
Algu�m que compra uma ilha tropical normalmente est� em busca de luxo. Mas Brendon Grimshaw era diferente, assim como Moyenne, a ilha no arquip�lago das Seychelles comprada por ele.
Grimshaw chegou pela primeira vez �s Seychelles — um arquip�lago composto por 115 ilhas no Oceano �ndico, das quais apenas oito s�o permanentemente habitadas — em 1962, de f�rias.
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Na �poca, ele trabalhava como editor para alguns dos maiores jornais do leste africano. Era uma �poca empolgante na �frica e, como parte do seu trabalho, ele mantinha boas rela��es com o novo e carism�tico l�der que se tornaria presidente da Tanz�nia, Julius Nyerere.
Mas Grimshaw procurava algo mais do que apenas f�rias. A Tanz�nia havia declarado independ�ncia no ano anterior. Um ano depois, seria a vez do Qu�nia. E Grimshaw, que era ingl�s, sabia que empregos como o seu em breve passariam para os habitantes locais.
Sabendo que logo ficaria desempregado, Grimshaw procurou um novo rumo para sua vida, que o levasse para mais perto da natureza. Ele sonhava em comprar terras nas ilhas Seychelles — mas o ideal seria comprar sua pr�pria ilha.

Nas suas primeiras semanas nas Seychelles, Grimshaw come�ou a imaginar se precisaria mudar de planos. N�o havia muitas ilhas � venda, e os pre�os das poucas existentes eram extremamente altos.
No pen�ltimo dia das suas f�rias, um jovem aproximou-se dele na capital das Seychelles, Vit�ria, e, do nada, perguntou se Grimshaw queria comprar uma ilha. Eles viajaram juntos para Moyenne — um pontinho de 0,099 quil�metros quadrados a 4,5 km ao norte da costa da maior ilha das Seychelles, Mah�.Grimshaw apaixonou-se imediatamente pelo sil�ncio e pelo emaranhado de vegeta��o selvagem do local. Mais tarde, ele diria que era perto o suficiente para ter f�cil acesso � ilha principal do arquip�lago, mas ainda ficava a um mundo de dist�ncia.
"Era totalmente diferente. Uma sensa��o especial", disse ele � equipe de filmagem que produziu ali um document�rio em 2009. "Este � o lugar que eu estava procurando."
Faltando quatro minutos para a meia-noite do �ltimo dia das suas f�rias nas Seychelles, Grimshaw assinou o contrato de compra de Moyenne por 8 mil libras (cerca de R$ 57 mil). A ilha era dele. Mas comprar Moyenne acabaria sendo uma tarefa mais f�cil que cuidar da ilha.
A recupera��o da ilha
Exceto por uma fam�lia de pescadores que vivia por l�, Moyenne estava abandonada h� d�cadas. Com o turismo come�ando a decolar nas Seychelles, parecia apenas quest�o de tempo at� que algu�m limpasse o terreno para construir ali um hotel cinco estrelas.

Moyenne � uma das menores ilhas internas das Seychelles. Mede apenas 400 metros de comprimento por 300 metros de largura — e seu litoral tem menos de 2 km. Seu ponto mais alto eleva-se a apenas 61 metros acima do n�vel do mar.
A ilha de Moyenne possui a mesma areia branca paradis�aca e os penhascos de granito caracter�sticos da costa das Seychelles, mas tamb�m abriga um pared�o denso e cont�nuo de �rvores que recobrem a ilha, formando uma pir�mide baixa acima do n�vel da �gua. � um turbilh�o de verde em contraste com o c�u de cobalto e o mar azul-safira, parecendo uma min�scula floresta tropical que emerge do oceano.
Apesar do diminuto tamanho de Moyenne, a restaura��o da beleza natural da ilha foi uma tarefa colossal. Uma combina��o de interven��es humanas violentas seguidas por abandono havia deixado a ilha desordenada e ofegante em busca de ar.
Ervas daninhas sufocavam a cobertura vegetal. Dizem que a ilha tinha tanta vegeta��o que os cocos que ca�am nunca atingiam o solo. No emaranhado de ervas, observava-se a aus�ncia de p�ssaros, enquanto ratos se abrigavam na vegeta��o.
Para ajudar Grimshaw, havia um nativo chamado Rene Antoine Lafortune, filho de um pescador local, ent�o com 19 anos. Os dois tornaram-se insepar�veis e juntos imaginaram como transformar a ilha, limpando o mato, plantando �rvores e abrindo caminhos pela vegeta��o.
O trabalho era meticuloso e exaustivo, mas tornou-se a obsess�o de Grimshaw pelo resto da sua vida.
Preservar para as futuras gera��es
O objetivo inicial de Grimshaw era proteger a ilha de Moyenne contra o desenvolvimento excessivo.
A princ�pio, isso significava revelar a beleza natural da ilha e construir uma pequena casa onde ele pudesse viver o resto dos seus dias.
Mas seu sonho de longo prazo era criar um para�so natural que sobrevivesse a ele e permanecesse protegido por muito tempo, ao longo das gera��es.

