As perguntas ainda sem resposta sobre suposto 'plano de golpe' de militares pr�ximos a Bolsonaro

As investiga��es sobre a suposta fraude em cart�es de vacina contra a covid-19 que teria beneficiado o ex-presidente Jair Bolsonaro, sua filha de 12 anos de idade e auxiliares pr�ximos apontaram, tamb�m, a exist�ncia de conversas entre militares e ex-militares que chamaram aten��o das autoridades.

O funcionamento do esquema foi divulgado pela Pol�cia Federal no dia 3 de abril, ap�s a deflagra��o da Opera��o Venire. A opera��o prendeu seis pessoas, entre elas o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e o ex-major do Ex�rcito Ailton Barros.

Segundo a PF, o esquema funcionaria a partir da inser��o de dados falsos no Sistema de Informa��o do Programa Nacional de Imuniza��o (SI-PNI) indicando que Bolsonaro, sua filha e alguns de seus auxiliares mais pr�ximos constasse como vacinados contra a covid-19 quando, na realidade, eles n�o teriam sido imunizados contra a doen�a.

Em entrevista na semana passada � r�dio Jovem Pan, Bolsonaro negou qualquer irregularidade e voltou a dizer que n�o se vacinou. "N�o existe adultera��o de minha parte. Eu n�o tomei a vacina", disse o ex–presidente.

Nos dias que se seguiram, por�m, emissoras de TV como a CNN Brasil e a Globo News passaram a divulgar o conte�do de mensagens de texto e de �udio que mostravam aliados de Bolsonaro discutindo um suposto plano a ser executado pelas For�as Armadas ap�s a derrota do ex-presidente para Luiz In�cio Lula da Silva (PT) para impedir que o petista assumisse o governo.

As mensagens teriam sido interceptadas pela Pol�cia Federal ap�s per�cia em telefones celulares apreendidos dos suspeitos. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, as mensagens foram classificadas como "tratativas para a execu��o de um golpe de Estado".

Segundo as mensagens, o plano envolvia, inclusive, que militares das For�as Armadas prendessem Moraes.

As mensagens tamb�m mencionam o coronel do Ex�rcito e ex-secret�rio-executivo do Minist�rio da Sa�de Ant�nio Elcio Franco Filho.

A BBC News Brasil procurou a defesa do presidente Jair Bolsonaro e Mauro Cid para se pronunciarem sobre o assunto.

O advogado de Bolsonaro, Marcelo Bessa, disse que s� se manifestaria sobre o caso nos autos do processo. Por mensagem de texto, o assessor de imprensa de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, negou que o ex-presidente soubesse do teor das conversas.

"Zero (conhecimento). Tanto que ele n�o aparece nos �udios", disse. A BBC News Brasil n�o conseguiu identificar quem faz a defesa de Ailton Barros.

A defesa de Mauro Cid n�o respondeu aos contatos.

De acordo com as informa��es divulgadas pela CNN Brasil e pela Globo News, as mensagens mostram, de um lado, Ailton Ramos repassando a Mauro Cid o que seria um plano a ser executado ap�s a derrota de Bolsonaro nas elei��es.

Em outro momento, as mensagens mostram Elcio Franco detalhando sua vers�o do plano a Ailton Ramos.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o impacto das mensagens � grave uma vez que elas se tratariam de um plano de golpe de Estado tramado por pessoas muito pr�ximas ao ent�o presidente.

Eles apontam, no entanto, que ainda h� perguntas importantes sem resposta sobre o caso, especialmente em rela��o � suposta participa��o ou conhecimento de Bolsonaro sobre o assunto.

O que ainda falta ser respondido?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o conte�do das mensagens � "grav�ssimo" e podem levar os envolvidos � cadeia. Por�m, eles apontam que ainda h� pontos a serem esclarecidos, especialmente, em rela��o � possibilidade de envolvimento ou conhecimento de Bolsonaro sobre o suposto plano de golpe de estado.

As principais perguntas que, segundo eles, ainda faltam ser respondidas s�o:

• Que medidas Mauro Cid tomou ap�s ter recebido as mensagens de Ailton Barros?
• Mauro Cid compactuava com os planos esbo�ados pelo ex-major?
• Bolsonaro tinha conhecimento sobre o que Ailton Barros e Elcio Franco discutiam?
• Se tinha conhecimento, que medidas o ex-presidente tomou?

Para o advogado especialista em direito eleitoral e constitucional Arthur Rollo, uma das quest�es a serem respondidas pela investiga��o � se Mauro Cid tomou alguma medida ao receber as mensagens de Ramos para impedir o ex-militar de continuar com o suposto plano.

