“Não se afobe, não, porque nada é para já”, canta Chico Buarque em “Futuros amantes”. O verso inspira a dramaturgia de “Os arqueólogos”, peça escrita por Vinicius Calderoni, que ganha sua primeira montagem em Belo Horizonte pelas mãos da Cia Dois em Um. O espetáculo estreia nesta quarta-feira (30/7), na Funarte, e segue em cartaz até 5 de agosto.


Em cena, três arqueólogos tentam interpretar vestígios do nosso tempo. Narram, como locutores esportivos, cenas corriqueiras das pessoas que passam por um centro urbano. Na capital mineira, o ambiente pode ser associado à Praça Sete ou à Praça da Liberdade. As figuras observam o movimento do ambiente e, em determinado momento, passam também a interpretar os personagens que por ali circulam.


Apresentado pela primeira vez em 2015, “Os arqueólogos” rendeu a Calderoni o Prêmio APCA de Melhor Autor e virou livro publicado pela editora Cobogó. Também músico, o autor integra a banda 5 a Seco, conhecida por canções como “Pra você dar o nome”. Calderoni assina ainda textos premiados, como o musical “Elza”, inspirado na vida de Elza Soares (1930-2022), e o solo de Gregório Duvivier “Sísifo” (2020).


Em Belo Horizonte, o texto ganha vida com Dê Jota Torres e Lucas Prado, fundadores da Cia Dois em Um, criada em 2020. A direção é de Rogério Lopes, professor do Teatro Universitário da UFMG. “É um texto muito poético e, ao mesmo tempo, muito engraçado. É como se estivéssemos nos estranhando e nos reconhecendo ao mesmo tempo. A gente se vê ali”, comenta o diretor.


Autores vivos


Lopes foi professor de ambos na graduação e dirigiu os dois espetáculos anteriores da companhia, “Teatro decomposto” e “A língua do fogo”, também baseados em textos de autores contemporâneos. “Nos interessamos por autores que estão vivos e refletindo sobre o mundo de hoje”, observa Dê Jota.
A conexão com “Os arqueólogos” veio através de uma pesquisa por dramaturgias contemporâneas. “Quando lemos o texto, dissemos: precisamos montar isso”, conta o ator. O processo de montagem começou no início do ano e se desenvolveu ao longo do semestre.


Em cena, fragmentos do cotidiano ganham contornos poéticos. Sob a lupa desses arqueólogos, situações simples, como um senhor que alimenta os pombos ou um pai ensinando o filho a fotografar com uma câmera analógica, revelam novas camadas do dia a dia.


“Esses arqueólogos são, na verdade, observadores. Estão ali como voyeurs, captando tudo o que se passa na praça”, explica Dê Jota. “Eles nos fazem perceber a grandeza do que é íntimo. Vivemos em um mundo apressado e, muitas vezes, deixamos de notar a poesia que existe no momento presente.”
Para Rogério Lopes, humor e poesia caminham juntos no espetáculo. “São elementos que surgem justamente quando a gente reconhece as nossas mazelas e dificuldades, mas sem se vitimizar ou ter pena de si mesmo. É sobre entender quem somos, com nossas potências e também com as nossas fragilidades”, afirma.


Pianista


A montagem da Cia Dois em Um traz uma novidade em relação à versão original, a presença de um terceiro integrante em cena. O pianista João Pedro Vasconcelos, que assina a direção musical, acabou se tornando também um personagem do espetáculo. “O piano não está ali apenas para ilustrar com música. Ele participa ativamente da dramaturgia, cria ambientações, sonoplastias, tensiona e comenta a cena. É uma voz viva no espetáculo”, afirma Dê Jota.


Ainda segundo o ator, o texto propõe um convite para observar o momento presente com mais atenção e sensibilidade. Os personagens observam a sociedade não apenas para entendê-la, mas também para refletir sobre si mesmos.


“É um espetáculo que não tenta resolver os problemas da humanidade. O teatro não tem essa função, mas ele pode lançar luz sobre esses pequenos momentos que compõem a vida e dizem muito sobre quem somos e como existimos no mundo”, afirma. “É uma viagem ao futuro do nosso presente”, resume Lopes.


“OS ARQUEÓLOGOS”
De: Vinícius Calderoni. Direção: Rogério Lopes. Com Dê Jota Torres, Lucas Prado e João Pedro Vasconcelos. Desta quarta-feira (30/7) a 5/8, sempre às 20h30, na Funarte MG (Rua Januária, 68 – Centro). Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda no Sympla.

compartilhe