“O que mais assustava a gente era ver a lama se aproximando do carro, arrastando vag�es, m�quina. A caminhonete ali era como gr�o de areia. Hoje, consigo lembrar s� da lama na lateral e, quando bateu, arremessou a caminhonete para cima. N�o tem como pensar que vai sobreviver. Fui pensando no Salmo 91, que fala: ‘Mil cair�o ao teu lado, 10 mil � tua direita, mas tu n�o ser�s atingido’. Acho que isso aconteceu comigo.
Sou nascido e criado em M�rio Campos, no quintal de casa, lugar simples, correndo pra todo lado, nadando nos rios, mato afora, pegando manga. Somos nove irm�os. Sempre gostei de carro. Aprendi a dirigir na ro�a mesmo. O primeiro carro foi um fusquinha. Na �poca, carro era para poucos. Era o auge. Eu tinha uns 13, 14 anos de idade. O carro era do meu irm�o. Uma vez, eu estava dirigindo e quase capotei o carro. J� tinha tirado carteira. Estava come�ando a chover e o fusquinha rodou comigo, bateu no barranco e virou no sentido contr�rio. Foi uma coisa r�pida. Era mais novo, n�o tinha no��o do perigo, nem nada.
Estou na Vale h� 14 anos. Entrei por uma empresa terceirizada. A rotina � carregar e descarregar. Carrega na m�quina e descarrega no dep�sito de min�rio. V�rias vezes ao longo do dia, 18, 20 vezes. Trabalhei por sete anos na mina, operador de equipamentos, depois operador de m�quina, que era arrumando estrada. Logo em seguida, tive a oportunidade de estudar: fiz dois cursos t�cnicos – um em minera��o, outro em meio ambiente –; passei para a Ger�ncia de Meio Ambiente, continuei estudando, fiz engenharia ambiental e estou at� hoje.
A gente chega na empresa por volta das 7h35, 7h40. Vamos para uma sala, faz o di�logo de sa�de e seguran�a (DSS). Naquele dia, tinha uma atividade programada. Entramos no refeit�rio, almo�amos, sa�mos por volta das 11h20 e fomos l� fazer o servi�o. Quando eles posicionaram o caminh�o para fazer a suc��o da fossa, houve um barulho muito alto. O trem, a composi��o, se movimentou toda. Pensei que fosse um descarrilamento. A� fui para um ponto mais alto e vi que a barragem tinha rompido. O material vinha estourando tudo. O barulho foi muito forte, como se fosse uma explos�o, e o barulho aumentou porque misturou m�quina com vag�o, aquilo tudo, como se fosse cena de filme, mas na vida real.
A� gritei para esse colega meu, o Sebasti�o: ‘Corre que a barragem rompeu, entra na caminhonete, sen�o a gente vai morrer’. Ele ainda trope�ou, caiu. Esperei ele entrar na caminhonete. Quando tentei fugir, andei 15 metros e topei a lama de frente. Vi um operador de escavadeira manobrando tamb�m. Tentei ir para o outro lado, a lama me cercou de frente e foi me cercando. Parei quase no mesmo local em que a gente estava, tirei as m�os do volante e falei pra ele: ‘Sebasti�o, vamos pedir perd�o pelos pecados e entregar a alma para Deus, porque nossa hora � agora. A hora de a gente ir � essa.’
Assim que a gente saiu da caminhonete, j� vimos o Leandro pedindo socorro. Gritando: ‘Pelo amor de Deus, me ajuda, me ajuda’, soterrado at� quase a altura do pesco�o. Falava que tinha dificuldade para respirar. N�s pegamos, desobstru�mos a parte do t�rax. Sentia dor nas pernas, uma das pernas estava quebrada. Fomos cavando com a m�o e conseguimos tirar ele da m�quina. Sentamos no ch�o e come�amos a acenar para o helic�ptero. Depois, chegou o helic�ptero da pol�cia e resgatou a gente.
Agora tenho duas datas de nascimento. Uma, 7 de agosto. A outra, 25 de janeiro.”