“A mulher cômica é discriminada. Eles gostam mais do homem. O homem engraçado é atraente, a mulher cômica sofre discriminação. Eu, como nunca andei atrás de homem, não me fez falta nenhuma, nunca dei importância a isso.”
A fala é de Dercy Gonçalves (1907-2008), mas poderia perfeitamente caber a Marisa Orth, homenageada desta edição da Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), cujo tema é justamente de “O humor das mulheres no cinema brasileiro”.
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Formada em psicologia, profissão que nunca chegou a exercer, Marisa migrou para o teatro no início da década de 1980. Estudou interpretação na Escola de Arte Dramática da USP e estreou nos palcos com “Una serata al sugo” (1983), de Miroel Silveira.
Na mesma época, marcou presença na cena paulistana como vocalista da banda Luni, apresentando-se em espaços emblemáticos como Mambembe e Madame Satã.
Mesmo transitando entre diferentes linguagens e acumulando sólido repertório dramático, Marisa Orth ficou eternizada por papéis cômicos. Sua Magda, da sitcom “Sai de baixo” (1996-2002), é muito mais lembrada que Nicinha, de “Rainha da sucata” (1990), Valquíria, de “Deus nos acuda” (1992), Anete, de “Os aspones” (2004), ou Rita, de “Toma lá dá cá” (2007).
Aliás, Magda foi eleita a personagem mais engraçada do humor brasileiro em 2006, pela Top Business Brasil. Foram 1,5 milhão de votos para aquela mulher “tonta e submissa”, verdadeira “esposa troféu”, nas palavras da própria atriz.
“Imaginem a Magda no governo anterior! Certamente estaria cantando o hino nacional para o pneu”, ironizou Marisa durante a roda de conversa “O humor das mulheres”, ao lado da cineasta Anna Muylaert, durante a CineOP.
Marisa Orth, como Magda, e Tom Cavalcante, como Ribamar, em 'Sai de baixo', programa humorístico de sucesso da TV Globo
Provocadora e dona de humor ferino, a atriz defendeu que a comédia exige coragem e autenticidade para iluminar realidades muitas vezes dramáticas e denunciar contradições sociais.
“Humor é arma. É o garotinho que aponta e diz que o rei está nu. Eu sou o menino que diz isso”, comparou. “Agora, com a patrulha do politicamente correto, o que a gente vai fazer? Vamos proibir o menino de dizer que o rei está nu? Essa patrulha vem dos dois lados ideológicos”, criticou.
O bate-papo de Marisa e Anna Muylaert, diretora do filme “O clube das mulheres de negócios” (2024), sintetizou a proposta da temática histórica desta CineOP.
Ao discutir o papel do humor e a forma como as mulheres o abordam no audiovisual, a atriz e a cineasta levantaram questões provocadoras: “do que riem as mulheres no cinema brasileiro?”; “elas riem de si mesmas, de outras mulheres, dos homens, da sociedade?”; “do que rimos das mulheres em tela?”; “rimos de situações que as constrangem?”; “também rimos com a potência do desequilíbrio?”.
Para Marisa, “o humor está diretamente ligado à inteligência”, historicamente, o que faz com que mulheres engraçadas muitas vezes intimidem os homens.
“Ver que estamos conquistando o humor é sinal de que a mulher está tendo sua inteligência respeitada”, reforçou a atriz em conversa com jornalistas.
Faz tempo que elas ocupam seu espaço no humor. Desde Dercy Gonçalves, pioneira absoluta, passando por Nair Bello, Lolita Rodrigues, Marília Pêra (mestra na transição entre drama e comédia), Regina Casé, Cláudia Jimenez, Arlete Salles, Déborah Bloch, Tatá Werneck, Ingrid Guimarães, Heloísa Perissé, Luciana Paes, Suzana Pires, Fabiana Karla e Dani Calabresa, entre tantas outras.
Mostra Histórica
Algumas dessas artistas estão representadas nos filmes da Mostra Histórica, a mais importante da CineOP. Marisa Orth protagoniza “A má criada” e integra o elenco de “A mulher fatal”, “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti”, “Doces poderes”, “Não quero falar sobre isso agora” e “A mulher fatal encontra o homem ideal”.
Suzana Pires assina o roteiro do longa “De perto ela não é normal”, também protagonizado por ela. Luciana Paes brilha em “Sinfonia da necrópole”, Regina Casé comanda “Lá e cá”.
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