Adélia Prado lança ‘O Jardim das Oliveiras’, com 105 poemas inéditos
Obra da poeta mineira chega às livrarias no próximo dia 8/9 e reúne produção feita entre os anos 1960 e 1980, com reflexões sobre o tempo, a vida e o fim dela
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Aos 89 anos, Adélia Prado surpreende como influenciadora digital. No Instagram, onde soma cerca de 121 mil seguidores, a poeta de Divinópolis aparece em vídeos curtos declamando poemas de sua autoria e respondendo perguntas do público. Chega de tudo para ela: curiosidades sobre sua vida, reflexões existenciais e até mesmo questões de fé, como qual seria o seu salmo preferido.
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“Um dos que eu acho mais impressionantes é o salmo 50, que começa assim: ‘Pequei, Senhor, misericórdia’. E, no desenvolvimento, tem um verso que diz: ‘Livra-me da memória do pecado em meu espírito’”, contou em uma das publicações. “Eu queria ter escrito isso, porque a memória do crime praticado é pior do que o crime. O perdão pleno é esse que nos livra da memória do crime”, disse.
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Essa dimensão espiritual sempre permeou sua obra e também está presente em seu novo livro, “O Jardim das Oliveiras”, que reúne 105 poemas inéditos. O título marca o fim de um jejum de 12 anos sem lançamentos de poemas inéditos e será publicado pela Editora Record em 8 de setembro – já em pré-venda no site da Amazon. Foi pelas redes sociais que Adélia mostrou, em primeira mão, o exemplar impresso.
Três temas
Ao longo de 144 páginas, a autora reafirma sua habilidade de transformar vivências cotidianas em experiência universal. Os poemas giram em torno de três eixos centrais – o corpo, a espiritualidade e o dia a dia –, mas, desta vez, em tonalidade mais melancólica. Isso é reforçado pelo peso simbólico do título: no contexto bíblico, o Jardim das Oliveiras foi o lugar onde Jesus se retirou para rezar e meditar antes da Paixão, transformando-o em símbolo de aflição e vigília.
Adélia revisita suas próprias memórias sob esse prisma de reflexão e expectativa. Ela volta o olhar para o passado com uma consciência ainda mais aguda da finitude, como se cada lembrança fosse também um gesto de despedida e de gratidão. O curioso é que os textos foram escritos entre as décadas de 1960 e 1980, mas nunca haviam sido publicados, por ela acreditar que não estavam maduros o suficiente.
Tal excesso de zelo, contudo, revela um engano da poeta. Seus versos estão amadurecidos e chegam ao leitor como orações. Em “Uma história com refrões”, por exemplo, ela faz uma sinopse de sua vida num formato semelhante ao dos salmos – parece até haver um coro que responde “oh! vida maravilhosa!”. Já em “A caçadora”, Adélia enxerga Deus nos mínimos detalhes e se mostra confiante na Divina Misericórdia (“De seu trono, Deus nos olhava tomando conta de nós”).
Obras anteriores
Não se trata de um livro de oração, porém. Assim como fez em suas obras anteriores – “Bagagem” (1976), “O coração disparado” (1978), “Terra de Santa Cruz” (1981), “O pelicano” (1987), “A faca no peito” (1988), “Poesia reunida” (1991), “Oráculos de maio” (1999), “A duração do dia” (2010) e “Miserere” (2013) –, Adélia divide “O Jardim das Oliveiras” em partes.
No início, são trabalhadas memória e espiritualidade. E, na última seção, os poemas funcionam como reflexões da autora a respeito de questões existenciais, como em “Morrer” (“O que chamamos de morte / são os passos do noivo na antessala. / Ela fica de fora, / não participa de núpcias, / gera medo porque não existe. / Vive de seu fantasma / até que tudo que pulsa / anuncie seu óbito”). Em poucas linhas, a mineira ecoa a filosofia de Epicuro, insinuando que a morte só existe enquanto fantasma; o que pertence ao ser vivo, de fato, é o instante que pulsa – a vida, inteira e indomável, até que se anuncie o silêncio.
Adélia venceu no ano passado o Prêmio Camões – o mais importante reconhecimento da literatura em língua portuguesa. O anúncio veio uma semana depois de ela ter recebido o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), que também distingue autores pelo conjunto da obra.
“Estava ainda comemorando o recebimento do Prêmio Machado de Assis, da ABL, e agora estou duplamente em festa”, escreveu, em texto divulgado à imprensa na época. “Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de olhar formigas trabalhando. O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama”, acrescentou, repetindo depoimento dado à revista “Poesia Sempre”, em 1997.
Descrita por Carlos Drummond de Andrade como “lírica, bíblica e existencial”, Adélia é dona de uma obra potente, que cativou diferentes gerações. “O Jardim das Oliveiras” mantém seu alto nível de produção. Ao transformar memórias em oração e o cotidiano em eternidade, ela reafirma a força de uma poesia que continua a surpreender e a comover.
Afinal, como disse ao EM no início deste ano, a poeta acredita que “o autor escreve sempre o mesmo livro. Trata-se de uma única vida, uma única pessoa, uma única memória. No tempo cósmico escrevemos um único poema”.
“O JARDIM DAS OLIVEIRAS”
• De Adélia Prado
• Editora Record
• 144 páginas
• Disponível a partir de 8 de setembro, mas já em pré-venda no site da Amazon, por R$ 59,90.