Arquitetura, m�sica, mirantes, m�gica: por que n�o d� para ignorar Chicago
Reconstru�da, terceira maior cidade dos EUA, marcada por edif�cios com identidade pr�pria, � um convite � contempla��o e um banquete para os olhos
Depois do grande inc�ndio de 1871, a cidade se reergueu para reivindicar o posto de meca da arquitetura americana, idealizada durante uma "corrida do ouro" de arquitetos e urbanistas (foto: Choose Chicago/Divulga��o)
Chicago – Olhe para cima... Seja qual for a inten��o em Chicago, nos primeiros dias invariavelmente voc� ser� pego olhando para o alto. Arranha-c�us marcam o cen�rio de metr�poles mundo afora – mas n�o como na terceira maior cidade dos Estados Unidos. Aqui, ao contr�rio de Nova York, cada edif�cio “respira” e tem sua pr�pria hist�ria.
Mas este lugar s� se tornou a meca da arquitetura americana ap�s uma trag�dia. Passados 151 anos, o Grande Inc�ndio, iniciado em 8 de outubro de 1871, ganhou ares de uma lenda local. Uma vaca pertencente � imigrante irlandesa Catherine O’Leary teria derrubado um lampi�o em um paiol. O fogo, ajudado pelos ventos constantes (The Windy City – A Cidade dos Ventos – � o apelido de Chicago) e pela seca do per�odo, se alastrou rapidamente.
Durou quatro dias. Na �poca, em uma cidade em que viviam 300 mil pessoas, 300 morreram, 100 mil ficaram desabrigadas e 20 mil edifica��es foram reduzidas a p�. A reconstru��o talvez tenha sido t�o impressionante quanto. Seis mil estruturas tempor�rias foram erguidas uma semana mais tarde. C�digos de seguran�a foram criados: a madeira, que dominava as edifica��es, foi proibida no distrito comercial.
VERTICAL E DE A�O Tal como uma f�nix, Chicago ressurgiu, agora vertical, com novas t�cnicas construtivas e uma corrida do ouro, s� que voltada para arquitetura. Idealizador do plano de obras para a reconstru��o da cidade – o chamado Plano Burnham, de 1909 – Daniel Burnham prop�s uma ‘Paris das pradarias’. O projeto integrava ruas ampliadas a parques, ferrovias e grandes edif�cios.
Nos anos posteriores, arquitetos e urbanistas, americanos e estrangeiros, rumaram para Chicago. Que hoje constata que o legado que deixaram � impressionante – e n�o parou no passado, vale dizer. Uma das refer�ncias da arquitetura do s�culo 20, o americano Frank Lloyd Wright assinou 16 projetos na cidade – e outros 25 em Oak Park, bairro afastado do Centro. Dois deles, a Robie House e o Unity Temple, foram declarados patrim�nio mundial pela Unesco.
Outro papa da arquitetura, o alem�o Ludwig Mies van der Rohe, que deixou a sua marca na Bauhaus, est� na base da Chicago de a�o e vidro com edif�cios monumentais. Mais recentemente, o canadense Frank Gehry assinou o Jay Pritzker Pavilion. Inaugurada em 2004, a concha ac�stica no Millennium Park, o parque mais badalado da cidade, � destino certo nos festivais de ver�o.
Limpa, plana e com vias amplas, a Chicago da arquitetura e das artes merece ser conhecida a p�. Na primavera e no ver�o, diga-se, j� que o inverno, os pr�prios locais admitem, � de doer os ossos – a maior vantagem de viajar entre novembro e fevereiro s�o os pre�os convidativos, pois estamos falando de uma das metr�poles mais caras dos EUA.
O Rio Chicago corta a regi�o central e oferece uma das atra��es imperd�veis, seja de lancha, caiaque ou barco (foto: Choose Chicago/Divulga��o)
Admira��o sob
outros �ngulos
Entre um arranha-c�u e outro, o olhar, por vezes, se volta para baixo. Uma s�rie de obras de arte p�blica se concentram na �rea central: as esculturas “Cabe�a de mulher” (1967), de Pablo Picasso, e “Figura feminina” (1981), de Joan Mir�, e o mosaico “As quatro esta��es” (1974), de Marc Chagall.
