
Bras�lia – Com pouco mais de cinco meses de governo, o presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) ainda n�o conseguiu construir uma rela��o est�vel com a C�mara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL), um pecuarista de Alagoas que conseguiu manter o controle de boa parte do chamado Centr�o, o majorit�rio grupo de deputados conservadores que tem como alicerce as bancadas do agroneg�cio, dos evang�licos e da seguran�a p�blica. Ao longo dos dois �ltimos anos do mandato de Jair Bolsonaro (PL), Lira foi um fiel apoiador do governo e concentrou grande poder ao tomar para si a prerrogativa de liberar recursos p�blicos de forma discricion�ria e praticamente sem controle do Executivo, com o chamado or�amento secreto.
Dessa forma, liderou a base de apoio parlamentar de Bolsonaro, trabalhou pela reelei��o do ent�o presidente e, mesmo com seu candidato derrotado, reelegeu-se, em fevereiro — com vota��o recorde —, para comandar mais uma legislatura na C�mara. At� a bancada do PT, partido do presidente eleito, apoiou sua reelei��o. Lira, por�m, mant�m-se como l�der mais influente do chamado baixo clero, formado por deputados de pouca express�o nacional ligados, fundamentalmente, a interesses fisiol�gicos e paroquiais de suas respectivas bases eleitorais — e que formam a argamassa do Centr�o.
Depois de fracassar na tentativa de impor sua agenda ultraconservadora nos primeiros dois anos de governo, quando enfrentou a resist�ncia do ent�o presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente Jair Bolsonaro encontrou em Arthur Lira o suporte que precisava para barrar as tentativas de impeachment e pavimentar o caminho para a reelei��o. Para isso, praticamente terceirizou a gest�o do Or�amento. E Lira acumulou um poder que nenhum outro presidente da C�mara havia conseguido, com apoio quase incondicional do Centr�o, generosamente alimentado com a libera��o de verbas do or�amento secreto.
Ao longo do per�odo p�s-redemocratiza��o, o Centr�o sempre foi o fiel da balan�a da governabilidade (leia texto abaixo). Na maior parte das �ltimas tr�s d�cadas, comp�s com o presidente de turno a base de sustenta��o pol�tica. A diferen�a era que o Executivo tinha, al�m dos cargos, a chave do cofre dos recursos or�ament�rios. A partir do governo de Dilma Rousseff (PT), em que as rela��es entre Executivo e Legislativo come�aram a se esgar�ar, mudan�as na Constitui��o foram aprovadas para ampliar o poder do Congresso na libera��o de recursos por meio das emendas parlamentares, com o Or�amento Impositivo.
Em 2019, Davi Alcolumbre (DEM-AP) assumiu a presid�ncia do Senado e construiu um esquema de poder baseado em brechas na legisla��o que deram origem ao or�amento secreto. Por meio das emendas de relator (RP9), dinheiro do Or�amento era liberado para currais eleitorais sem transpar�ncia nenhuma. A receita foi aprofundada por Arthur Lira, a partir de 2021, na C�mara. Dessa forma, consolidou-se o fim do principal instrumento de negocia��o pol�tica da Presid�ncia da Rep�blica, a libera��o discricion�ria de emendas parlamentares.
Diante da autonomia conquistada pelo Congresso, somada ao fato de que, em 2022, os brasileiros escolheram nas urnas deputados de car�ter conservador e reacion�rio, as pautas capitaneadas pelo governo de Lula 3 enfrentam s�rias barreiras para sair do papel. “A novidade que existe em rela��o aos outros Congressos desde a redemocratiza��o � que o o mais atual � reacion�rio. Ele n�o pretende conservar valores tradicionais, mas romper com a ordem pol�tica e social vigente para restaurar uma ordem passada idealizada”, avalia o professor do Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Pedro Villas Boas Castelo Branco.
O cientista pol�tico Ant�nio Lavareda relembra que a onda conservadora no Brasil ganhou for�a h� pelo menos uma d�cada. “O conservadorismo avan�a no Brasil de 2012 pra c�. O avan�o da direita n�o come�ou em 2018. Come�ou em 2012”, relembra. Para Graziella Testa, da FGV, a grande diferen�a � o que aconteceu com a direita brasileira. “Por um bom tempo, o eleitor de direita era um eleitor de centro-direita, que tinha uma preocupa��o sobretudo econ�mica. O que antes a gente entendia como um pensamento conservador, de que as pessoas n�o queriam mudar o que estava posto, passou a ser um pensamento de quem estava incomodado com as coisas como est�o. Se antes essa direita n�o queria que se estendessem as possibilidades de aborto legal, agora essa direita quer restringir as possibilidades que j� existem”, detalha Graziella.
