CINEMA

Aos 92 anos, Costa-Gavras dá uma lição de vida ao filmar a morte

Em 'Uma bela vida', o consagrado diretor de "Z" e "Estado de sítio" aborda o envelhecimento e a finitude do ser humano com delicadeza e dignidade

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Costa-Gavras surgiu para o cinema mundial desafiando ditaduras, com filmes como “Z”, “A confissão”, “Desaparecido” e “Estado de sítio”. Sem oportunismos, foi odiado primeiro pela extrema direita, depois pela esquerda, fosse ela extrema ou não, pelas ditaduras latino-americanas, entre outros grupos.

Ele pode não ser o maior cineasta do mundo, mas sempre foi corajoso. Pode ter criado filmes polêmicos, mas nunca se disse que fosse desonesto. Mesmo quando atacou a Igreja Católica por sua relação com o nazismo, com o seu “Amém”.

Se existe, portanto, um cineasta capaz de encarar a proximidade da morte é ele, que, por sinal, já estava com mais de 90 anos ao completar este “Uma bela vida”. Por tudo que fez e até por suas virtudes morais, Costa-Gavras não merecia que seu filme fosse lançado no Brasil com este título não muito honesto.

O filme leva no original o mesmo título do livro em que é baseado, “Le dernier souffle”, de Claude Grande e Régis Debray (Debray, ele mesmo, o de “Revolução na revolução”), que poderia ser traduzido de modo mais confiável como, digamos, “O último suspiro”.

Nunca, em todo caso, por “Uma bela vida”, que deve levar algum espectador desprevenido a pensar que verá um filme cheio de alegria ou talvez a celebração de alguma vida célebre. Nada disso. “Uma bela vida” trata da morte, ou melhor: do envelhecimento em ritmo acelerado da humanidade e da necessidade de dar a quem está próximo da morte um tratamento digno.

Ou seja, estamos no território da medicina de cuidados paliativos, aqueles destinados a pacientes já próximos da morte. Na ficção, um escritor visita um especialista em cuidados paliativos. Enfrenta o mesmo terror que nós, espectadores, sentimos: não é fácil estar diante de uma pessoa que nada mais pode esperar da vida, senão uma morte com o menor sofrimento físico e psíquico possível.

Com alguma doçura, Costa-Gavras nos leva, aos poucos, a adquirir certa familiaridade com a especialidade e, de certa forma, com o espetáculo da morte próxima.

Afinal, como disse a sábia Rita Lee, da vida ninguém sai vivo (se não foi exatamente assim, a ideia era essa). Podemos nos ver em situações próximas dessas. E gostaríamos de ser cuidados por um médico como esse, se fosse o caso.

Provocação

Assim, Costa-Gavras passa, em parte, da sua habitual postura provocadora para um outro tipo de provocação: nos convoca a ver e a pensar naquilo em que, justamente, evitamos pensar.

Mas não chega a abandonar inteiramente o lado provocador: assim, coloca em questão não propriamente a medicina, mas uma parte dos remédios que usamos e que o Dr. Augustin Masset, vivido por Kad Merad, explica ao escritor Fabrice Toussaint, personagem de Denis Polalydès, o quanto podem ser inúteis aos pacientes e ótimos para os laboratórios que os fabricam.

No fim, este filme no princípio difícil revela-se capaz de envolver o espectador sem torná-lo voyeur da morte alheia, graças à delicadeza com que desenvolve o assunto. E esse exercício termina por ser terapêutico e útil para o espectador que se disponha a desafiar os próprios terrores.

“UMA BELA VIDA”

França, 2025, 99 min. De Costa-Gavras. Com Kad Merad, Denis Polalydès, Charlotte Rampling, Hiam Abbass e Ángela Molina. Até 6/8, sessões às 14h30, no UNA Cine Belas Artes (fechado às segundas-feiras). E às 15h e 17h, no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

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