Os dilemas do bolsonarismo no pós-Bolsonaro
Não à toa, Eduardo Bolsonaro segue ativo pelas redes em interlocução com a militância raiz, sem poupar adjetivos duros aos governadores presidenciáveis
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A iminência do trânsito em julgado do acórdão condenatório do núcleo principal da trama golpista dará mais liberdade à direita que orbita o bolsonarismo para concluir o que iniciara muito antes do julgamento e da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): arrematar a construção da candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos), numa chapa sem o sobrenome da família.
O mesmo desenho com vistas a alijar os “autênticos” da chapa majoritária poderá ser replicado, com ajustes aos contextos locais, nas sucessões estaduais, nas quais muitos pré-candidatos ao Senado se dilaceram para ocupar uma das duas vagas nas chapas majoritárias.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vinha tentando segurar o debate da sucessão presidencial – e as brigas nos estados – em seu campo político, de dentro de sua prisão domiciliar. Assistia, com possibilidade limitada de intervenção, escapar entre os seus dedos as articulações em torno de Tarcísio de Freitas, conduzidas pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), pelo presidente do PL Valdemar da Costa Neto e também pelo presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab.
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Embora inelegível, até aqui Bolsonaro insistia na expectativa de intervenção de Donald Trump, que, dizia, reverteria a sua situação, criando as condições para que concorresse ao Planalto em 2026. Adiar a indicação do sucessor significa manter a família no centro do processo.
Mais de uma vez chamou Tarcísio às falas, tendo dele a lealdade reafirmada, com anúncio público de que concorreria à reeleição em São Paulo. Simultaneamente, dos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) organizava a artilharia contra a direita que coabita o seu campo político ora numa relação de mutualismo, ora de parasitismo, ameaçando a liderança do pai. Todo o esforço dos Bolsonaros se concentra em manter o capital político-eleitoral entre consanguíneos.
Não à toa, Eduardo Bolsonaro segue ativo pelas redes em interlocução com a militância raiz, sem poupar adjetivos duros aos governadores presidenciáveis – Romeu Zema (Novo), Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ronaldo Caiado (União) e até mesmo às lideranças em ascensão, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), considerado hoje maior do que o “bolsonarismo” em Minas.
Com a clareza de que a narrativa do apoio e da intervenção de Donald Trump estaria com o prazo de validade próximo ao fim – o que se confirmou nessa quinta-feira com a retirada da tarifa adicional de 40% sobre diversos produtos agrícolas brasileiros – Eduardo Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se encontraram em El Salvador há menos de uma semana.
Ali, firmaram a estratégia. Sabem que só contam com uns poucos parlamentares autênticos, que se intitulam e agem como “soldados” de Bolsonaro, que estarão com eles nessa batalha contra o Centrão pelo domínio do campo político. Até por isso, precisarão dos eleitores “raiz” para sinalizar ao sistema que ainda mantêm capacidade de mobilização. Daí, a chamada de Flávio Bolsonaro para a vigília à porta do condomínio do ex-presidente.
Os Bolsonaros sabem que, neste momento de maior fragilidade, têm dois caminhos para evitar que sejam lançados à periferia da sucessão presidencial. O primeiro: manter viva a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Embora com teto de crescimento limitado pela maior rejeição – o senador teria potencial para evitar que Tarcísio ou outro governador presidenciável alcance o segundo turno. A “ameaça” de voo solo do bolsonarismo na corrida presidencial poderá conter a movimentação do Centrão e os presidenciáveis da direita associada, decididos a usar o eleitor bolsonarista como trampolim na disputa.
O segundo: a debandada de parlamentares e candidaturas “raiz” do PL para outra legenda. Tal movimentação mortificaria Valdemar da Costa Neto, que enfrentaria o fantasma da insignificância de um partido sem candidaturas fortes para as chapas proporcionais nos estados à Câmara dos Deputados e, por isso, prospectando um minguado fundo eleitoral e partidário a partir de 2027.
A prisão de Bolsonaro ontem foi preventiva, mas antecipa um enredo esperado. À medida em que se estreitam as possibilidades de embargos e o processo criminal se encontra em vias de transitar em julgado, até as pedras já projetam para os próximos dias o início do cumprimento da pena. Sobretudo por isso, aqueles que articulam intensamente as candidaturas da era pós-bolsonaro correram às redes sociais para manifestar as condolências à “injusta” decisão. Como explicaria o pai de Leviatã: “Aquele que cumpre primeiro o pacto se entrega ao engano do outro, que pode não cumpri-lo”. Sem anjos nessa partida, segue o jogo.
Habeas corpus
Acreditando se antecipar à eventual decretação da prisão de Jair Bolsonaro para o cumprimento de pena, o deputado estadual Caporezzo (PL) havia impetrado, às 22h de sexta-feira, habeas corpus preventivo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caporezzo argumentou que o ex-presidente está acometido por doença grave e em “condição debilitada”, incompatível com o encarceramento em qualquer unidade prisional no país. Não chegou a ser apreciado. Ao tentar violar a tornozeleira e, no contexto da fuga de Alexandre Ramagem, Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva.
Quem fala
Para evitar que terceiros distorçam ou manipulem declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro, após a prisão preventiva, apenas estarão autorizados a falar em nome dele a esposa Michelle Bolsonaro (PL) e os filhos Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A orientação foi dada a senadores e deputados federais aliados em uma reunião ontem, na confeitaria Maria Amélia Doces, em Brasília. Flávio e Carlos se reuniram reservadamente com os senadores Rogério Marinho (PL-RN) e Izalci Lucas (PL-DF) e os deputados federais Bia Kicis (PL-DF), Gustavo Gayer (PL-GO), Hélio Lopes (PL-RJ) e Zucco (PL-RS) para repassar a orientação.
Federalismo
Ex-advogado geral do estado, o tributarista Onofre Alves Batista, e Gabriel Azevedo, advogado, doutorando, professor e ex-presidente da Câmara Municipal, lançam, no próximo 13 de dezembro, “Federalismo!” (Casa do Direito/2025), com prefácio de Antonio Anastasia, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). No livro, discutem as dificuldades de efetivação do federalismo brasileiro, dada a concentração de recursos e poderes no âmbito federal em detrimento de estados e municípios: enquanto estados e municípios respondem por mais de dois terços da execução das políticas públicas especialmente em saúde, educação e segurança, detêm menos de um terço da receita disponível.
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Pires na mão
Tal concentração de receitas na União leva os autores a conceituarem o federalismo brasileiro de “federalismo de dependência”: prefeitos e governadores, privados de recursos, transformaram-se em “pedintes institucionais”. Gestores locais se habituaram às filas em Brasília em busca de convênios, transferências e emendas parlamentares. “Esse mecanismo, além de ineficiente, corrói a autonomia política. Um ente federado que depende da autorização financeira do poder central deixa de ser federado e se torna administrado”, assinalam.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
