Li em algum lugar que Joaquim Nabuco, quando embaixador do Brasil nos Estados Unidos, nos primeiros anos da República, teria dito que uma virtude essencial da política externa de um país seria o senso de realidade e de proporção, querendo certamente dizer com isso não se fazer maior nem menor do que a realidade. Seria fazer justiça à nossa diplomacia reconhecer que, na maior parte da nossa vida republicana, a política externa brasileira tem se mantido fiel àquela virtude, não se apequenando diante dos mais poderosos, nem cultivando a fantasia de um poder e de uma influência que naturalmente não temos.


Por razões e modos diferentes, o governo passado e o atual têm imposto à nossa política externa um tipo de ativismo partidarizado, estranho à nossa tradição e prejudicial aos nossos interesses permanentes. Essa disposição torna-se particularmente imprudente em um momento de grande turbulência geopolítica, quando a “ordem internacional baseada em regras”, que vinha organizando a convivência entre os países desde o final da Segunda Guerra Mundial, está em processo de dissolução.


O momento do mundo está marcado por três movimentos de ruptura que vão transformar a vida numa direção imprevisível. O primeiro foi a invasão da Ucrânia pela Rússia, rompendo quase 80 anos de paz na Europa. O segundo é a presidência Trump, que está pressionando os limites da democracia americana, desfazendo acordos e compromissos e afirmando o fim de princípios e valores na política externa americana. O terceiro, de caráter mais estrutural, é a emergência de uma nova ordem em que empresas de tecnologia com controle da inteligência artificial rivalizam com os estados soberanos na luta por influência e domínio geopolítico. É neste cenário de grande complexidade que deve atuar a política externa.


O Brasil certamente não pode estar alheio a nenhum desses movimentos, mas sem deixar de reconhecer que não temos o poder necessário para moldar seus desenvolvimentos, cabendo-nos mover com inteligência e sobriedade para proteger da melhor maneira o interesse nacional. O voluntarismo ideológico de Bolsonaro e de Lula tem impedido o Itamaraty de agir como uma instituição profissional a serviço do interesse permanente do Estado brasileiro e nos exposto até a certas situações que beiram o ridículo.


No caso exemplar da Ucrânia, Lula tem evitado que nossa política externa expresse sua longa fidelidade ao princípio da não intervenção, princípio especialmente imprescindível a países como o nosso que não tem os meios materiais para se defender em todas as situações. Nosso presidente nunca condenou com a ênfase necessária a Rússia invasora, prega uma paz sem condições e ainda por cima vai a Moscou para, na companhia exclusiva de trinta ditadores, levar a sua homenagem ao líder russo e à sua política, em um gesto que fere a nossa tradição e o próprio sentimento do povo brasileiro.

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No caso dos Estados Unidos, o ex-presidente Bolsonaro e seu círculo mais fiel demonstra uma vassalagem aos piores aspectos do governo Trump e ainda cultiva abertamente a fantasia de uma intervenção americana em nossas instituições. Do seu lado, o presidente Lula não se cansa de provocar desnecessariamente o líder americano que, malgrado o horror que possa nos causar, até o momento não provocou danos diretos ao nosso país, mesmo porque uma tarifa piso de 10% que nos foi aplicada é muito menor do que a tarifa média com que taxamos todas as nossas importações.


Por fim, o presidente e sua mulher, de um modo aparentemente impróprio e desajeitado, buscaram no presidente chinês apoio para conter em nosso país a invasão das empresas de tecnologia, parecendo ignorar que, se nos Estados Unidos essas empresas na atual gestão parecem ter capturado o Estado para os seus fins, na China as campeãs de tecnologia atuam sob o controle e a subordinação completa ao Estado. Será este o modelo com que nosso presidente sonha para o Brasil?


Entre o amadorismo, a presunção e a ideologia, nossa política externa está perdendo o sentido da realidade e da proporção.

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