“Horta requer trabalho gigantesco. Fazer os canteiros, preparar os terrenos, colocar as mudas ainda pequenininhas, adubar, molhar para depois virar aquela coisa maravilhosa. � muita dificuldade para chegar ao ponto de colher. Isso � dia, noite, sol, chuva...de domingo a domingo. Era tudo planta��o de verdura. � esquerda, tinha galp�o, estufa. Tinha muita muda na hora de levar para a terra. Tinha planta��o de alface e de taiobas ao fundo. As taiobas estavam lindas. No fundo passava o c�rrego, que tamb�m tinha muita �gua. A comunidade vinha aqui e tirava fotos. Voc�s t�m de ver a horta do Tonico, como ela � bonita.
Era crian�a quando tudo come�ou. Lembro do meu pai selecionando tomate. Aquela confus�o de gente trabalhando junto, encaixotando, colocando no caminh�o para sair para a Ceasa. Aquele ar de amizade, companheirismo, alegria de estar ali colhendo e trabalhando. Tinha de um tudo: alface, acelga, agri�o, espinafre, r�cula. Plantamos tomilho, s�lvia, funcho, alecrim, tomate, piment�o, abobrinha e berinjela.
Nesse intervalo, estava ligando para pegar alguns pedidos, quando, de repente, a energia caiu. O sinal de telefone acabou. Sa� do galp�o para fazer algumas liga��es, quando chegou o rapaz que trabalha com a gente gritando: ‘Voc�s n�o est�o ouvindo? Corre, corre que l� vem lama’. Fiquei desesperada sem saber para onde correr. Juntei o que estava pr�ximo de mim.
Tinha pessoal que vinha abaixo da horta, em dire��o � lama. Andei, mas n�o aguentei mais. Minhas pernas paralisaram. Entrei em estado de choque. Vinham correndo, pediram para eu entrar no caminh�o. O caminh�o n�o tinha ar para arrancar. Fiquei desesperada. Olhei para o retrovisor e vi uma imensid�o de lama. Assustada, pedi a Deus que me tirasse dali. Fomos para um ponto seguro. Quando olhei para tr�s, veio a pior sensa��o do mundo: tudo, tudo debaixo da lama. Na hora, o que impressionava era o barulho. Lembra um monte de bambu quebrando, tudo ao mesmo tempo. Assustador. A poeira vem junto. Ap�s essa imensid�o de poeira, vem a lama.
No dia seguinte, o primeiro corpo foi encontrado por pessoas que trabalham aqui. A partir disso as buscas vieram para c� com mais intensidade. Retiraram um corpo de dentro do meu galp�o. A sensa��o � p�ssima, assustadora. Tiraram um corpo numa caixa nossa de verdura. Lugar em que a gente trabalhava, lavava as verduras para levar para os nossos clientes limpinho, arrumadinho. Um corpo saindo de uma caixa dessas… � chocante para a gente.
Agrade�o a intercess�o de Nossa Senhora de F�tima. E pe�o a ela discernimento, precisamos de muita sabedoria. A gente precisa continuar. A vida tem de seguir, apesar de ter perdido amigo, acabado com nossa horta. S� pe�o for�a e sabedoria. N�s vamos vencer. N�o falo aqui. Um dia vamos ter nossa horta de novo, do jeito que sempre foi: bonita. Vai ter justi�a. A gente quer ter nossa vida de volta.”