CINEMA

Cinebiografia de Charles Aznavour estreia no Brasil

Longa 'Monsieur Aznavour' tem Tahar Rahim ('O profeta', 'Napoleão') no papel do cantor, compositor e ator francês que vendeu 180 milhões de discos

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O personagem é fascinante. Teve uma infância muito pobre, mas cercada pelo afeto dos pais e da irmã, imigrantes armênios em Paris, e imerso num caldeirão cultural onde a música imperava. Iniciou muito cedo a carreira artística, mas demorou a alcançar o sucesso.

Antes de conquistar fama planetária, foi execrado pela crítica em seu país, que o via como baixinho demais (1,67m), feio demais (operou o nariz, cedendo às pressões) e com uma voz rouca demais e imprestável para o canto. Os insultos de todas as ordens eram constantes.

Viveu uma relação indefinível com Édith Piaf, o maior nome da canção francesa, de quem abria as turnês (sob vaias e muxoxos do público) e com quem morou por dois anos, na década de 1950. Quando morreu, em 2018, aos 94 anos, detinha a marca de 180 milhões de discos vendidos e uma respeitável trajetória como ator de cinema.

O ator é sublime. Desde que surgiu como “O profeta” (2009) no longa de Jacques Audiard, presenteia cinéfilos com performances em que veste à perfeição a pele dos personagens.

No entanto, a cinebiografia de Charles Aznavour com Tahar Rahim no papel-título – que estreia nesta quinta-feira (24/7) nos cinemas brasileiros – é decepcionante. Por uma simples razão: é difícil gostar do Aznavour que se vê na tela. O retrato que fica em “Monsieur Aznavour” é o de um homem acabrunhado (ou “eternamente insatisfeito”, como observa um dos personagens) e inteiramente obcecado pelo sucesso.

 


Ambição desmedida


No filme, a ambição do cantor e compositor se impõe acima de tudo. Acima de suas amizades – ele rompe o duo com o pianista Pierre Roche (Bastien Bouillon) para buscar a carreira solo, por sugestão de Piaf (Marie Julie Baup, excelente!), e depois rompe com Piaf, em nome da mesmíssima carreira solo.

Acima de suas relações familiares – ele não deixa de fazer show nem mesmo no dia da morte do filho, por suicídio. E acima de suas limitações físicas – amplia a tessitura de sua voz à custa de exercícios extenuantes e não desacelera o ritmo frenético nem quando está no auge e am, com receio de cair do topo. Faz tudo isso, torna-se imensamente rico e continua infeliz.

Não que “Monsieur Aznavour” tivesse a intenção de ser descortês com o biografado. Bem ao contrário. Segundo relatos da imprensa francesa publicados na época do lançamento europeu do longa, em 2024, a ideia de uma cinebiografia do artista partiu de seus filhos. E foi o próprio Aznavour quem indicou os diretores Mehdi Idir e Grand Corps Malade para o projeto, depois de ter visto o filme anterior da dupla, “Pacientes” (2016).

Ocorre que a tremenda ênfase na obstinação do cantor e compositor nubla pontos mais cativantes de sua personalidade. “Monsieur Aznavour” parece perseguir o sucesso com a mentalidade de um homem de negócios, não com a sensibilidade de um artista que soube como poucos respeitar seu ofício, o palco e o público que lhe deu fama e fortuna, além de incentivar novos talentos.

Mudança de nome

Apesar dessa falha estrutural, o longa tem qualidades suficientes para fazer valer a ida ao cinema, sobretudo a precisa escolha de aspectos da longa trajetória de Aznavour retratados nos cinco capítulos em que o filme se divide. A mudança do sobrenome Aznavourian para Aznavour, símbolo de uma relação de imigrantes com a França inscrita no que os franceses chamam de “tradição de assimilação”, é um deles.

Outro aspecto é a particularidade das letras de Charles Aznavour, que retiraram da “chanson française” sua excessiva formalidade e a revestiram com uma roupagem a um só tempo coloquial e elaborada – atenção à cena em que o artista expressa seu desagrado com o recurso dos “ lá, lá, lás” empregados por compositores que não sabem como terminar uma frase.

A desafiadora abordagem de temas-tabu ou escanteados pela música popular da época é representada por sua decisão de compor e gravar uma canção da perspectiva de um homem gay, “Comme ils disent” (1972). E, por falar nas canções de Aznavour, o filme tem belas cenas de algumas das mais famosas e significativas, como “Désormais”, “Je m’voyais déjà”, “La Bohème” e “Formidable”.

“Monsieur Aznavour” não se detém longamente no tema da relação do artista com mulheres, mas não evita deixar claro que ele foi um conquistador alheio à noção de fidelidade. Para as cenas de abertura e encerramento, os diretores escolheram trechos documentais – imagens que se referem ao êxodo armênio de 1915, no primeiro caso, e, no segundo, colagens de clipes que mostram pessoas comuns em capitais dos continentes em que Aznavour se apresentou, Rio de Janeiro incluído. Unem-se, assim, as pontas da origem trágica desse filho de sobreviventes que se tornou um símbolo cultura francesa de alcance mundial.

As imagens finais trazem o verdadeiro Charles Aznavour (1924-2018), sorridente e à vontade no palco. Provavelmente em desacordo com a intenção dos diretores, elas servem como um lembrete das razões pelas quais Charles Aznavour parece a uma legião de fãs uma figura muito mais agradável do que “Monsieur Aznavour”.

Pseudônimo trágico


O músico e cineasta Grand Corps Malade (Corpão Doente, em tradução livre), codiretor de “Monsieur Aznavour”, adotou esse nome artístico depois do acidente em que fraturou a coluna, ao mergulhar numa piscina rasa, durante um acampamento, em 1997, quando tinha 20 anos. O prognóstico é que não voltaria a andar. Ele recuperou essa capacidade depois de um ano de intensos cuidados de reabilitação, história que inspirou seu longa “Pacientes”. O pseudônimo refere-se ao acidente e à sua altura – 1,95m.


“MONSIEUR AZNAVOUR”
(França, 2024, 135 min.). Direção: Mehdi Idir e Grand Corps Malade. Com Tahar Rahim, Camille Moutawakil, Bastien Bouillon, Marie-Julie Baup. Estreia nesta quinta-feira (24/7), no Ponteio (Sala 2, 16h05 e 21h) e no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, às 20h10, nos dias 24/7, 26/7, 28/7 e 30/7).

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