Esse novo retrato do conservadorismo se apoiou nos alicerces colocados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que conseguiu ecoar o seu discurso da antipol�tica nesse eleitorado reacion�rio que j� vinha nascendo no pa�s. Com isso, para al�m de um Congresso conservador, como j� era posto desde a redemocratiza��o, consolidou-se um parlamento reacion�rio. Transitar nesse cen�rio � o grande desafio colocado a Lula neste momento.
Bancada com alto poder de sustenta��o
Desde que Jos� Sarney (MDB-AP) assumiu a Presid�ncia da Rep�blica com a morte de Tancredo Neves, em 1985, a sustentabilidade pol�tica foi constru�da em acordos com a bancada conservadora no Congresso. O que se conhece, hoje, como Centr�o, nasceu na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, para se contrapor � agenda progressista encampada pelos partidos de esquerda e abra�ada pelo ent�o presidente da C�mara (e da Constituinte), Ulisses Guimar�es (PMDB-SP).
De l� para c�, os dois presidentes que bateram de frente com o Centr�o colheram resultados amargos. Com discurso contra a pol�tica tradicional, promessa de ca�ar os “maraj�s” do servi�o p�blico e postura de candidato antiesquerda (Lula tentava chegar � Presid�ncia pela primeira vez), Fernando Collor de Mello foi eleito com amplo apoio popular. Mas o permanente embate com o Congresso e den�ncias de corrup��o minaram seu governo. Em 1992, com apenas dois anos de mandato, Collor foi o primeiro presidente a perder o cargo por processo de impeachment.
Embalado pelo sucesso do Plano Real, que acabou com a hiperinfla��o no pa�s, Fernando Henrique Cardoso cumpriu dois mandatos — foi eleito em primeiro turno nas duas vezes em que disputou a Presid�ncia — aliando o PSDB de centro-esquerda aos conservadores do PFL de Marco Maciel e Ant�nio Carlos Magalh�es, que, anos antes, haviam liderado a ruptura da base pol�tica que sustentava a ditadura militar e deram, em 1984, maioria para a elei��o indireta de Tancredo Neves contra Paulo Maluf no Col�gio Eleitoral.
Para suceder FHC e vencer uma elei��o presidencial depois de tr�s tentativas, Luiz In�cio Lula da Silva chamou para vice-presidente o empres�rio Jos� Alencar, do Partido Republicano Brasileiro (PRB), com o objetivo de quebrar a resist�ncia conservadora. O PRB virou Republicanos, partido do atual senador Hamilton Mour�o (RS), que formou, com o PP e o PL, a base do governo de Jair Bolsonaro (PL). O pr�prio PP tamb�m participou do governo do petista.
Foi no primeiro mandato de Lula que o baixo clero do Centr�o mostrou sua for�a. Em 2005, imp�s ao governo sua maior derrota pol�tica. Na elei��o para a presid�ncia da C�mara, aproveitando um racha no PT, que lan�ou dois candidatos, o desconhecido Severino Cavalcanti, do PP de Pernambuco, venceu a disputa com 300 dos 498 votos da Casa. Fisiol�gico e sem apoio dos grandes partidos, Severino foi cassado meses depois por corrup��o. Para reconquistar o cargo, Lula tirou o PT da disputa e apoiou Aldo Rebelo, do PCdoB, um h�bil articulador pol�tico.
A decis�o de Lula de fazer sua ministra da Casa Civil Dilma Rousseff sucessora na Presid�ncia levou o PT a montar uma nova composi��o com a ala conservadora do Congresso. Para formar chapa com Dilma, foi feito o convite para Michel Temer, do PMDB, que havia presidido a C�mara nos dois �ltimos anos do governo Lula. A alian�a entre progressistas e conservadores funcionou durante o primeiro mandato dela, quando a presid�ncia da C�mara foi ocupada, no primeiro bi�nio, por um petista — Marco Maia (RS) —, sucedido por um peemedebista, Henrique Eduardo Alves (RN). Mas degringolou quando Dilma foi reeleita e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) assumiu o comando da Casa. A briga entre os dois Poderes terminou com o impeachment de Dilma Rousseff e a cassa��o de Cunha. Mas o poder do Centr�o estava consolidado. Nos governos Temer e Bolsonaro, o Centr�o foi a base da sustenta��o pol�tica. (VD)