Outro passeio, que permite um novo �ngulo, � pelo Rio Chicago, que corta a regi�o central. Com a proximidade do ver�o e dos dias de sol, os restaurantes e bares da Riverwalk ficam cheios. O percurso ao longo do rio tem conceito semelhante (mas muito mais interessante) ao da Highline de Nova York. Percorrer os canais pela �gua fica ao gosto do fregu�s – h� lanchas, caiaques e barcos tanto para viagens privadas quanto em grupo.
O melhor tour � o realizado pela Chicago Architecture Center (www.architecture.org), da institui��o criada em 1966. Durante uma hora e meia, o First Lady percorre os canais e vai apresentando 50 edif�cios ao longo do percurso. Os guias fogem do esquema decoreba do g�nero – as viagens s�o apresentadas por volunt�rios, estudantes ou nerds da arquitetura, que contam detalhes de toda a hist�ria.
Uma delas fala sobre a dire��o do rio, que foi revertida. H� mais um s�culo, os dejetos da cidade convergiam para o Rio Chicago, que, por seu lado, desembocava no Lago Michigan, fonte de �gua pot�vel. Um projeto de engenharia de 1900 reverteu o fluxo, que passou a desaguar no Rio Mississipi. O imenso Lago Michigan, que atinge quatro estados americanos, constitui o “mar” de Chicago, �s vezes com um tom de azul que parece caribenho. A orla conta com 24 praias – pode acreditar.
� tamb�m o rio que divide os lados norte e sul da Avenida Michigan, a principal da cidade. Na parte de cima localiza-se a Magnificent Mile, uma esp�cie de Quinta Avenida (ou Champs Elys�es, dependendo da sua refer�ncia), onde est�o as marcas de luxo e redes fast fashion. Ali tamb�m se localiza a maior Starbuck’s do mundo. Inaugurada h� tr�s anos, ocupa cinco andares com cafeteria, doceria, lanchonete, restaurante e espa�o para torrefa��o.
Feij�o e Ferries Bueller Na parte sul da Michigan est� o j� mencionado Millenium Park. � l� que est� a escultura “Cloud gate”, o popular “Feij�o”, de Anish Kapoor, campe� de postagens no Instagram – dif�cil mesmo � n�o ter nenhum papagaio de pirata na imagem, j� que desde a manh� � noite a presen�a de turistas � maci�a.
Mais uma caminhada e chega-se ao Instituto de Arte de Chicago (www.artic.edu), o segundo maior museu do g�nero nos EUA (perde para o MOMA, de Nova York). Estrela de uma cidade que conta com 60 museus, conta com uma das maiores cole��es de impressionistas e p�s-impressionistas fora de Paris. At� setembro, exibe a maior retrospectiva deste s�culo de Paul C�zanne nos EUA.
Mesmo com um acervo riqu�ssimo e uma ala moderna (Modern Wing, de 2009), com projeto do italiano Renzo Piano, muita gente vai ao AIC por causa do cl�ssico “Curtindo a vida adoidado” (1986), estrelado por Matthew Broderick, o impag�vel Ferris Bueller. O quadro “Tarde de domingo na ilha de Grande Jatte” (1884), considerada a obra m�xima do franc�s George Seurat, que o personagem Cameron Frye (Alan Ruck) passa horas admirando no filme, � um dos destaques da se��o dedicada � pintura e escultura da Europa.
Contempla��o nas alturas: no pr�dio mais alto da cidade, visitantes ficam suspensos em caixa de vidro a mais de 100 andares do solo, no Skydeck (foto: Choose Chicago/Divulga��o)
As melhores fotos ficam no 103º andar
H� um lugar em Chicago em que seu olhar vai obrigatoriamente se voltar para baixo. At� 2014, a Willis Tower era o mais alto edif�cio da Am�rica do Norte – com suas duas antenas, atinge 520 metros. Perdeu o posto para o One World Trade Center, em Nova York, com 21 metros a mais.
Disputas de grandeza � parte, � no 103º andar que est� o Skydeck (www.theskydeck.com), que entrega uma vis�o completa da cidade no observat�rio. S� melhora quando se chega ao Ledge, na verdade caixas de vidro que se “descolam” do pr�dio. Voc� se sente quase flutuando no ar. Para quem tem medo da altura pode ser complicado, mas as fotos (sentado, de p�, deitado, do jeito que quiser) ser�o as melhores da viagem.
