
Em v�rias mitologias ocidentais o ser humano � criado a partir do barro, da terra. Todo humano � h�mus, � humildade... Lembra-te que �s p�! Homem e terra se unem em um casamento perfeito. Quando a terra sofre, o homem sofre. Leonardo Boff, um dos maiores te�logos de l�ngua portuguesa, nos mostra que o homem � “terra que anda, terra que pensa”. O barro, do qual somos feitos, � mat�ria aberta � livre cria��o. E assim somos n�s, seres em eterna constru��o, projeto de n�s mesmos. Ao construir a n�s mesmos, vamos construindo bairros, cidades, estados e na��es.
Assim tamb�m fazem os deuses do futebol. Toda cria��o de um novo �dolo da bola come�a da terra, do barro, da poeira. Sem a terra n�o h� leg�timo futebol. Quantas vezes n�s, amantes do futebol, n�o nos misturamos a esse elemento sagrado de que somos feitos e, por algumas horas, �ramos um s�? Ao chegar em casa, escut�vamos a terna voz de um torturador medieval gritando: “Menino! Pra entrar em casa tem que deixar a terra do lado de fora!”. Pedido imposs�vel, como s� as m�es sabem fazer. Mal sab�amos que esse era nosso �den, nosso jardim dos prazeres.
Em meio a esse para�so, chamado popularmente de campo-de-terra, a humanidade era toda inf�ncia. Viv�amos o que hoje se chama de vida saud�vel, mas sem a gourmetiza��o da exist�ncia que hoje assistimos inertes. Est�vamos sempre com corpo sujo, mas a alma limpa. Nenhum ralado era capaz de nos parar. A laranja descascada, durante os intervalos, era o n�ctar do Olimpo. Ao compartilhar a mesma garrafa de �gua fortalec�amos, coletivamente, nossa imunidade e, assim, nos torn�vamos quase imortais! O fruto do conhecimento era a bola e o �nico pecado era trat�-la mal, a �nica ofensa era desrespeit�-la.
Mas eis que algu�m desafia nossa sacralidade, fazendo surgir a gan�ncia, os empreendimentos imobili�rios, e somos expulsos do para�so. Tal como S�o Paulo, ficamos cegos ou enxergamos apenas o cinza urbano, o que d� na mesma. Trocamos a terra pelo concreto, o h�mus pelo cimento e a livre cria��o pelo pr�dio em constru��o... O campo, da terra, d� lugar ao arranha, do c�u. Sem barro n�o h� mais cria��o, sem cria��o n�o h� mais o sagrado futebol.
Diante desse sacril�gio que alguns chamam de progresso, s� nos resta um ato de resist�ncia, uma miss�o divina para salvar os campos de terra, quadras e cong�neres das m�os desses infi�is que se rebelam contra nossa hist�ria. Vamos lutar para que estes lugares, como s�mbolo da mais alta express�o religiosa, sejam considerados patrim�nio hist�rico de cada bairro, de cada vilarejo, de cada cidade. S� assim encontramos nosso campo de terra prometida e nossas almas, que tamb�m s�o feitas dessa poeira vol�til que se mistura ao sol de domingo, descansar�o na felicidade.
* Fil�sofo