O nome “Defesa do atrito”, que batiza a mostra em cartaz no Cine Santa Tereza, com sessões mensais promovidas pelo Cineclube Comum, diz muito da proposta que ela carrega. A ideia é apresentar obras raras, que atravessam diferentes gêneros, nacionalidades e épocas, valorizando a diversidade estética e apostando na fricção entre filmes e espectadores como espaço de reflexão e pensamento. Nesta terça-feira (1º/7), o público poderá conferir o longa “Revolution + 1”, de Masao Adachi.

O longa japonês, lançado em 2022, traz à tela uma narrativa ficcional sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe. Com estética que mistura crítica política, musical e teatro moderno, o filme tensiona os limites entre drama histórico e especulação poética. Como de praxe nas sessões da mostra “Defesa do atrito”, que está em sua segunda edição, um curta precede a exibição do longa, propondo um diálogo. O escolhido foi o mexicano “Abecedario/B”, do coletivo Los Ingrávidos.

Lançado em 2014, o filme é uma peça experimental que trabalha diretamente sobre a matéria do cinema, queimando fotogramas de trabalhadores em um gesto político e iconoclasta.

Helena Elias, programadora do Cineclube Comum, ao lado de Victor Guimarães e Fábio de Carvalho, destaca que é justamente no viés político que a sessão de julho se concentra. Ela diz que o curta e o longa seguem por caminhos distintos, mas carregam o mesmo teor.

“São gestos diferentes. 'Revolution + 1' tem um personagem principal e 'Abecedario/B' apenas manipula essa unidade mínima do cinema, que é o fotograma, algo essencialmente material, mas que contém muito de sugestão. São propostas diferentes, mas ambas têm a força de gerar um atrito, a não resposta automática por parte do público. Buscamos filmes que incitam algum tipo de conflito produtivo”, ressalta. Ela chama a atenção para o imediatismo muito próprio do filme de Adachi.

O longa foi produzido rapidamente após o assassinato de Abe, em julho de 2022: o primeiro rascunho do roteiro foi escrito em três dias, as filmagens foram concluídas em oito dias e um corte inacabado de 50 minutos do filme foi exibido em 26 de setembro de 2022, um dia antes do funeral de Abe. Esta é a primeira vez que o longa é exibido no Brasil. Helena destaca que o trabalho que já estava há algum tempo no radar do Cineclube Comum.

“Não é uma obra maniqueísta. O sentimento provocado pelo personagem retratado não é de identificação; não tem uma resposta fácil sobre quem matou o primeiro-ministro e fica no ar se o suposto assassino é um mártir, uma vítima ou um herói. Isso se dá pelo caráter ficcional que Adachi imprime ao filme”, diz.

As sessões da mostra “Defesa do atrito II” são sempre seguidas de comentários de um especialista. O cineasta João Dumans é o convidado de hoje à noite.

Experiência intrincada

“Temos o manifesto 'Defesa do atrito', um mote que pode ser elaborado de várias formas. Pensamos que o modo de exibição dos filmes nos festivais vai muito ao encontro do princípio da total adesão, de forma que eles realizam nossos ímpetos revolucionários por nós. O que a gente procura exibir tem um entrave, um labor maior com as fissuras, os problemas sociais. A presença desse debatedor tem a ver com isso: mediar essa experiência mais intrincada, abrindo para perguntas do público”, diz Helena.

Ela pontua que se o conteúdo político marca a sessão deste mês da mostra, os atritos defendidos em sessões anteriores foram outros.

“No início de junho, exibimos 'Eros' (Rachel Daisy Ellis, 2024), longa documental em que as pessoas se filmam em motéis. Foi uma sessão orientada pela chave do erotismo. Em maio, a sessão foi com 'Rodrigo D: no futuro' (Victor Gaviria, 1990), filmado na periferia de Bogotá, que mostra os limites entre o lúdico e o mortal da vida no subdesenvolvimento”, destaca.

Diretor Masao Adachi, de 86 anos, fez parte do movimento cinematográfico Nova Onda Japonesa

Collaborative Catalogue Japan/Masao Adachi/Acervo

Cineasta e guerrilheiro

Masao Adachi é um dos nomes mais importantes da chamada Nova Onda Japonesa, o movimento de renovação do cinema do país asiático, que contou também com nomes como Nagisa Oshima, K-ji Wakamatsu e Sh-hei Imamura.

Nos anos 1970, ele deixou de fazer filmes para se alistar no Exército Vermelho Japonês, e viveu por 28 anos no Líbano, colaborando com a Frente de Libertação da Palestina.

Preso e extraditado de volta ao Japão nos anos 2000, esteve na cadeia durante um ano e meio, e depois retomou a carreira cinematográfica. Diretor permanece impedido de sair do Japão por seu histórico de envolvimento com a guerrilha.

“DEFESA DO ATRITO II”

Mostra do Cineclube Comum, com exibição do curta “Abecedario/B”, do coletivo Los Ingrávidos, e do longa “Revolution + 1”, de Masao Adachi. Sessão nesta terça-feira (1º/7), às 19h, no Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza), seguida de debate com o cineasta João Dumans. Os ingressos podem ser retirados gratuitamente na plataforma Sympla ou na bilheteria do cinema 30 minutos antes do início da exibição.



compartilhe