At� 2021 o Skydeck contava unicamente com o observat�rio como atra��o (o que j� � muito). Mas na entrada foi inaugurada no ano passado uma excurs�o virtual que conta toda a hist�ria da cidade. H� tamb�m detalhes que v�o fazer a gra�a das crian�as, como uma deep dish tamanho fam�lia (a famosa pizza de Chicago, quase uma torta com bordas altas, em que o queijo, sempre em grandes quantidades, vem antes do molho de tomate) para se esbaldar nas fotos.
LUXO E HIST�RIA O p�s-pandemia, vale dizer, trouxe outras novidades. Foi tamb�m inaugurado h� um ano o Pendry Chicago (www.pendry.com). Localizado na Avenida Michigan, o hotel da rede de luxo est� em um marco hist�rico, o edif�cio de 1929 que foi a antiga sede da empresa Union Carbon & Carbide (com projeto dos Burnham Brothers, filhos do pioneiro Daniel Burnham).
Os letreiros continuam na fachada de granito negro, terracota verde e dourada e folha de ouro com guarni��o de bronze, assim como a influ�ncia art d�co, levada para o interior totalmente renovado. Os antigos escrit�rios deram lugar a su�tes s�brias, recheadas de fotos de �poca e com uma vista de tirar o f�lego. Para os n�o h�spedes, o melhor espa�o para observar a regi�o – da Michigan at� o Millennium Park, com os canais do Rio Chicago – � o Ch�teau Carbide, o rooftop localizado no 24º andar.
Banheiro do Performance Bar: ilus�o de �tica � exemplo de cuidado com os detalhes (foto: Chicago Magic Lounge/Divulga��o)
Convite � vida fora do Loop
Mesmo que a regi�o central concentre boa parte das atra��es, h� muita coisa fora do chamado The Loop (o nome refere-se ao sistema de trilhos elevados que cobre toda a downtown). Chicago tem 77 bairros. A Grande Migra��o, que levou, a partir do in�cio do s�culo 20, milh�es de negros do Sul para o Norte dos EUA, gerou o blues eletrificado, como � conhecido o som de Chicago. As casas de blues est�o espalhadas por diferentes regi�es.
Pilsen � o bairro latino, que se destaca por uma profus�o de restaurantes e murais multicoloridos. Chinatown nem � preciso dizer. Mas n�o h� bairro mais cool do que Andersonville (andersonville.org). Colonizado por suecos (a bandeira amarela e azul est� expressa na caixa d’�gua que fica em cima do Swedish American Museum, na Clark Street, a principal via), � a regi�o mais progressista da metr�pole.
Boa parte das pessoas que trabalham no com�rcio local (voltado para pequenos produtores, de moda, design e gastronomia) tamb�m vive ali. Os pr�dios baixos, de tijolos, s�o um contraponto e tanto para o a�o e vidro da regi�o do Loop. Regi�o que se tornou tamb�m uma refer�ncia para a comunidade LGBTQIA+, � tamb�m muito ativa no que diz respeito aos direitos humanos. Nas vitrines das lojas, mensagens de apoio aos movimentos feminista e Black Lives Matter e contra a invas�o na Ucr�nia.
MAGIA E M�SICA � ainda em Andersonville que se esconde um dos lugares mais inusitados de Chicago. Inaugurado h� pouco mais de quatro anos, o Chicago Magic Lounge (www.chicagomagiclounge.com) � um misto de bar e teatro destinado ao jazz, ao blues e � m�gica (para adultos, que fique claro). Homens e mulheres, m�gicos profissionais, v�m de todo os EUA e de fora para se apresentar no local – a programa��o � sempre diversa.
Mas n�o � uma atra��o que cheira a mofo, pelo contr�rio. Ao entrar no teatro, damos de cara com uma lavanderia – o que remete � �poca da Lei Seca, quando bares clandestinos eram criados em lugares inusitados. Abertas as portas, podemos escolher em um bar ou no palco principal, onde m�gicos fazem apresenta��es individuais nas mesas, enquanto o som rola do palco. O espa�o surpreende pelos detalhes. Um dos banheiros do chamado Performance Bar � puro “Alice no Pa�s das Maravilhas”. A pintura no piso quadriculado “engana o olho”, criando a ilus�o de que ela se abre no ch�o. At� nos cantos mais inesperados, uma lembran�a a mais de que voc� est� em uma cidade que � um convite – e um banquete – para o olhar.
* A rep�rter viajou a convite do escrit�rio de turismo Choose Chicago
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