No sal�o de confer�ncias do luxuoso Hotel Intercontinental, em Luanda, capital de Angola, o presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) discursava para uma plateia repleta de pol�ticos, empres�rios e diplomatas na noite de sexta-feira (25/8). Depois de repetir o slogan "O Brasil voltou" em diversos pa�ses, foi a vez de fazer algo parecido no continente africano.
"A volta do Brasil ao continente africano n�o deveria ser uma volta porque n�s nunca dever�amos ter sa�do do continente africano", disse Lula.
A ida do presidente a Angola � interpretada dentro e fora do governo como a face mais vis�vel do esfor�o da atual administra��o para "recuperar o preju�zo" dos �ltimos anos e aumentar as exporta��es brasileiras para o continente africano que est�o no mesmo n�vel desde 2011.
Al�m de Lula, esse movimento conta com o plano de abrir ou reabrir embaixadas no continente e por comitivas de empresas prospectando novos neg�cios na �frica.
Entre elas, gigantes investigadas em casos de corrup��o pela Opera��o Lava Jato.
Tempo 'perdido'
"O Brasil est� correndo atr�s do espa�o que perdeu nos �ltimos 10 anos", diz o professor de pol�tica e hist�ria africana do Instituto de Rela��es Internacionais (IRI) da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Alexandre dos Santos.
Segundo ele, a crise pol�tica que afetou o Brasil desde 2013, o esc�ndalo da Lava Jato que implicou empreiteiras que mantinham neg�cios com pa�ses africanos , e a pol�tica internacional do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fizeram com que o Brasil passasse por um momento de retra��o nas suas rela��es com o continente.
"Isso aconteceu, mais especificamente, nas duas administra��es passadas. Tanto [Michel] Temer quanto [Jair] Bolsonaro relegaram o continente a uma �rea do planeta sem import�ncia", afirma o professor.
Durante o mandato de Bolsonaro, por exemplo, o governo fechou duas embaixadas no continente africano sob o argumento de redu��o de gastos.
No v�cuo supostamente deixado pelo Brasil, a China, principalmente, passou a ocupar o espa�o em pa�ses como Angola e Mo�ambique.
Outro pa�s que tamb�m passou a ocupar espa�os na regi�o foi a �ndia, especialmente na por��o leste do continente.
Dados da Ag�ncia Brasileira de Promo��o � Exporta��es e Investimentos (Apex-Brasil) mostram que, em 2003, o Brasil era o 16� principal exportador para a �frica enquanto a China ocupava a 7� posi��o.
Em 2022, a China tinha subido seis posi��es e se tornou o maior exportador para a �frica. O Brasil, no entanto, subiu apenas uma posi��o.
Dados do Minist�rio do Desenvolvimento, Ind�stria, Com�rcio e Servi�os (MDIC) obtidos pela BBC News Brasil refor�am esse movimento.
Em 2022, o Brasil exportou US$ 12,8 bilh�es (cerca de R$ 62 bilh�es) ao continente africano. O valor corresponde a um aumento de 35% em rela��o a 2021, mas, quando comparado ao que o pa�s exportava em 2011 (US$ 12,2 bilh�es), por exemplo, o montante praticamente n�o cresceu.

"As exporta��es do Brasil cresceram muito nos �ltimos anos, mas quando a gente analisa a rela��o com a �frica, os n�meros mostram que elas patinaram", disse a secret�ria de Com�rcio Exterior do MDIC, Tatiana Prazeres.
Ela � uma das respons�veis por tentar alavancar o fluxo comercial do Brasil com o mundo.
Ainda de acordo com o MDIC, a participa��o da �frica no total do que o Brasil exporta � de 3,82%. Ou seja: de cada US$ 100 que o Brasil vende para o exterior, apenas US$ 3,82 foram comprados por pa�ses africanos.
Essa estagana��o no volume de vendas brasileiras aconteceu ao mesmo tempo em que o continente se transformou em uma das regi�es que mais crescem no planeta.
Dados do Banco Africano de Desenvolvimento apontam que a expectativa � de que a �frica seja a segunda regi�o com o maior crescimento econ�mico do mundo, atr�s apenas da �sia.
A proje��o � de que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas geradas) do continente chegue a 4,3% em 2024.
