Uma cantora lírica é encontrada morta de forma misteriosa em seu apartamento. Tudo indica assassinato. Os quatro suspeitos estão no salão de beleza do térreo e cada gesto deles deve ser observado com máxima atenção pelo público, tratado como testemunha ocular pelos investigadores.


Nesse jogo de detetive com a plateia, a solução do crime vai surgindo pouco a pouco. Essa é a premissa de “Corte Fatal”, versão brasileira da comédia de mistério “Shear madness”, de Paul Pörter, em cartaz em curta temporada no Cine Theatro Brasil, neste sábado (12/7) e domingo.


Escrita em 1963 pelo dramaturgo alemão, a peça estreou como drama psicológico nos palcos de Ulm. Só ganhou contornos cômicos em 1980, quando Bruce Jordan e Marilyn Abrams a montaram em Boston. O sucesso foi tão grande que o espetáculo permaneceu em cartaz até 2020, entrando para o Guinness como o não-musical de maior duração da história do teatro.


“Não é um sucesso à toa, é algo diferente de tudo que já foi feito”, afirma o diretor da montagem brasileira, Pedro Neschling. “A investigação avança de acordo com a participação do público e seus rumos mudam conforme a interação da plateia. Assim, o assassino pode mudar a cada apresentação”, explica.


Apesar da proposta interativa, “Corte Fatal” não expõe o público a constrangimentos. A participação se dá de forma leve, no coletivo da plateia, como uma brincadeira de detetive em que todos observam e opinam – quem quiser, evidentemente. Ninguém é forçado a interagir ou chamado ao palco.
Participam dessa brincadeira os investigadores Nicolas (Fernando Caruso) e Márcio (Paulo Mathias Jr.); o cabeleireiro Tony (Carmo Dalla Vecchia); a manicure Bárbara (Hylka Maria); os clientes Eduardo (Douglas Silva) e dona Meirelles (Cristiana Oliveira). Todos têm motivos de sobra para eliminar a vítima.

Salão na Floresta


O salão Corte Fatal, no Bairro Floresta, é o palco da trama – a localização é um artifício dos detentores dos direitos autorais para que cada montagem local provoque identificação no público. A plateia assume o papel de mais um cliente: acompanha conversas, aponta incongruências ou confirma álibis durante a investigação.


“É uma dinâmica divertida e engraçada. As pessoas ficam atentas a tudo”, conta Carmo Dalla Vecchia. “Em uma apresentação no Rio, meu personagem disse aos policiais que deixou o chapéu no cabide assim que abriu o salão. Na hora, uma mulher da plateia levantou e desmentiu, afirmando que o chapéu foi deixado ali por outro personagem”, relembra.


Carmo quase recusou o papel de Tony. Ao receber o roteiro – 250 páginas, sendo 30 só de marcações de cena –, desanimou com a perspectiva de decorar tanto texto. Foi para a primeira leitura sem conhecer uma única fala. No ensaio seguinte, porém, rendeu-se: “Não tinha jeito, o formato é maravilhoso e não poderia haver personagem mais adequado para mim: um ‘viado’ espalhafatoso, dono de salão de beleza”, diz, lembrando sua militância ativa pela causa LGBTQIA+, após declarar publicamente sua homossexualidade em 2021.


Improviso ensaiado


Embora a sensação que a peça transmita seja de improviso, cerca de 95% do texto e das ações são cuidadosamente ensaiados e marcados. Os atores passaram por treinamento intenso e constante para dominar todas as nuances da história, seus detalhes e as possíveis variações que podem surgir a partir das interações com a plateia.


Tal rigor foi fundamental para que o elenco se preparasse para o inesperado e conseguisse manter a narrativa coerente mesmo diante de perguntas, comentários ou reações diferentes do público.


A peça segue a proposta do dramaturgo e filósofo francês Denis Guénoun, que, na década de 1970, defendeu transformar espectadores em “expectadores”, pessoas em estado permanente de expectativa.


“O teatro é milenar, não nasceu agora. No entanto, a tecnologia avançou tanto que, hoje, não há nada mais moderno do que estar na presença de alguém de verdade, contando uma história naquele momento”, afirma o diretor Pedro Neschling.


“Essa interação torna o espectador ativo: ele não assiste a um relato dentro de um quadrado, como na TV ou num tablet – ele está lá, trocando energia com quem está no palco”, comenta.


“CORTE FATAL”
De Paul Pörter. Adaptação e direção: Pedro Neschling. Com Carmo Dalla Vecchia, Fernando Caruso, Douglas Silva, Paulo Mathias Jr., Hylka Maria e Cristiana Oliveira. No Cine Theatro Brasil (Av. Amazonas, 315, Centro). Neste sábado (12/7), às 21h, e domingo, às 19h. Ingressos à venda por R$ 80 (Plateias 1 e 2A / inteira), R$ 50 (plateia 2B / inteira), na bilheteria e no site Eventim. Meia-entrada na forma da lei. Mais informações: (31) 3201-5211.

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