
Quase dois meses ap�s a vit�ria de Luiz In�cio Lula da Silva na elei��o presidencial, uma parte dos eleitores de Jair Bolsonaro segue sem aceitar o resultado.
Acampados diante de quart�is em v�rios Estados, eles pedem uma interven��o das For�as Armadas para anular a elei��o e impedir a posse de Lula — medidas que, segundo juristas, provocariam uma ruptura do Estado Democr�tico de Direito.
Quem s�o essas pessoas, e o que faz elas acreditarem que a causa delas � leg�tima?
Esse � o tema de um epis�dio do podcast Brasil Partido veiculado nesta segunda-feira (26/12).
Nele, o rep�rter Jo�o Fellet visita o acampamento que manifestantes pr�-Bolsonaro montaram em frente ao Comando Militar do Sudeste, em S�o Paulo, para entender como o movimento se formou e saber at� onde o grupo est� disposto a ir.
O epis�dio antecede o lan�amento de uma nova temporada do podcast Brasil Partido - programa dispon�vel no site da BBC, no canal da emissora no YouTube e em plataformas de �udio como Spotify, Apple Podcasts e Deezer.
Em sua primeira temporada, o podcast veiculou seis epis�dios sobre conflitos pol�ticos vividos por brasileiros na v�spera da elei��o.
A segunda temporada, a ser lan�ada nos pr�ximos meses, trar� hist�rias de conflitos que surgiram ou se acirraram ap�s a troca no governo, assim como de pontes que v�m sendo constru�das.
Das estradas aos quart�is

Assim que Lula venceu as elei��es, v�rios manifestantes bolsonaristas bloquearam estradas em diferentes pontos do pa�s em protesto contra o resultado. Depois, os protestos foram migrando para a frente de quart�is.
Muitos desses manifestantes querem que as For�as Armadas intervenham para anular a elei��o, destituir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e garantir a perman�ncia de Bolsonaro no poder.
Na tarde de 1º de dezembro, algumas centenas de pessoas defendiam essas bandeiras diante do Comando Militar do Sudeste. Idosos de classe m�dia eram maioria entre os manifestantes. Muitos vestiam camisas amarelas e estavam enrolados na bandeira brasileiras.
"For�as Armadas, entrem em a��o, fa�am valer a Constitui��o", gritavam os manifestantes, enquanto um grupo menor rezava diante de um altar improvisado para Nossa Senhora.
"Nosso inimigo � o sistema, n�o � o Lula. O Lula � um pobre coitado que subiu num carro de som e parava uma f�brica nos anos 70 e 80", diz Celso Ot�vio Lopes, um militar da reserva de 57 anos que descansava numa das v�rias barracas de apoio erguidas pelos manifestantes.
Lopes diz participar da manifesta��o desde o in�cio, logo ap�s o segundo turno da elei��o. Ele dorme em casa e vai todos os dias para o acampamento.
O militar da reserva descreve o "sistema" contra quem diz lutar como um conjunto de "pessoas, partidos pol�ticos, empres�rios, m�dia, ju�zes e promotores" que, segundo ele, buscariam controlar a sociedade em preju�zo de cidad�os comuns.
"O sistema � muito maior do que todos n�s imaginamos", afirma.
� um discurso parecido com o que foi usado por Donald Trump e Jair Bolsonaro em suas campanhas vitoriosas para as presid�ncias dos EUA e do Brasil.
"A�, em 2018, apareceu um capit�o doido, varrido, louco, que queria mudar. (Sofreu) uma facada no abd�men, por um cent�metro ele n�o morreu. O sistema tamb�m tentou passar o presidente Bolsonaro", prossegue Lopes.
A tese dele contraria a conclus�o da Pol�cia Federal de que Ad�lio Bispo agiu sozinho ao esfaquear Bolsonaro num com�cio em Juiz de Fora (MG), em 2018.
C�digo-fonte

Mas Lopes e outros manifestantes dizem estar convencidos de que h� um grande compl� para abafar a verdade sobre esse e outros acontecimentos.
No caso da �ltima elei��o, afirmam que as urnas eletr�nicas teriam sido fraudadas para dar a vit�ria a Lula, ainda que jamais tenham surgido provas que atestem essa posi��o.
Ao defender essa tese, os manifestantes citam um relat�rio que as For�as Armadas enviaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 9 de novembro como parte do trabalho de fiscalizar a elei��o.
O relat�rio diz que o TSE restringiu o acesso dos t�cnicos militares ao c�digo-fonte, a linguagem de programa��o que rege o funcionamento das urnas.
Segundo o relat�rio, os t�cnicos militares n�o puderam fazer testes de seguran�a no c�digo-fonte com equipamentos pr�prios e s� podiam portar papel e caneta na sala de inspe��o.
As For�as Armadas dizem que essas limita��es prejudicaram a fiscaliza��o e impediram que os militares garantissem que o sistema � � prova de fraudes.
J� o TSE disse � BBC que o c�digo-fonte estava dispon�vel desde outubro de 2021, mas que as For�as Armadas s� pediram pra acess�-lo 11 meses depois, a um m�s do fim do prazo.
O tribunal disse ainda que as regras de acesso ao c�digo seguem uma resolu��o do TSE, buscam proteger o sistema de vota��o e que outras entidades que fiscalizaram a elei��o, como a Pol�cia Federal e o Minist�rio P�blico Federal, n�o detectaram qualquer fraude no pleito.