Ainda de acordo com o relat�rio, em torno de 22 pa�ses do continente dever�o crescer acima de 5%. Para efeito de compara��o, a expectativa � de que a economia brasileira cres�a 2,1% em 2024, segundo o Fundo Monet�rio Internacional (FMI).
Competitividade e legado da Lava Jato
Tatiana Prazeres diz que h� uma combina��o de fatores que ajuda a explicar a dificuldade do Brasil em ampliar suas rela��es comerciais com a �frica.
Um deles � a diminui��o da competitividade da economia brasileira em compara��o com a chinesa.
"O Brasil � menos competitivo em produtos industrializados do que era no passado. Outros pa�ses ocuparam o espa�o que o Brasil tinha", afirma.
Outro ponto mencionado por ela foi o impacto do fim da pol�mica linha de financiamento de exporta��o de obras de infraestrutura mantida pelo governo brasileiro por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) durante anos.
De acordo com o banco, entre 1998 e 2017, foram emprestados US$ 10,5 bilh�es (R$ 51 bilh�es) para financiar obras no exterior.
Tatiana explica que, por meio dessa linha, empreiteiras brasileiras obtinham financiamento junto ao banco brasileiro para executarem obras de infraestrutura em pa�ses na �frica e Am�rica Latina.
Para executar essas obras, no entanto, as empresas, muitas vezes, eram obrigadas a importar maquin�rio do Brasil, o que tinha impacto no volume e na qualidade das exporta��es brasileiras para o continente.
Isso acontece porque esse tipo de produto tem maior valor agregado do que alimentos e commodities que hoje comp�em a maior parte das exporta��es do pa�s ao continente.
A partir de 2014, no entanto, esse tipo de financiamento entrou na mira das investiga��es da Opera��o Lava Jato, que apurou um esquema de pagamento de vantagens indevidas a agentes pol�ticos de diversos pa�ses em troca de contratos muitas vezes bilion�rios.

Angola foi o principal destino desses recursos: US$ 3,2 bilh�es. Empreiteiras brasileiras como a Odebrecht constru�ram estradas e usinas hidrel�tricas espalhadas em diversas partes do pa�s.
Executivos de empreiteiras como a Odebrecht admitiram em acordos de colabora��o premiada que pagaram propina a agentes pol�ticos em troca de contratos internacionais em pa�ses na Am�rica Latina como Brasil, Peru e Argentina, e tamb�m da �frica como Angola e Mo�ambique.
Segundo o acordo feito por executivos da Odebrecht junto ao Departamento de Justi�a dos Estados Unidos, entre 2006 e 2013, a empresa pagou US$ 50 milh�es em propinas a agentes pol�ticos de Angola em troca de contratos.
Em Mo�ambique, o valor pago em propinas, segundo os delatores da Odebrecht, foi de US$ 900 mil.
Procurada pela BBC News Brasil, a Odebrecht afirmou que seus executivos estavam no Brasil mantendo reuni�es bilaterais, mas n�o respondeu a questionamentos enviados.
Lula foi alvo de tr�s a��es penais envolvendo supostas irregularidades envolvendo pa�ses africanos. Ele foi acusado de ter feito lobby para que uma empresa pertencente a um sobrinho fosse contratada em uma obra em Angola.
Em outro caso, foi acusado de ter influenciado a mudan�a de linhas de financiamento do BNDES que favoreceram a Odebrecht.
Em um terceiro processo, ele foi acusado de ter feito lobby para uma empresa que queria se estabelecer na Guin� Equatorial. Lula sempre negou ter praticado irregularidades.
Em todos os casos, os processos contra o petista foram trancados pela Justi�a Federal.
Em meio � press�o pol�tica gerada pelas revela��es feitas pela Lava Jato, o BNDES suspendeu a linha de financiamento de exporta��o de servi�os em 2016.
'Vamos voltar a fazer financiamento para pa�ses africanos'
Tatiana Prazeres afirma que o fim do financiamento das exporta��es de servi�os de engenharia brasileiros pode ter impactado a venda de bens manufaturados brasileiros para a �frica.
"Em algum grau isso tamb�m afeta nossas exporta��es de bens, porque por muitas vezes, exporta��o de servi�os est� atrelada � exporta��o de bens", explica.
Ela diz, no entanto, que o assunto depende de uma decis�o pol�tica que cabe a inst�ncias superiores.
