Fotógrafa mineira tem trabalho exposto na Biblioteca Nacional da França
Oito fotos de Isis Medeiros que retratam a tragédia de Mariana, com o rompimento da Barragem do Fundão, fazem parte do acervo da BnF
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Siga noAntes, a imagem tinha poder quase sagrado. Podia ser uma pintura, um desenho ou uma fotografia. Hoje, com bilhões de imagens sendo produzidas e consumidas diariamente, o olhar se acostuma e se anestesia. É preciso sensibilidade para tornar eterno o instante, a paisagem ou a atmosfera.
Pois é justamente essa sensibilidade que brota do olhar da fotojornalista de Ponte Nova, Isis Medeiros, e transborda para seus registros fotográficos. Prova disso é que oito fotos dela passaram a fazer parte do acervo da Biblioteca Nacional da França (BnF), em junho.
A fotógrafa de 35 anos tem agora seu trabalho ao lado das produções de ícones como Henri Cartier-Bresson (1908-2004), Man Ray (1890-1976) e Sebastião Salgado (1944-2025).
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A BnF conta com grande acervo de fotografias latino-americanas – com destaque para as brasileiras – desde os anos 1970. Isso graças a Jean-Claude Lemagny, que fez diversas aquisições e manteve contato com brasileiros que fugiam da ditadura militar (1964-1985). São cerca de 1.400 obras, que abordam a evolução social, a representação das diferentes comunidades e a ecologia.
O trabalho de Isis se enquadra nesta última categoria. As fotos fazem parte da série publicada no livro “15:30”, sobre os impactos da tragédia de Mariana – o título da publicação remete ao horário exato em que a Barragem do Fundão se rompeu, em 5 de novembro de 2015, causando o maior desastre ambiental do Brasil.
Destruição
Cerca de 60 milhões de metros cúbicos de lama tóxica foram liberados, inundaram a bacia do Rio Doce e destruíram comunidades locais – Bento Rodrigues, a cerca de 20 quilômetros de Mariana, foi praticamente soterrada, com impacto em regiões de Minas Gerais e do Espírito Santo.
“A fotografia tem o papel de manter viva a memória de uma sociedade e também de mostrar as contradições dessa sociedade”, afirma Isis, ressaltando que o desastre de quase 10 anos atrás – e, posteriormente, o de Brumadinho, em 2018 – não foi suficiente para fazer valer as leis e mudar acordos referentes à mineração. “Eu continuo reportando as consequências da tragédia. E o que fica é a indignação com a falta de aprofundamento na questão e o descaso do Estado com os atingidos”, acrescenta.
Freelancer
Ela conta que quando ficou sabendo do rompimento da barragem, correu de Belo Horizonte, cidade onde mora, até Mariana. Não trabalhava em nenhum veículo de imprensa. Foi por conta própria, no intuito de fazer os registros e oferecê-los como freela para jornais do Brasil e do exterior.
Isis chegou à cidade histórica sem entender direito a dimensão da catástrofe e, à medida em que conversava com os moradores, começou a entender as implicações que aquela tragédia teria na vida de cada um. Além dos 19 mortos, da contaminação do Rio Doce e destruição das cidades do entorno, os moradores da região estavam sem informações a respeito do que deveriam fazer, onde iriam se abrigar e por quanto tempo ficariam fora de casa. Foi então que a fotógrafa entendeu que sua estadia no local – a princípio uma semana – se alongaria por pelo menos mais sete dias.
“Era um fato inédito, as pessoas não sabiam como agir. Eu mesma não estava acostumada a cobrir mineração, não tinha relação alguma. Fui por curiosidade e, quando cheguei, me dei conta da seriedade da situação. Fui ficando para acompanhar o desenrolar das coisas e hoje, quase 10 anos depois, as pessoas ainda estão adoecidas e as águas dos rios continuam contaminadas”, afirma.
O foco do trabalho de Isis recai nessas dimensões da tragédia de Mariana. A fotojornalista não banaliza o sofrimento. Tampouco faz cobertura sensacionalista da tragédia.
Detalhes
Seu diferencial está nos detalhes e na subjetividade das imagens: uma casa abandonada, totalmente destruída, com mato tomando o chão e as paredes tingidas de lama por completo; ou a parede de uma igreja, que conserva a pintura branca na metade superior e o tingimento da lama tóxica na metade inferior.
Em outra foto, a marca de lama em uma árvore ao lado da casa atingida pelos resíduos mostra a altura a que os detritos chegaram – mais altos que a construção arruinada. E a biblioteca soterrada sugere a ordem arruinada, principalmente levando em consideração a frase escrita na parede do local: “Aqui morreu uma biblioteca”.
Colapso e humanismo
Isis também fotografou os escombros de uma sala de aula, onde um globo terrestre está partido ao meio, caído ao chão. O país que se sobressai é o Brasil, de cabeça para baixo, cumpre dizer.
“Na série sobre a catástrofe de Mariana, que resultou na publicação ‘15:30’, Isis nos confronta não unicamente ao colapso do sistema de produção perante às urgências ecológicas com as quais a humanidade deve fazer face, mas coloca-nos em frente a urgência de humanismo e de empatia no mundo atual”, destaca Denise Zanet, diretora do Initial Labo Métropole e responsável pelo programa de mecenato que, desde 2018, ajuda a construir o acervo de fotógrafos brasileiros contemporâneos na BnF. Foi ela uma das responsáveis por selecionar as fotos de Isis.
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Além do trabalho da fotojornalista mineira, o acervo da instituição francesa também adquiriu obras de Carolina Arantes, Andrea Eichenberger, Rogerio Reis, Roberta Sant’Anna, Fernando Banzi, Livia Melzi, Ana Mendes, Pablo Pinheiro, Raphael Alves, Rodrigo Braga e José Diniz.