Elei��es anteriores
Se acreditam que houve fraude, como os manifestantes explicam a forte vota��o obtida pelo PL, partido de Bolsonaro, na elei��o para o Congresso — ou mesmo as vit�rias eleitorais do ex-capit�o nos pleitos anteriores?
"Seria muito eles fraudarem o c�digo-fonte para presidente, senador, deputado, deputado estadual, federal... Ia ficar muito na cara", diz Renato Galerani, um policial militar da reserva.
Quanto � elei��o de 2018, ele afirma que houve uma tentativa de fraudar o pleito, mas que a forte vota��o de Bolsonaro frustrou os planos. A mesma tese j� foi expressa pelo pr�prio Bolsonaro — sem, no entanto, que ele apresentasse qualquer prova a respeito.
Os manifestantes tamb�m questionaram os bons resultados de Lula no Nordeste — ainda que a vota��o dele naquela regi�o tenha sido a mais baixa para um candidato do PT � Presid�ncia desde 2002.
"Voc� viu as caravanas, as motociatas que o Bolsonaro fez no Nordeste, a �gua que ele levou para l�? Eu vi v�deos de pessoas l� vendo a �gua chegando, a �gua na torneira l�, falando que nunca mais ia votar no Lula", disse Lopes.
Grupos de WhatsApp

V�deos como esse, oriundos de grupos bolsonaristas, foram citados v�rias vezes pelos entrevistados para refor�ar seus argumentos. Materiais compartilhados nesses grupos s�o uma das principais fontes de informa��o dos manifestantes.
Nas �ltimas semanas, no entanto, informa��es falsas que circulam nesses grupos — como a de que o ministro do STF Alexandre de Moraes teria sido preso — tornaram os manifestantes alvo de deboche entre cr�ticos. E motivaram coment�rios de que os manifestantes estariam vivendo num universo paralelo, cada vez mais apartado da realidade.
Questionados como fazem para checar se as mensagens nesses grupos s�o verdadeiras, os manifestantes disseram recorrer a sites como Google ou boatos.org.
Mas eles admitem que nem sempre conseguem fazer esse filtro. "Tem coisas que parecem muito veross�meis e n�o s�o. Eu mesma j� ca�", diz a professora aposentada Graziella Barone.
E como se defendem da acusa��o de promoverem atos antidemocr�ticos ao pedir uma interven��o militar?
"E o que � um deputado federal preso por um ministro do STF? N�o � um golpe contra o Legislativo? O que � o STF agindo como um Deus?", rebate o ex-militar Celso Ot�vio Lopes.
Lopes faz men��o � ordem de pris�o de Alexandre de Moraes contra o deputado federal bolsonarista Daniel Silveira, do PTB do Rio de Janeiro.
Depois de detido, Silveira foi condenado a 8 anos de pris�o por gravar um v�deo com ataques a ministros do STF. Nesse v�deo, entre outras coisas, Silveira disse que costumava imaginar o ministro Edson Fachin e seus colegas de Supremo levando uma surra.
Dez dos 11 ministros do STF votaram pela condena��o de Silveira, mas, em abril deste ano, Bolsonaro usou seu poder presidencial para anistiar o deputado.

At� quando?
Conforme janeiro se aproxima, o prazo para o desenlace desejado pelos manifestantes se encurta.
Questionados at� quando pretendem acampar diante dos quart�is, o ex-PM Galerani diz: "At� que haja uma solu��o ou que o presidente fale que n�o tem mais o que fazer e entregue o poder".
"Se o Lula tomar posse, ele vai p�r a pol�cia e o Ex�rcito para acabar com isso", completa. "N�s vamos virar oposi��o, em casa."
Mesmo nesse cen�rio, h� sinais de que os v�nculos que eles criaram nos acampamentos n�o v�o se romper t�o cedo.
Ao passar v�rias semanas diante dos quart�is, muitos manifestantes se afastaram de parentes de quem divergem politicamente, mas ganharam uma outra fam�lia.
"A gente se apoia uns nos outros. E aqui ningu�m conhecia ningu�m", diz Graziella Barone.
"A amizade � t�o grande aqui, a amizade � t�o verdadeira, t�o honesta... A gente formou grupos de WhatsApp e agora fica f�cil, vamos continuar mantendo contato. J� est�o falando em alugar um s�tio pra fazer um churrasco", diz Galerani.
Enquanto isso, a Justi�a amplia a press�o sobre os manifestantes.
Em 15 de dezembro, a Pol�cia Federal realizou uma opera��o em v�rios Estados contra pessoas e empresas acusadas de organizar bloqueios nas rodovias.
Na opera��o em Santa Catarina, os agentes apreenderam 11 armas — entre as quais uma submetralhadora, rifles e um fuzil.
A julgar por uma fala recente do ministro Alexandre de Moraes, outras opera��es e pris�es vir�o.
Em discurso na cerim�nia de diploma��o de Lula, em 12 de dezembro, Moraes defendeu a "integral responsabiliza��o de todos aqueles que pretendiam subverter a ordem pol�tica, criando um regime de exce��o".

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64042482