"O seu sonho era deixar uma ilha preservada para as futuras gera��es de habitantes das Seychelles e para o mundo", afirma Suketu Patel, que conheceu Grimshaw em 1976 e virou seu amigo pelo resto da vida.
"Ele queria uma mini-Seychelles. Queria tentar reproduzir o que eram as ilhas Seychelles antes da chegada dos turistas."
Mas nem tudo era trabalho duro. Ao aparar o excesso de vegeta��o no canto noroeste da ilha de Moyenne, Grimshaw encontrou dois t�mulos com a inscri��o: "Infelizmente desconhecidos".
Ele estava certo de que piratas de s�culos atr�s foram enterrados ali — uma das praias no norte da ilha � conhecida como a Ba�a dos Piratas.
Reza a lenda que os t�mulos pertenciam a dois modestos bucaneiros que foram mortos por dois l�deres famosos da pirataria, para que os esp�ritos dos homens mortos assombrassem a ilha e protegessem o tesouro.
N�o se sabe se Grimshaw realmente acreditava nestas lendas.
"Para ele, era engra�ado levantar-se de manh� e perguntar: 'O que vou fazer hoje? vamos procurar o tesouro'", relembra Patel.
Existem hoje dois locais marcados nos mapas da ilha de Moyenne com o s�mbolo da pirataria, onde Grimshaw e Lafortune tentaram a sorte procurando o tesouro escondido dos piratas, sem nunca encontr�-lo.

� medida que o turismo nas Seychelles crescia na d�cada de 1980, e o arquip�lago se tornava sin�nimo de para�so tropical, investidores voltaram seus olhares gananciosos para a ilha de Moyenne.
Grimshaw recebeu ofertas de at� US$ 50 milh�es (cerca de R$ 270 milh�es) para vender a ilha, mas resistiu a todas as tentativas.
Enquanto a idade de Grimshaw avan�ava, ele se conscientizava cada vez mais que lhe restava pouco tempo para proteger o futuro da ilha.
Ele n�o tinha filhos para quem transferir a cust�dia de Moyenne e, quando Lafortune morreu em 2007, decidiu agir.
Com Patel e outros, ele formou um fundo permanente para proteger a ilha e, em 2009, assinou um acordo com o Minist�rio do Meio Ambiente das Seychelles que incluiu a ilha de Moyenne como parte do Parque Marinho de Saint-Anne, mas com status especial.
Assim nasceu o Parque Nacional da Ilha de Moyenne — o menor parque nacional do mundo.
Pode parecer f�cil imaginar Grimshaw como uma figura exc�ntrica. Afinal, ele se mudou sozinho para o outro lado do mundo, comprou uma ilha, acreditava em piratas e passou a vida restaurando um ponto de terra aparentemente irrelevante.
Mas muitos habitantes das Seychelles ainda s�o gratos pelo legado que Grimshaw deixou para a na��o que adotou.
"Pessoalmente, n�o acho que ele fosse maluco", afirma Isabelle Ravinia, da Administra��o dos Parques Nacionais das Seychelles.
"Ele devolveu a ilha ao pa�s, o que foi um ato nobre. Normalmente, as pessoas tentariam vender a ilha antes de morrer para conseguir dinheiro para outra coisa. Em vez disso, ele fez algo incr�vel."
Grimshaw morreu em 2012. Seu corpo foi enterrado ao lado do t�mulo do seu pai (que foi viver com ele na ilha) e dos dois piratas desconhecidos. Atendendo a seu pedido, o t�mulo de Grimshaw tem a seguinte inscri��o: "Moyenne o ensinou a abrir os olhos para a beleza � sua volta e agradecer a Deus".
Em seu testamento, ele expressou seu �ltimo desejo: "A ilha de Moyenne deve ser mantida como um local de ora��o, paz, tranquilidade, relaxamento e conhecimento para os cidad�os das Seychelles e para os visitantes estrangeiros de todas as nacionalidades, cores e credos."

A continuidade do trabalho de Grimshaw
A tarefa de atender ao desejo de Grimshaw agora est� a cargo da Funda��o Ilha de Moyenne, administrada por Patel.
Exceto por um restaurante chamado Jolly Roger, que serve pratos locais como peixe grelhado e frutos-do-mar com curry e molho crioulo vermelho, um pequeno museu dedicado � vida de Grimshaw e dois ber��rios para filhotes de tartarugas gigantes, Moyenne permanece preservada.
A ilha n�o tem porto, e chegar at� l� tem uma magia toda especial. Em nenhum outro ponto das ilhas Seychelles voc� tem a sensa��o de descoberta de uma ilha deserta como ao desembarcar descal�o nas �guas rasas da costa de Moyenne.
Ao chegar � terra firme e dar os primeiros passos ao longo da trilha levemente inclinada em meio � floresta, as �rvores se fecham atr�s de voc� e um novo mundo se abre � sua frente.
Raios de sol coloridos se infiltram pela copa das �rvores at� o solo, a temperatura � mais baixa, e as 16 mil �rvores da ilha — mogno, mangueiras, mamoeiros e palmeiras — plantadas por Grimshaw e Lafortune te rodeiam.
H� uma estimativa que diz que Moyenne tem mais esp�cies vegetais por metro quadrado que qualquer outro parque nacional do mundo.
De vez em quando, voc� pode ter seu caminho bloqueado por uma das cerca de 50 tartarugas-gigantes-de-aldabra que vivem livremente em Moyenne. Elas n�o t�m pressa — e nem voc� deve se apressar enquanto as v� passar.
De volta �s �guas rasas nas praias da Ba�a dos Piratas, observe as tartarugas-de-pente que frequentemente visitam o local para desova.

Mesmo durante a alta temporada, dificilmente h� mais de 50 visitantes na ilha ao mesmo tempo — e nunca mais de 300 ao longo de um dia.
Seis ilhas comp�em o Parque Marinho de Saint-Anne, mas Moyenne � a �nica, al�m da min�scula Ilha Cach�e, que n�o possui hot�is ou outra forma de propriedade privada.
E, gra�as a Grimshaw e seus amigos, Moyenne provavelmente permanecer� assim.
"Existe algo que te conquista quando voc� vai at� l�", afirma Patel.
"Se voc� acha que tem um grande problema, quando voc� est� na ilha percebe que aquilo, no fim das contas, n�o � um problema. Moyenne � a vida como deveria ser."
Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel.
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