
Os sentimentos tinham nome e lugar: tanto a "Bailarina", escultura de Victor Brecheret, quanto os jardins da C�mara, cuidados por Bastos h� seis anos, estavam no caminho dos invasores.
A escultura, que fica pr�xima � escada que leva ao Sal�o Verde da C�mara dos Deputados, faz parte do trajeto di�rio que o servidor percorre. "N�o me lembro de nenhum momento em que eu n�o parasse e a olhasse com admira��o", disse Bastos.
A pe�a tem 70 cm de altura e foi criada por Brecheret em 1920, quando morava em Paris, na Fran�a. Em bronze fundido, as curvas da escultura simulam a delicadeza e sutileza da dan�a. A filha do escultor Sandra Brecheret Pellegrini doou a obra ao Congresso em 2015.
Desde ent�o, o servidor se sente conectado � "Bailarina". "Se eu estivesse na C�mara na hora da invas�o, abra�aria obras de arte para proteg�-las. Mas, se estivesse perto da ‘Bailarina’, ela seria a escolhida", disse.
Quando se mudou de Goi�nia (GO) para Bras�lia, aos 12 anos, Bastos j� se interessava por esculturas. Depois de adulto, visitou museus na Holanda, Espanha, Fran�a e Noruega. Foi esse apre�o pela arte, al�m da conviv�ncia de d�cadas com o patrim�nio p�blico, que o fez buscar informa��es sobre os estragos que aconteciam ao vivo em Bras�lia.
Ao atualizar sem parar os sites em busca de not�cias, leu que a "Bailarina" estava desaparecida. "Fiquei chocado. S� de falar � dif�cil", afirmou.
Outra obra com a qual ele ficou preocupado foi o painel de vidro "Araguaia", de Marianne Peretti, que t�m 13 metros de comprimento e 2,5 de altura. "Eles v�o quebrar o painel da Marianne", disse para si mesmo.
Ainda naquele domingo, o servidor recebeu uma mensagem da chefia dizendo que ele n�o trabalharia na segunda-feira devido � depreda��o dos pr�dios. S� nos pr�ximos dias ele veria os estragos em primeira m�o.
"Voltei ao trabalho angustiado, perguntando o que aconteceu, o que eles quebraram", disse Bastos. "Quando cheguei, o pessoal da limpeza j� tinha arrumado bastante coisa, mas ainda havia muito vidro quebrado."
Segundo o servidor, havia um clima de tristeza entre os servidores. "Perguntava aos colegas se estava tudo bem com eles. E respondiam: 'tudo, n�o'".
No momento de repetir seu percurso pela C�mara, pensou que passaria pelo pedestal da "Bailarina" e encontraria um vazio. Mas, para sua surpresa, encontrou a escultura onde sempre estava. "Foi uma alegria tremenda, um al�vio", disse.
A pe�a havia sido encontrada pela equipe de restaura��o da C�mara, que iniciou de forma r�pida os reparos. Apesar de ter sido descolada da base, a escultura estava em perfeito estado.
Na quarta-feira (11), o encontro entre Enilson Bastos e a "Bailarina" viralizou no Twitter. Uma foto do servidor ao lado da escultura foi publicada pela historiadora Franciele Becher, que � amiga de Bastos.
"Ele estava desolado com o sumi�o da ‘Bailarina’ do Brecheret", escreveu Becher. "Hoje ele me mandou essa foto, emocionado. A escultura foi encontrada e voltou para o seu lugar."
Outras partes da C�mara n�o tiveram a mesma sorte. Por exemplo, um projeto de jardinagem, localizado embaixo do painel "Ventania", de Athos Bulc�o, foi destru�do. Bastos disse que os invasores arrancaram ra�zes, racharam caules e pisaram nas folhas.
Os servidores de Infraestrutura e Patrim�nio conseguiram recuperar alguns desses jardins, mas ainda h� plantas pr�ximas de vidros danificados, que podem cair. Por isso, a recupera��o total da jardinagem ainda n�o pode acontecer.
"Esses atos destru�ram coisas que n�o eram s� minhas, mas de milh�es de pessoas", afirmou Bastos.
Com 30 anos de experi�ncia como servidor, ele viu manifesta��es que v�o da Marcha das Vadias aos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, mas nada no n�vel do que aconteceu no dia 8 de janeiro.
Da destrui��o, por�m, pode renascer a vontade de proteger o patrim�nio p�blico. "O sentimento que tenho agora �: ningu�m vai tocar nisso aqui mais. Vamos proteger ainda mais as obras."
Bastos diz querer quer que os brasileiros possam se emocionar com as artes do Congresso assim como ele. A puls�o de proteger a C�mara, que ele considera como segunda casa, vem da identifica��o com o servi�o p�blico.
"Minha m�e e meu pai foram servidores p�blicos. Ser servidor p�blico significa estar a servi�o". Por isso, Bastos v� no seu trabalho a obriga��o de defender n�o s� o espa�o f�sico para as gera��es futuras, mas a institui��o em si. "O governo passa, mas o Estado fica", afirma.