era destinada por meio das emendas individuais.
Neste tipo de emenda, os valores s�o divididos igualmente entre os deputados e tanto a autoria quanto os projetos que receberam esses recursos s�o p�blicos.
Em 2020, por�m, o Congresso ampliou o volume de recursos destinados a um outro tipo de emenda: as emendas de relator-geral.
O relator-geral � o parlamentar respons�vel pela elabora��o do projeto de lei do or�amento da Uni�o.
Em 2021, reportagens do jornal O Estado de S. Paulo revelaram que bilh�es de reais foram destinados a diversos programas do governo por meio das emendas do relator-geral. A diferen�a � que, ao contr�rio do que acontecia nas emendas individuais, em que todas as informa��es sobre a autoria e destina��o ficavam vis�veis, nas emendas de relator-geral, os seus reais autores n�o apareciam. Por isso o apelido "or�amento secreto".
Pelo fluxo revelado nas reportagens, os parlamentares enviavam as suas sugest�es de emendas para o relator e, depois disso, ele aparecia como o respons�vel pelas destina��es, impossibilitando a identifica��o e a conex�o entre os autores e os destinat�rios dos recursos.

Na pr�tica, a negocia��o desses recursos passa pelas principais lideran�as do Congresso, em especial os presidentes da C�mara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Especialistas em transpar�ncia governamental criticam o dispositivo sob o argumento de que ele favorece a ocorr�ncia de casos de corrup��o. A Pol�cia Federal j� abriu investiga��es para apurar supostos desvios envolvendo a destina��o de verbas p�blicas por meio de emendas do "or�amento secreto", como no caso em que cidades do interior do Maranh�o teriam inflado gastos com sa�de para receber mais desses recursos.
Desde 2020, ao menos R$ 45 bilh�es foram empenhados - ou seja, reservados para pagamento - em gastos com as emendas de relator-geral.
Para 2023, a proposta de lei or�ament�ria enviada ao Congresso pelo atual governo prev� cerca de R$ 19 bilh�es para essa despesa.
O que o STF est� julgando?
Os partidos Cidadania, PSOL e PV acionaram o Supremo no ano passado contra o chamado Or�amento Secreto, solicitando que a Corte declare o mecanismo como inconstitucional.
Nas a��es, os partidos argumentam que as emendas do relator ferem princ�pios da Constitui��o como os da publicidade, da moralidade e da impessoalidade na administra��o p�blica, na medida em que as verbas estariam sendo distribu�das sem transpar�ncia e de forma desigual entre os parlamentares, segundo negocia��es de interesse pol�tico.
"A pr�tica retirou a possibilidade de efetiva fiscaliza��o e controles externo e social, elementos constitucionais obrigat�rios dos or�amentos e de qualquer gasto p�blico", argumenta ainda trecho da a��o apresentada pelo PSOL.
Parlamentares a favor das emendas do relator-geral, por sua vez, rebatem as cr�ticas dizendo que deputados e senadores saberiam melhor que os minist�rios onde aplicar os recursos federais, pois t�m contato mais direto com a popula��o. Especialistas em gastos p�blicos, por�m, dizem que na verdade os congressistas costumam privilegiar seus interesses eleitorais ao definir a destina��o dos recursos.
Em manifesta��o ao STF, Senado e C�mara voltaram a usar o argumento, defendendo as emendas como forma de descentralizar as pol�ticas p�blicas.
"Essa nova conforma��o representa uma importante amplia��o da influ�ncia do Poder Legislativo na aloca��o de recursos or�ament�rios e na descentraliza��o de pol�ticas p�blicas a pequenos e m�dios munic�pios, atendendo o interesse p�blico. � uma escolha democr�tica, aprovada pelas Casas do Congresso Nacional e referendada pelo Chefe do Poder Executivo", diz o documento.
O que o STF j� decidiu sobre o tema?

A relatora dessas a��es � a ministra Rosa Weber, atual presidente do STF. Em novembro de 2021, ela tomou uma decis�o provis�ria suspendendo o Or�amento Secreto e determinando que fosse dada total transpar�ncia a esses gastos.
Ap�s o Congresso definir novas regras de divulga��o dessas despesas, os pagamentos foram liberados no m�s seguinte por decis�o de Weber, depois confirmada pela maioria da Corte.
Para atender o STF, a Comiss�o Mista de Or�amento do Congresso criou um portal em que os pedidos passaram a ser registrados. Mas, para especialistas em transpar�ncia, a ferramenta ainda � insuficiente.
Um dos problemas apontados � que � poss�vel inserir como autor do pedido n�o apenas nomes de parlamentares, mas tamb�m pessoas, entidades e �rg�os de fora do Congresso. A organiza��o Contas Abertas fez um levantamento dos dados dispon�veis e encontrou uma s�rie de inconsist�ncias.
"Dentre os R$ 12,3 bilh�es das indica��es dos 'autores', cerca de R$ 4 bilh�es, ou seja um ter�o das indica��es, s�o atribu�das a 'usu�rios externos'. Dentre os usu�rios externos, existe um classificado simplesmente como 'assinante', que indicou R$ 23,6 milh�es em emendas de relator", exemplificou o economista Gil Castello Branco, diretor da organiza��o Contas Abertas, em resposta a uma reportagem da BBC News Brasil de setembro.
Outro problema, acrescentou Castello Branco na ocasi�o, � que esses dados continuam fora dos sistemas que permitem fiscalizar melhor os gastos do governo federal, como Siga Brasil e Portal da Transpar�ncia.
Como a controv�rsia permanece, agora o Supremo est� analisando o m�rito das a��es que questionam o chamado Or�amento Secreto - ou seja, a Corte tomar� uma decis�o mais definitiva sobre o tema.
Qual seria o impacto da decis�o para o governo Lula?

Durante a campanha, Lula fez duras cr�ticas ao chamado Or�amento Secreto e atacou o que seria um excesso de poder nas m�os de Arthur Lira. No entanto, ap�s eleito, o petista decidiu apoiar a reelei��o de Lira no comando da C�mara em fevereiro, j� que sua vit�ria parece inevit�vel.
Segundo o jornal O Globo, nos �ltimos dias o presidente eleito teria conversado com alguns ministros do STF e deixado claro seu interesse no fim das emendas de relator.
Nos bastidores, por�m, h� d�vidas sobre se seria poss�vel o futuro presidente manter uma boa rela��o com o Congresso sem ceder parte do Or�amento federal para gest�o dos parlamentares.
Na bancada do PT, h� parlamentares que defendem que o ideal seria manter as emendas do relator, com novas regras. Al�m de dar total transpar�ncia ao uso dos recursos, a ideia seria que o governo direcionasse melhor a aplica��o dessas verbas, de acordo com �reas priorit�rias.
Dessa forma, em vez de os parlamentares terem ampla liberdade para definir a destina��o das emendas, eles teriam que optar pela aplica��o dos recursos dentro de alguns programas espec�ficos do governo federal.
"O Congresso aumentou sua influ�ncia sobre o Or�amento. � muito dif�cil isso retroagir. Ent�o, se o Supremo impedir que haja essa emenda de relator de forma absoluta, ele vai criar um problema com o Congresso. O que a gente � a favor � da transpar�ncia e da equitatividade (distribui��o igualit�ria das verbas entre os parlamentares)", disse � BBC News Brasil um parlamentar petista.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63883390