"O conte�do das mensagens � grav�ssimo. Podemos dizer que estamos diante de atos pr�ximos � prepara��o de um golpe de estado. O que precisamos saber � se Mauro Cid tomou alguma medida ao receber essas mensagens porque se ele n�o tomou, isso poderia configurar prevarica��o, que � quando um agente p�blico deixa de reportar uma conduta errada ou criminosa mesmo tendo conhecimento dela", disse Rollo.

Rollo explica que, diante do conte�do das mensagens enviadas a Mauro Cid, o ex-Ajudante de Ordens teria a obriga��o, como funcion�rio p�blico, de denunciar o ocorrido para impedir que o suposto plano continuasse a ser discutido.

"Caso ele n�o tenha feito isso, h� implica��es tanto na esfera criminal quanto na esfera administrativa. Ele pode ser punido se ficar comprovado que ele n�o tomou nenhuma medida", afirmou o advogado.

O professor do Departamento de Direito da Universidade Federal do Paran� (UFPR) Rodrigo Kanayama, disse que saber se Mauro Cid fazia parte da trama supostamente elaborada por Ramos e Elcio tamb�m � importante.

Ele diz que, como at� agora, n�o foram divulgadas as respostas do ex-Ajudante de Ordens a Ramos, ainda n�o � poss�vel responder a essa pergunta com precis�o.

"O simples fato de haver agentes p�blicos trocando mensagens com esse tipo de conte�do j� merece ser investigado. Agora, com base no conte�do que j� foi divulgado, ainda n�o d� para dizer se ele compactuava com isso. � preciso que as investiga��es avancem para responder isso", disse o professor.

Kanayama tamb�m diz que � preciso que as investiga��es conduzidas pela Pol�cia Federal ajudem a responder se Bolsonaro tinha conhecimento sobre o que Elcio Franco e Ailton Barros discutiam.

Na �poca em que o di�logo entre os dois se deu, Franco era assessor especial da Casa Civil, que funciona no Pal�cio do Planalto. Era considerado um nome pr�ximo ao n�cleo militar do governo de Bolsonaro. Foi ap�s deixar o Minist�rio da Sa�de que Franco assumiu um cargo na Casa Civil.

Franco foi o n�mero 2 do Minist�rio da Sa�de durante a passagem do hoje deputado federal Eduardo Pazuello como ministro da pasta, entre 2020 e 2021. Por sua participa��o na condu��o da resposta do governo � epidemia de Covid-19, ele foi alvo da Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da Pandemia.

Ailton Barros, por sua vez, era um antigo aliado de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Ele participou de eventos com o ex-presidente e era chamado por ele de "segundo irm�o". Ele chegou a se candidatar a deputado estadual pelo Rio de Janeiro, mas n�o foi eleito.

Nos pedidos de pris�o e busca e apreens�o feitos pela Pol�cia Federal, os investigadores citam que teriam sido encontradas evid�ncias de que Barros, possivelmente, mantinha contato com Bolsonaro.

"As imagens capturadas de di�logos indicam inclusive que Ailton Barros trocava mensagens sobre os referidos temas com o contato registrado como 'PR01', chamado pelo investigado de 'PR', possivelmente se referindo ao ex-Presidente da Rep�blica Jair Messias Bolsonaro, revelando sua atua��o como um dos propagadores da ideologia professada pela mil�cia digital investigada", diz um trecho do pedido feito pela PF ao STF.

O documento, no entanto, n�o cita se ou como Bolsonaro respondia �s mensagens de Barros.

A expectativa, neste momento, recai sobre a per�cia que a PF j� come�ou a fazer no telefone celular do presidente, apreendido pelos investigadores na semana passada.

Al�m de saber se Bolsonaro tinha conhecimento do que Franco e Barros conversavam, a expectativa � de que a an�lise do conte�do do celular do ex-presidente possa responder � �ltima pergunta elencada pelos especialistas: se chegou a saber do que se discutia, que medidas Bolsonaro tomou a respeito?

"� preciso ter muito cuidado porque n�o � porque um assessor ou algu�m pr�ximo como Mauro Cid ou Elcio Franco discutiam isso que, necessariamente, o presidente tinha conhecimento. Isso ainda precisa ser alvo de investiga��o. At� agora, n�o foi divulgada nenhuma mensagem indicando algo nesse sentido. N�o se pode presumir nada. � preciso haver um v�nculo direto", diz Arthur Rollo.

O professor Rodrigo Kanayana concorda com Rollo.

