No romance mais famoso de Roberto Drummond, Hilda Furacão trocou o Minas Tênis Clube pelo Hotel Maravilhoso, na Rua Guaicurus. Em “O grande mentecapto”, de Fernando Sabino, Geraldo Viramundo chega à capital mineira depois do périplo pelo interior mineiro, a fim de mobilizar grupos marginalizados em uma espécie de revolução contra os poderes estabelecidos.
Na saga adolescente “Fazendo meu filme”, de Paula Pimenta, as ruas e espaços de Belo Horizonte – Pátio Savassi e Minas Tênis Clube – testemunham o amadurecimento da protagonista Fani. E, em “Becos da memória”, Conceição Evaristo joga luz em uma Belo Horizonte pouco conhecida, que decide pela remoção forçada de moradores da favela em prol da modernização.
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A capital mineira também está entranhada nos enredos de “Quase memória”, do carioca Carlos Heitor Cony, e de “O veludo das lagartas verdes”, do belo-horizontino João Batista Melo. No primeiro, a cidade é um convite à perdição para o pai do narrador-personagem, que gasta todo o empréstimo adquirido com o governo nos bares da Praça da Estação. E, no segundo, a construção do Complexo da Lagoinha descaracterizou por completo a Belo Horizonte que o protagonista interiorano conhecia.
Isso sem falar em “O desatino da rapaziada”, de Humberto Werneck, que guia o leitor pela Região Central na companhia de escritores de diferentes gerações que viveram e moldaram a cidade.
“É fundamental escrever sobre o que você conhece”, diz Paula Pimenta, fazendo valer a máxima atribuída a Tolstói (“Se queres ser universal, começa por pintar a sua aldeia”). “A maioria dos meus personagens mora em BH, porque eu sou daqui, cresci aqui, conheço tudo aqui”, diz a escritora.
LUGARES
“Sei descrever cada parte da cidade e sei como foi ser uma adolescente em Belo Horizonte. Isso é uma coisa muito legal, porque muitos leitores falam assim: ‘Nas férias, a gente vai a Belo Horizonte para conhecer a cidade da Fani’. Muita gente vem para BH porque quer conhecer os lugares que estão no livro”, acrescenta Paula.
Quem também pensa suas histórias dentro dos limites geográficos de Belo Horizonte é Carla Madeira. “Mesmo que eu não descreva a cidade nos romances, para mim é importante visualizar os lugares para eu entender os movimentos das personagens”, afirma a autora de “Tudo é rio”.
“Praticamente todas as minhas histórias se passam em Belo Horizonte. Por exemplo, tem uma rua no Anchieta que sai na Avenida Bandeirantes, que é onde Bia, minha personagem de ‘A natureza da mordida’, mora”, cita Carla.
(Esta reportagem é a sexta parte da série especial "BH: Capital dos livros". Saiba mais no final da matéria)
“Eu não dou informações sobre essa rua. As pessoas não sabem exatamente onde fica. Mas é importante eu ter claro em minha mente esse lugar para entender como a Bia caminha, para onde ela vai, como ela faz para chegar em casa… Por isso costumo dizer que não conseguiria fazer um livro sobre uma cidade que eu não conheço. Eu me sentiria blefando.”
Essa relação íntima dos livros com a cidade não ocorre apenas na ficção. Desde 2004, a coleção “BH. A cidade de cada um”, idealizada pelo escritor e produtor cultural José Eduardo Gonçalves em parceria com a jornalista Sílvia Rubião, tem editado livros que, juntos, formam um mosaico de Belo Horizonte.
Ao longo de 20 anos, já são 40 títulos escritos por autores que têm conexão profunda com determinado bairro, rua, praça, escola ou um espaço simbólico da capital. Entre os exemplos, “Lagoinha”, de Wander Piroli; “Mercado Central”, de Fernando Brant; “Maletta”, de Paulinho Assunção; “Morro do Papagaio”, de Márcia Cruz; “Santa Tereza”, de Libério Neves; e “Arraial do Curral del Rei”, de Adriane Garcia.
Cada obra aborda um território específico, combinando memória, história e experiências pessoais de quem vive ou viveu nesses lugares. “É uma forma de dizer que Belo Horizonte não é uma cidade única, ela é múltipla”, afirma José Eduardo Gonçalves.
BH: Capital dos livros
Esta reportagem faz parte da série "BH: Capital dos livros", na qual o Estado de Minas apresenta um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.
Nas primeiras partes, autoras, editoras, livreiros e produtores culturais, e, agora, os guardiões dos livros, foram protagonistas. Nos próximos dias, leitores e as artistas da literatura infantil serão apresentados nas páginas do EM. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam esse fervoroso cenário literário.
Reportagens publicadas
Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso
Parte 2: Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos
Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos que movimentam a cena literária de BH
Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores
Parte 5: Os guardiões que preservam a memória da literatura de BH
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