Um recorte temporal. É o que propõe a cinebiografia “Um lobo entre os cisnes”, dirigida por Marcos Schechtman e Helena Varvaki, ao revisitar os anos mais decisivos da trajetória de Thiago Soares, um dos bailarinos brasileiros mais renomados do mundo.

O filme não se debruça sobre a infância do protagonista, nem explica a relação distante com os pais, tampouco aborda o que aconteceu ao longo de mais de duas décadas em que o carioca ganhou fama e rodou o mundo com sua arte.

Nada disso impede que o longa retrate com maestria os primeiros passos de Thiago na dança, sua relação determinante com o mentor e o início do estrelato internacional. Quem dá vida ao artista é o mineiro Matheus Abreu, de 28 anos. Natural de Ouro Branco, o ator ficou conhecido nacionalmente com o personagem Tato, de “Malhação – Viva a diferença” (Globo, 2017/2018).

Matheus conta que teve sua primeira experiência com o balé somente durante o teste para o filme. Thiago estava presente na audição e deu uma breve aula ao ator. Ensinou passos como o plié e o grand plié. Logo depois, a produção soltou uma música e pediu que ele improvisasse alguns movimentos.

Mas não foi só o balé, o mineiro também precisou aprender os fundamentos do break dance para compor a juventude de Thiago, quando dançava nos bailes do Viaduto de Madureira. “Hip hop e balé são formas de expressão corporal muito distintas, mas ambas dificílimas”, afirma o ator, que já havia se arriscado em aprender manobras radicais de bicicleta para interpretar seu personagem em Malhação.


Preparação


A audição ocorreu em 2017, mas as filmagens só começaram em 2023. O projeto enfrentou idas e vindas, devido à pandemia e a dificuldades de reunir o orçamento. Para Matheus Abreu, foram longos anos de preparação física e mental.

No início, mal conseguia encostar as mãos no chão sem dobrar os joelhos. Ele conta ter levado aproximadamente dois meses até que as dores provocadas pelos exercícios se tornassem suportáveis. “Trabalhar meu corpo foi um desafio imenso. Apesar de toda dor, consegui trazer isso para a minha vida de maneira muito prazerosa”, diz.

A entrada de Thiago no universo da dança seguiu caminhos pouco convencionais. Aos 12 anos, passou a integrar um grupo de dança de rua. Morando de favor nos fundos da casa de uma tia em Vila Isabel, precisava encontrar uma forma de ganhar dinheiro. Foi então que seu professor de break lhe indicou uma vaga em uma escola de balé como forma de garantir alguma renda e, talvez, mais disciplina. “Cê tá me chamando de ‘viado’?”, reagiu imediatamente ao ouvir a proposta.


Comportamento rebelde


Embora resistente à ideia, ele decide tentar, mas se espanta ao chegar à escola e ver homens usando collant. Musculoso e sorridente, chama a atenção tanto de meninos quanto de meninas. Porém, sempre muito teimoso, se recusa a usar o figurino, as sapatilhas, e não tem paciência para repetir incansavelmente os movimentos ensinados pela professora.


A virada acontece quando um coreógrafo cubano entra em sua vida. O que, a princípio, era apenas para conseguir alguma forma de renda, logo se transforma em fascínio. Com o equilíbrio e a força herdados do break dance, Thiago rapidamente se destaca naquele ambiente.

Sisudo e indecifrável, Dino Carrera (Darío Grandinetti) chega como um furacão para domar o dançarino. Ele acredita no potencial do jovem e vislumbra um futuro promissor para Thiago, mas impõe regras rígidas. Quer controlar o que ele come, quanto come, como dorme e até se transa ou não. Sempre com um charuto, um cantil em mãos e um forte sotaque espanhol, deixa claro que o mais importante para um bailarino ser bem-sucedido é a disciplina.

Antes de “Um lobo entre os cisnes”, Thiago já havia tido sua trajetória registrada nas telas no documentário “O primeiro bailarino”, de Felipe Braga. O foco ali era a apresentação que ele preparava para seu retorno aos palcos brasileiros em 2015.

O novo recorte surgiu logo na primeira conversa entre o artista e o diretor Marcos Schechtman. Soares sentia a necessidade de homenagear uma pessoa tão fundamental em sua formação. “Acredito que sou produto de muitas mãos, não só das dele. Mas aquele período foi realmente extraordinário. Ele chegou de forma autoritária, mas me queria para o mundo. Criou uma promessa no meu destino”, afirma.

Não se trata de uma versão adocicada da história. O início da relação entre os dois não foi fácil. Dino exige que Thiago viva para o balé, ensina modos, corrige a postura do menino e insiste em que ele se comporte com elegância até fora do palco. “A rebeldia em diálogo com a disciplina traz a singularidade do Thiago”, diz Marcos Schechtman.

O método funciona. Após meses de intenso treinamento, Thiago segue para a França e conquista a medalha de prata no Concurso Internacional de Dança de Paris. “Foi a medalha da minha vida. Quando subi naquele palco e dancei ‘O Corsário’, senti um brilho divino. Ali, a coisa virou pra mim”, relembra o bailarino.

Anos depois, Thiago Soares ganha a medalha de ouro no Concurso Internacional do Ballet Bolshoi, na Rússia, e recebe o convite para se mudar para a Inglaterra para compor o corpo do Royal Ballet, em Londres. Por lá permaneceu por 14 anos e atingiu um patamar de reconhecimento raro para qualquer artista.

“Lá fora ele tem a dimensão de um popstar. É uma febre”, comenta o diretor Marcos Schechtman. “Acho uma lástima que não conheçamos histórias tão incríveis de tantos brasileiros. A importância desse filme também está em falar dos nossos”, diz Matheus Abreu. Hoje, de volta ao Rio de Janeiro, Thiago Soares trabalha como coreógrafo e diretor artístico.

Matheus Abreu se preparou durante anos para o papel. Seleção ocorreu em 2017 e as filmagens, em 2023

lucas sadalla/divulgação

UM LOBO ENTRE OS CISNES”
(Brasil, 2025, 115 min). Direção: Marcos Schechtman e Helena Varvaki. Com Thiago Soares, Dario Grandinetti, Margarida Vila-Nova e Giullia Serradas. Estreia nesta quinta-feira (24/7) no UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 18h30).

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