"Neste momento, n�o vi nenhuma mensagem expressa do ex-presidente autorizando a discuss�o sobre essa hip�tese (golpe de estado). Isso � uma das coisas que a PF dever� investigar", disse.

Kanayana afirma, por�m, que Bolsonaro pode ser responsabilizado pelo simples fato de ter conhecimento sobre o suposto plano. A l�gica seria a da prevarica��o.

"S� fato de ele saber e se omitir j� seria suficiente. Ainda que n�o haja evid�ncias de que ele participou do plano, se ele se omitiu, j� cabe uma responsabiliza��o. Se ele se envolveu diretamente, o problema seria ainda maior", explica o professor.

O que dizem as mensagens?

No dia 15 de dezembro de 2022, Ramos teria enviado uma mensagem a Cid detalhando seu plano. Naquele momento, milhares de pessoas acampavam em frente a quarteis e unidades militares de todo o pa�s pedindo uma interven��o militar para impedir que Lula tomasse posse. Apesar dos apelos de diversos segmentos da sociedade, o Ex�rcito n�o tomou medidas para retirar os acampados.

"[...] entre hoje e amanh�, sexta-feira, tem que continuar pressionando o Freire Gomes (ent�o comandante do Ex�rcito) pra que ele fa�a o que ele tem que fazer. At� amanh� � tarde, ele aderindo… bem, (sic) ele fa�a um pronunciamento. Ent�o, se posicionando dessa maneira para defesa do povo brasileiro. E se ele n�o aderir quem tem que fazer esse pronunciamento � o Bolsonaro para levantar a moral da tropa que voc� viu, n�?", diz um trecho da mensagem.

"[...] a primeira coisa � essa. � esse pronunciamento ou do Freire Gomes ou do Bolsonaro at� amanh� � tarde. E tamb�m, at� amanh� � tarde, todos os atos, todos os decretos da ordem de opera��es j� t�m de estar prontos", prossegue Ramos.

Em seguida, Ramos cita o plano para prender Alexandre de Moraes, apontado por militantes bolsonaristas como um dos principais advers�rios do ex-presidente.

"Nos decretos e assim nas portaria que tiverem que ser assinadas, t�m que ser dada a miss�o ao comandante da Brigada de Opera��es Especiais de Goi�nia de prender Alexandre de Moraes no domingo, na casa dele. Como ele faz com todo mundo", diz a mensagem.

N�o h� informa��es sobre como Cid teria respondido a Barros neste epis�dio.

No outro conjunto de mensagens divulgado, Elcio Franco e Ailton Barros conversam sobre o assunto.

“O Freire (poss�vel men��o ao ent�o comandante do Ex�rcito Freire Gomes) n�o vai. Voc� n�o vai esperar dele que ele tome � frente nesse assunto, mas ele n�o pode impedir de receber a ordem. Ele vai dizer, morrer de p� junto, porque ele t� mostrando. Ele t� com medo das consequ�ncias, p�. Medo das consequ�ncias � o qu�? Ele ter insuflado? Qual foi a sua assessoria? Ele t� indo pra pior hip�tese. E qual, qual � a pior hip�tese?", indaga Elcio.

Em outro trecho, Elcio Franco volta a mencionar uma suposta hesita��o de Tom�s Freire em tomar as medidas cogitadas por ele e Ailton Barros. Ele menciona at� o que poderia ser alegado por Freire em um hipot�tico julgamento pelo Tribunal de Nuremberg, que julgou lidera�as nazistas ap�s a Segunda Guerra Mundial.

"Ah, deu tudo errado, o presidente foi preso e ele t� (sic) sendo chamado a responder. [...] Eu falei, �, eu, durante o tempo todo [inintelig�vel] contra o presidente, p�, falei que n�o, n�o deveria fazer, que n�o deveria fazer, que n�o deveria fazer e pronto. Vai pro Tribunal de Nuremberg desse jeito. Depois que ele me deu a ordem por escrito, eu, comandante da For�a, tive que cumprir. Essa � a defesa dele, entendeu? Ent�o, sinceramente, � dessa forma que tem que ser visto", disse Elcio Franco a Ailton Barros, segundo a CNN Brasil.

Em outra leva de mensagens, ainda segundo a CNN Brasil, Barros voltou a falar, agora com Elcio Franco, sobre a necessidade de usar os militares para prender Alexandre de Moraes.

“[� preciso convencer] o general Pimentel (prov�vel men��o ao general Carlos Alberto Rodrigues Pimentel). Esse alto comando de m… que n�o quer fazer as p…, � preciso convencer o comandante da Brigada de Opera��es Especiais de Goi�nia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens”, disse Barros.