Geralmente passamos todo o mês de dezembro indo de confraternização em confraternização ou envoltos com os presentes e os preparativos para o Natal. Nesse frenesi, acabamos nos esquecendo de que o verdadeiro espírito do Natal se expressa na solidariedade, que comumente atribuímos à necessidade de sermos caridosos. A solidariedade, obviamente, inclui atos de caridade, no entanto, o que está por trás dela é mais amplo, profundo e exigente. Ela não é simplesmente um sentimento ou um gesto, mas originária da compreensão profunda de que ninguém existe sozinho, somos, como dizia Heidegger, seres-com-os-outros, e só nos compreendemos dentro dessa relação.
A solidariedade nasce justamente dessa conexão, que nos faz reconhecer que as outras pessoas não são meramente acessórias, ou seja, feitas na exata medida para tornar nossa vida melhor. Elas são, na verdade, partes constitutivas da nossa própria humanidade, sem as quais não conseguimos saber o significado da experiência humana em sua integralidade. Esse reconhecimento, ao lado da consideração da precariedade de nossas existências finitas, nos chama para a humildade e para a responsabilidade diante do rosto do outro que nos é apresentado. Quando unimos essas duas realidades e as compreendemos genuinamente, a solidariedade deixa de ser uma emoção ou um ato de reconhecimento recíproco para se tornar um modo-de-ser no mundo.
Ela é um poderoso antídoto contra a lógica do individualismo que impera na chamada “pós-modernidade tecnocrática”. Por todos os lados ouvimos falar em isolamento, autossuficiência, eficiência, e resultados. Nesse ambiente, muitas vezes, as outras pessoas são vistas como adversárias e não há espaço para se pensar a fragilidade, a tristeza ou a dependência, as quais estamos diariamente expostos. Elas são vistas como moralmente condenáveis e dignas de medicalização. Ao contrário de gerar acolhimento, a vulnerabilidade, que é algo que define a natureza humana, passou a exigir correção ou silêncio, em um movimento no qual a solidariedade coletiva se dissolve a cada dia em prol de argumentos de desempenho e mérito.
Leia Mais
A autêntica solidariedade não é marcada pela lógica da quantificação, mas pelo reconhecimento da nossa condição de sermos-com-os-outros, em um movimento no qual a solidariedade emerge como resposta ética e adequada à nossa vulnerabilidade comum. Portanto, ela não nos pede cálculos e nem nos chama somente à empatia diante da dor do outro, ao contrário, ela conclama que ajamos de modo a aliviar o sofrimento de alguém, seja oferecendo suporte material seja oferecendo presença desinteressada. Não se trata de caridade institucional, obrigação legal ou troca para aliviar nossas consciências burguesas, trata-se do reconhecimento do outro como alguém pertencente à mesma espécie, sujeito às mesmas intempéries e que, talvez, não tenha tido a mesma sorte que nós.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Assim considerado, caros leitores, desejo que neste Natal compreendamos de onde surge nosso dever de solidariedade, e isso independe de cor da pele, raça, credo, classe social, nível de escolaridade, nacionalidade, escolhas políticas, filosóficas, existenciais, orientação sexual, forma de amar, concepção de sucesso, maneira de envelhecer, postura diante da vida e da morte, sentido atribuído à vida...
