� menino. Eu e o Tinho estamos querendo colocar o nome de Mois�s por causa da novela que passou. � uma hist�ria muito bonita. A Emanuelly gostava de ver. O N�colas tamb�m gosta muito desse nome. Se fosse menina, ia ser Vit�ria Emanuelly. Ia inverter o nome. Ela chamava Emanuelly Vit�ria.
Na noite em que Mois�s abriu o Mar Vermelho, na novela da Record (10 de novembro), eu n�o assisti, � claro! N�o tinha cabe�a. De tarde, quando fui buscar umas roupas no gin�sio, porque n�o tinha nada para vestir, um psic�logo me procurou. Ele contou que haviam encontrado o corpo da Emanuelly.
Tudo ficou pequeno. Eu pedi a Deus para me levar junto com a minha filha. Eu n�o estava aguentando mais. � uma dor que s� quem passou e perdeu consegue entender. Antes, s� de falarem dela eu n�o podia nem conversar. Chorava. N�o podia ver nada dela que chorava. Hoje consigo ver uma foto e falar dela.
A Emanuelly estava ensaiando um teatrinho para formatura do terceiro per�odo. Eu guardava o dinheiro para pagar a roupinha. Era um vestido rodadinho de bolinha. Com anteninha. Tudo bonitinho. N�o deu tempo dela me contar se j� sabia o que teria que dizer, mas creio que ela decorou as falas, porque era uma menina muito esperta. Da roupinha ela contou. Chegou a medir no corpo para fazer.

Quando foi na quinta-feira (dia do rompimento da barragem), n�s duas acordamos cedo demais. N�o sei se marquei o despertador errado, mas o celular tocou fora de hora. Ficamos um temp�o no sof� batendo papo. Ela contando coisas de escola. Falava da formatura e da roupa da dona Baratinha, que seria o tema do teatro.
Na quinta-feira de manh�, fiquei com meu esposo e o N�colas. Fiz o almo�o e busquei a Emanuelly na escola. Nesse dia, ela n�o foi para a casa de ningu�m. Nem para a casa da Isadora. A semana toda n�o tinha ido l�. Buscava a Emanuelly e meio-dia e meio eu ia para escola. Ficava at� cinco da tarde. Quando o pai dela estava em casa, as crian�as ficavam com o pai. Quando n�o estava, eu os levava para minha sogra ou minha m�e. Na quinta-feira, almo�amos todos juntos. Eu, Emanuelly, N�colas e meu esposo. Nesse dia, o pai dela estava com ritmo meio estranho. Ainda falei com ele: “N�, Tinho, n�o fica assim n�o”. E ele deu uma melhorada.
Casamos no ano passado, mas comecei a relacionar com meu esposo (Wesley Izabel, o Tinho, de 24 anos) quando eu tinha 11 anos. Estamos juntos at� hoje. Esse ano fez um ano que estamos juntos, quer dizer, casados. Mas juntos mesmo tem 10 anos. Tive a Emanuelly aos 15 anos e fiquei com minha m�e at� ela completar os quatro aninhos dela. A� depois fizeram a minha casa. J� tinha o N�colas e fui morar com meu esposo. Minha casa era aproximada do rio. Na travessa C�nego Veloso, n�mero 98. A minha rua era sem sa�da. Tinha um pedacinho para l� e a� retornava de novo. E em baixo passava o rio.

Meu marido trabalhava fichado em servi�os gerais. Ajudante de pedreiro, ro�ar... Esses trem tudo. Mas esse ano ficou muito ruim de emprego e ultimamente ele estava trabalhando l� perto de Santa B�rbara, de ajudante de pedreiro. Eu cuidava das crian�as, mas sempre precisei da ajuda da minha m�e e da sogra, j� que tamb�m ia para escola.
Vou formar o nono ano. Tive que parar seis anos por causa dos meninos. Vou formar e depois pretendo fazer uma prova do ensino m�dio. O pessoal fala: 'Pamela, voc� n�o est� muito velha para estudar?". Eu digo que n�o. Eu sempre quis ter uma profiss�o melhor para cuidar dos meus filhos. Meu sonho antes era estudar para ser policial ou agente penitenci�ria. Mas hoje eu n�o quero isso mais n�o.
O sal�rio do Tinho dava, mas aquela vida ali de sempre. Ele ganhava um sal�rio m�nimo de 700 e poucos reais. Consegu�amos viver com pouco em Bento. L� era um lugar onde as coisas eram baratas. V�nhamos em Mariana e busc�vamos somente o necess�rio.
A gente reclamava. N�o vou falar com voc� que ningu�m reclamava, porque reclam�vamos. Hoje a gente percebe que era feliz e n�o sabia. Um vizinho reclamava do outro. Falava que era ruim demais, um lugar pequeno, isso e aquilo. Que queria sair do Bento e ir para Mariana, j� que � melhor para trabalhar. Acabou que est�vamos errados. Hoje a a gente est� aqui e queria estar l�.
Nessa revolta toda que fiquei depois da morte da Emanuelly eu pensava que queria ficar sozinha. N�o ficar perto de ningu�m para n�o ter lembran�as. Mas agora as pessoas me falam que se eu ficar sozinha vai ser pior. Vou continuar morando junto com todo mundo, porque l� (no que pode ser a Nova Bento Rodrigues) v�o estar minha m�e, a m�e do meu esposo. Eu creio tamb�m que a Samarco n�o vai deixar fazer casa particular fora da vila. Eles v�o querer devolver o que eles tiraram da gente, mas o mais importante eles n�o v�o conseguir devolver, que � minha filha.
Quando eu lembro do jeitinho dela eu rio. A Emanuelly tinha um lado muito sentimental, e isso ela puxou de mim. Se ela visse algu�m triste – �s vezes a gente nem estava – ela chegava perto e perguntava: “� m�e, voc� est� passando mal? Voc� est� bem?”. �s vezes eu brigava com o esposo e despistava dizendo que estava bem. Mas ela sabia que eu n�o estava.
A Emanuelly era muito brincalhona. Eu falava com ela � isso, isso e isso, bem brava, mas ela tinha o jeitinho de conversar dela e falava: “Ah, para m�e!”. Falava que estava falando s�rio e ela olhava para minha cara e eu n�o aguentava: come�ava a rir. Ela era muito engra�ada. Ela fazia de tudo para chamar minha aten��o. E estava gostando muito de ganhar outro irm�ozinho. Ela queria uma menina e o N�colas queria um menino. Os dois ficavam discutindo.
No dia da trag�dia, estava na escola e escutamos um barulho longe. As meninas acharam que haviam colocado fogo no mato de novo. De repente, a diretora e as outras funcion�rias gritaram: “Corre que a barragem rompeu”. O meu impulso era ir nos meus filhos e no meu esposo. Mas a dire��o (a diretora da escola) n�o deixou passar. A �gua j� vinha. Algu�m me disse que eles (os filhos e o marido) j� tinham subido. Eu subi. Vi minha m�e, todo mundo do Bento e fui procurar por eles. Cad�? N�o achei ningu�m. Fiquei realmente sozinha e desesperada. Acharam o pai deles na lama. O N�colas perto de um carro, segurando no vidro um pouco para frente. A Emanuelly n�o, porque ela tomou um rumo diferente.
Depois disso eu falei que n�o ia estudar mais, porque se n�o estivesse na escola eu estaria junto com eles. Podia ser pela �ltima vez, mas estaria. Antes de sair para ir para aula eu fazia igual de manh�, quando a Emanuelly ia estudar. Dava um beijinho no rosto deles e no pai. A �ltima coisa que tive da minha filha foi um beijo e um abra�o. E mais nada.