A palavra é o ponto de partida. As formas que ela ganha são múltiplas na obra de Geraldo Carneiro: poesia, letra de música, tradução, dramaturgia, roteiros para cinema e TV. “Em geral, quando encaro a página em branco sou movido por uma encomenda. Já a poesia sopra quando quer”, afirma esse belo-horizontino radicado desde a primeira infância no Rio de Janeiro.
Convidado de hoje (24/6) do projeto Letra em Cena, no Centro Cultural Unimed-BH Minas, Carneiro, ocupante da cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras, vai conversar com o público sobre letra e poesia. A conversa mediada por José Eduardo Gonçalves vai contar com a participação da escritora Bruna Kalil Othero, que fará leitura de textos.
Prolífico, e com parceiros que vão de Francis Himes e Astor Piazzolla, Carneiro acredita que sua produção musical esteja próxima das 300 letras. “A parceria musical é uma espécie de extensão da amizade”, diz ele, que traz boas histórias.
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Em 1972, “um pirralho de 19 para 20 anos”, Carneiro escreveu seis letras para o álbum “Água e vinho”, de Egberto Gismonti. Piazzolla ouviu e gostou. No ano seguinte, no Rio, o argentino pediu a Nana Caymmi que convidasse Carneiro para fazer músicas com ele. A parceria inaugural, “As ilhas”, foi gravada por Ney Matogrosso em “Água do céu – Pássaro” (1975), seu primeiro álbum solo.
A amizade logo levou Carneiro a uma temporada em Roma, a convite de Piazzolla, para fazer um musical sobre Eva Perón. “Passei quatro meses por lá, escrevi um copião do libreto e fizemos algumas canções para o texto, posteriormente gravadas pelas Frenéticas e Olivia Byington. O projeto foi divulgado em jornais daqui e da argentina. Mas Evita era (ainda é) um ícone tanto da esquerda quanto da direita de lá. E, como a filha de Piazzolla, Diana, militava no movimento Montonero, contra a ditadura argentina, ameaçaram matá-la caso fossemos adiante com nosso musical. Acabou-se o que era doce”, ele conta.
Para Carneiro, poesia e letra são “reinos limítrofes”. “Em tese, a letra de música supõe que o texto seja inteligível à primeira audição. Já o poema pode se dar ao luxo de múltiplas leituras. Mas, às vezes gosto, de romper esses limites”.
Sobre os limites – ou a falta deles – ele conta mais dois casos: “Certa vez, escrevi um texto complicado para o Francis Hime e ele o musicou brilhantemente. Fiz de tudo para mudar a letra, tornando-a mais simples. O Francis me disse: ‘Calma, parceiro.’ E ele tinha toda a razão: no fim de uma semana, acabei me acostumando.”
Janis Joplin
A outra história envolve James Joyce, Janis Joplin e o AfroReggae. “Eu tinha acabado de escrever um poema cheio de alusões eruditas. Assim que terminei, telefonou um amigo ligado ao grupo AfroReggae em busca de uma letra. Enviei o texto. Eles estranharam uma alusão ao escritor James Joyce, e a corrigiram para Janis Joplin. Por sorte, passou no estúdio esse meu amigo e, ao escutar a gravação, devolveu o Joyce ao nosso ‘roquenrol’”, relembra ele, referindo-se à canção “A aquarela dela”.
Ainda que tenha se mudado muito cedo para o Rio – nascido em 1952, deixou BH aos três anos porque seu pai, Geraldo Andrade Carneiro, foi nomeado secretário particular de Juscelino Kubitschek, recém-chegado à presidência do Brasil –, as referências nunca o deixaram.
“A mineiridade é muito poderosa em todos nós, ainda mais no exílio. Estou com um novo livro de poemas pronto, chamado 'Ensaio sobre o mar’, que fala da fascinação de mineiro que chega ao Rio. Em suma, Minas (ou o espírito de Minas, como dizia Drummond) está sempre presente no que escrevo”, finaliza Carneiro.
LETRA EM CENA
Com Geraldo Carneiro. Hoje (24/6), às 19h, na biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados pelo sympla.com.br.