Assumo: sou homesexual
Para curtir a doce vida privada em casa, é importante curtir também o que se passa fora
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO
Adoro pôr mesa, combinar toalhas e jogos americanos com os guardanapos, pratos e taças. E, sendo para um jantar, nada como velas para trazer um toque mágico a mais no ambiente.
Adoro cuidar da casa, lavar louça, varrer e cozinhar nem se fala. Faço o supermercado e o sacolão, cuido do cardápio do almoço e do jantar, não gosto de lugares muito cheios e barulhentos, muito menos de balbúrdias em geral.
Quando criança e adolescente, gostava de brincar com os amigos e sair como todo menino, mas confesso que adorava ficar em casa, muitas vezes até preferia, assistindo a um desenho animado na TV – na época, eram ótimos, Hanna-Barbera tinha clássicos incríveis, dos Flintstones a Tom & Jerry – lendo um livro, revistinhas em quadrinho ou desenhando. E tinha um pouco de inveja das meninas que podiam brincar de casinha, em meio a fogões e panelinhas, enquanto sobravam para mim carrinhos, nos quais eu não achava – e continuo não achando – a menor graça.
No sentido geral, acho que mudamos pouco ao longo da vida, adquirimos experiência, às vezes maturidade, mas os gostos permanecem. Continuo gostando de ler, desenhar e já há muitos anos a paixão por cozinhar (e o gosto por comer e beber) veio com força e se tornou uma profissão.
Cozinhar começa e termina em casa, no prazer de preparar o próprio alimento, de alimentar as pessoas que gostamos, de compartilhar da mesa.
Somando tudo isso, me identifiquei com um termo novo que os ingleses criaram para alguém como eu que adora ficar em casa. Home(lar)sexual. Assumo: sou um homesexual.
Nos meus eventos profissionais, sempre defendo quem sai de casa, quem cultiva a vida presencial, há muita coisa boa acontecendo lá fora. Especialmente depois da pandemia, vale a pena reaprender a sair para jantar ou almoçar fora, assistir a concertos, shows, ir ao cinema, sair para ver o comércio, ir às livrarias, em exposições e todo o mais.
Ser homesexual não quer dizer ser recluso, adoro sair também. Significa transformar a nossa casa num ambiente leve, bonito, saudável e acolhedor. De guerras já bastam as que há lá fora. E aqui não se trata de dinheiro, se trata de delicadeza, de criar climas, atmosferas, o “plus”. A magia na vida não é dada, é criada.
Escrevi uma vez neste espaço sobre o “não consigo”, termo infelizmente muito usado no momento. É importante dizer sim às experiências externas, ao convívio social e à vida cultural.
E aí a homesexualidade fica melhor. Para curtir a doce vida privada em casa, é importante curtir também o que se passa fora. E, quando estamos em casa, é ótimo usufruir do que a intimidade pode nos oferecer. Conforto, silêncio, tranquilidade, boa companhia e boa comida. Não precisa ser cara, muito menos complicada: mas boa. Mesa posta, aromas convidativos, sabores especiais, onde o sensorial e o sensual se encontram.
Cozinhar e comer bem é isso: pegar, apalpar, cheirar, degustar, compartilhar, comer juntos. Um amigo meu há alguns anos tinha acabado de se separar da sua mulher e me chamou para ver o imóvel que seria seu novo apartamento. Quando perguntou a minha opinião, respondi que naquele momento era apenas um imóvel, mas que seria depois um lar: um bolo numa mesinha, um café recém-passado, livros, uma mesa arrumada, a cozinha funcionando.
Cozinha é um ponto importante da casa. Como escreveu Proust sobre a cozinheira Françoise em “Em busca do tempo perdido”, uma cozinha em ação é como a forja de Vulcano, onde fogo, água, panelas e fumaça fazem emergir verdadeiras joias. E depois disso, prazeres especiais.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
