No Piau�, o Porto dos Tatus, em Ilha Grande, a 14 quil�metros da cidade de Parna�ba, � o fio que desata a meada das paisagens do santu�rio onde o rio desemboca no oceano. Pelo afluente Tatu, assim batizado em homenagem ao “guisado” predileto dos primeiros habitantes da ilha, a embarca��o desliza e emborca no pared�o de areia, o primeiro de uma infinidade de outros, que se intercalam entre bra�os, canais e ilhas do delta, em paragens incertas entre os estados do Piau� e do Maranh�o. S�o paisagens mutantes, que decorrem da movimenta��o das areias oce�nicas, a�oitadas pelos fortes ventos. Dunas espetaculares que hoje se elevam a 40 metros em pequenas ilhas ora soterram canais, ora se amontoam e criam novas ilhas, ora despem antigas.
“Quando era crian�a e vinha aqui, havia um s�tio com coqueirais e carna�bas. As dunas soterraram”, explica Lidedon da Silva, de 45 anos, conhecido por Dion (mas tamb�m frequentemente chamado por “John”), que cresceu acompanhando o pai pescador pelas paisagens do delta do Velho Monge, como tamb�m � conhecido o Parna�ba. Piloto de voadoras e guia tur�stico, Dion leva os incautos pelos humores desse para�so, enquanto despeja a mem�ria de fotografias de antigas paisagens. “O s�tio ficava por ali”, aponta ele para o topo de dunas douradas, ao aportar na ilha chamada Ca�da do Morro, primeira parada de um dos passeios cl�ssicos pelo delta.
Saltamos da lancha. Alvas, �ngremes e magn�ficas, as montanhas de areia nos desafiam. A cada passada, os p�s afundam at� meia canela. Se antes intocadas, nossos passos, por instantes, tornam-se presen�a. Mas n�o por muito tempo. Dan�am com o vento, limpando pegadas e amenizando o sol inclemente sobre a cobertura. Do alto das dunas, abrem-se horizontes espetaculares. O rio escuro � o cen�rio que surge ao fundo, por detr�s dos declives e desn�veis das montanhas de areias, que aprisionam em pequenos lagos as �guas das chuvas e os transbordamentos de len��is fre�ticos.
O Parna�ba s�o muitos. Na segunda parada, na Ilha das Can�rias, no munic�pio de Araioses, j� no Maranh�o, no topo de um mirante, abre-se novo horizonte: um dos cinco bra�os do delta se lan�a sobre o Atl�ntico, depois de uma longa luta, que, para o rio, sempre se anuncia perdida. De um lado da ilha, praias salgadas. Do outro, nossa lancha corta o Parna�ba, pegando tamb�m carona em outros de seus bra�os em dire��o � Ilha do Caju, onde os mais belos cen�rios misturam o assombramento deserto de areia, povoado por l�mpidas lagoas, cercada de um lado pelo oceano e do outro pelo rio. A parada � estrat�gica.
Para al�m do encantamento ex�tico das paisagens gestadas entre dunas viajantes, lagos e rios, aproxima-se o p�r do sol. Adiante, na Ilha dos Guar�s, arma-se novo espet�culo. Chegam suavemente, aos bandos, de todos os lados, avermelhando as copas verdes da ilhota. S�o os guar�s ou �bis-escarlates, de longos bicos, comedores de caranguejos, aos quais � creditada o tom da plumagem. � o momento de retorno � seguran�a dos ninhos. Entre o alarido dos p�ssaros e a penumbra que chega, a natureza se despede do sol. N�s, que estamos a 1h30min de lancha r�pida do Porto Tatu, iniciamos pelas m�os do Dion o nosso retorno. J� no escuro, olhos treinados, nosso piloto vai se esgueirando pelo delta e seus segredos.