Em seu discurso a empres�rios em Luanda, Lula prometeu que o Brasil voltar� a fazer financiamentos em Angola, apesar das pol�micas dos anos anteriores.
"Vamos voltar a fazer financiamento para os pa�ses africanos. Vamos voltar a fazer investimentos para Angola que � um bom pagador das coisas que o Brasil investiu aqui", disse Lula, sem mencionar a partir de quando isso poderia voltar a acontecer.
O assunto foi discutido em uma reuni�o privada em Luanda entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e um grupo de empres�rios, incluindo executivos da Andrade Gutierrez, Queiroz Galv�o e Novonor, grupo que controla a Odebrecht Engenharia e Constru��o (OEC).
Na reuni�o, os empres�rios disseram que estariam perdendo oportunidades de neg�cios no continente africano por conta da falta de linhas de financiamento de exporta��o de servi�o.
� BBC News Brasil, Haddad disse que pediu aos empres�rios para formalizarem suas demandas e para que tamb�m acionassem o Congresso Nacional.
Segundo ele, os empres�rios afirmaram que eles estariam recorrendo a financiamentos de bancos estrangeiros e que esses contratos os obrigam a importar equipamentos dos pa�ses de onde partem os financiamentos e n�o do Brasil.
O ambiente no Brasil sobre isso � delicado e eles precisam explicar ao pa�s e aos parlamentares o que de fato est� afetando a vida deles para que esse debate seja p�blica e possa ser feito � luz do dia, disse o ministro.
Tem empresa brasileira abrindo filial na Alemanha para ter acesso a linha de cr�dito e contratar os bens alem�es para fazer servi�os em Angola. Eu disse que � importante que eles, empres�rios, expliquem isso, porque pode dar a impress�o de que � uma coisa ideol�gica e n�o pragm�tica, acrescentou.
Oficialmente, o BNDES vem afirmando que as opera��es de financiamento � exporta��o de servi�os feitas pelo banco "est�o sob an�lise de diversas autoridades legais".
Membros do governo e do BNDES discutem mecanismos para a retomada desses financiamentos.
Empresas da Lava Jato na comitiva presidencial
A promessa de Lula acontece nove anos depois do in�cio da Opera��o Lava Jato.
E a lista de empresas convidadas a participar de um evento organizado para marcar a retomada da proximidade entre Brasil e Angola tem pelo menos cinco companhias que foram alvo da investiga��o.
A lista previa a participa��o de executivos da JBS, Marfrig, Odebrecht Engenharia e Constru��o (OEC), Andrade Gutierrez e Queiroz Galv�o.
As tr�s �ltimas s�o empreiteiras cujos executivos fizeram acordos de colabora��o premiada em que admitiram terem pago propina em troca de contratos.
A JBS � uma empresa que atua no ramo de processamento de prote�na animal e pertence ao grupo J&F, que foi liderado pelos empres�rios Joesley e Wesley Batista.
Eles e outros executivos do grupo fizeram acordos de colabora��o premiada no qual confessaram terem pago vantagens indevidas a pol�ticos.

A Marfrig tamb�m atua no segmento de frigor�ficos.
Em 2018, um dos executivos do grupo firmou um acordo de colabora��o premiada no qual ele se comprometeu a pagar R$ 100 milh�es �s autoridades por ter tido acesso a financiamentos p�blicos ap�s o pagamento de vantagens indevidas.
A BBC News Brasil entrou em contato com todas as empresas citadas.
Andrade Gutierrez e Queiroz Galv�o disseram que n�o iriam se manifestar. JBS e Marfrig n�o responderam a pedido de posicionamento.
Prioridades
Tatiana Prazeres, do MDIC, afirma que o plano do Brasil para retomar espa�os perdidos nos �ltimos anos vai incluir uma s�rie de eventos empresarais em setores que v�o do agroneg�cio � ind�stria de defesa.
Al�m disso, o governo estuda firmar acordos com pa�ses africanos para facilitar investimentos de empresas brasileiras no continente.
Diplomatas brasileiros com quem a BBC News Brasil conversou em car�ter reservado afirmam que o pa�s dever� abrir mais embaixadas no continente africano nos pr�ximos anos.
Uma nova embaixada, possivelmente em Ruanda, ser� aberta. Outras duas representa��es que haviam sido fechadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro dever�o ser reabertas. Elas ficariam na Lib�ria e em Serra Leoa.
