LITERATURA

‘Falar menos é um tipo de proteção’, diz autora de livro sobre milícias

Cecília Olliveira, que escreveu ‘Como nasce um miliciano’, comenta o processo de apuração e escrita da obra nesta terça-feira (26/8), em Belo Horizonte

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“Este não é um livro só sobre bandidos.” A afirmativa é a introdução de “Como nasce um miliciano”, obra de estreia da jornalista Cecília Olliveira, que será lançada em Belo Horizonte nesta terça-feira (26/8), na Livraria Jenipapo. No livro, a autora destrincha a rede criminosa da milícia e busca entender o que leva um homem a se tornar aquilo que jurou combater.


A jornalista faz isso ao mesmo tempo que deixa claro: essa organização, formada em sua maioria por agentes públicos, não é um poder paralelo, mas o Estado funcionando em prol de benefícios privados.


A obra se desenrola a partir da análise de uma operação policial em Itaguaí, na Baixada Fluminense, em outubro de 2020, que deixou 12 mortos. Entre as vítimas, está o ex-militar e líder miliciano Carlos Eduardo Benevides Gomes, conhecido como Cabo Bené, de quem Olliveira esmiúça a trajetória e a usa como fio condutor do livro.


Na entrevista a seguir, ela fala sobre o processo de escrita de seu livro de estreia e a relevância do tema para além do Rio de Janeiro.

Como foi o processo de escrever um livro pela primeira vez?
Foi um processo de desaceleração e de aprendizado. No jornalismo diário, a gente lida com o imediato: pública, atualiza, avança. No livro, precisei mergulhar, voltar, reconstruir. Demorei mais tempo checando do que escrevendo.

Cada linha que está ali precisou ser avaliada não só pela apuração, mas pelo risco que ela poderia representar para mim e para as fontes. Tive que tomar decisões difíceis, inclusive de deixar informações de fora — não por falta de comprovação, mas por questões de segurança.

E ao mesmo tempo, foi muito bom poder contextualizar o que normalmente fica de fora da notícia. Explicar, apontar conexões, desnaturalizar discursos. Foi também uma experiência de escuta — das fontes, dos documentos, das ausências. E de muito silêncio: porque em temas como esse, falar menos também é um tipo de proteção.

Com tantos milicianos e ocorrências proeminentes envolvendo essa rede criminosa, como se deu a escolha de usar a trajetória do Cabo Bené como fio condutor?
O Cabo Bené não era só mais um soldado da milícia – ele foi peça estratégica na expansão do sistema de franquias do Bonde do Ecko, o grupo miliciano mais poderoso do Rio de Janeiro até 2021.

A atuação dele em Itaguaí ajudou a consolidar o modelo de negócios que transformou a milícia numa verdadeira “empresa do crime”: com estrutura, divisão de lucros, rede logística e plano de crescimento.

Ele operava sob a lógica de mercado, mas com respaldo da farda, dos contatos institucionais e da conivência do poder público. Escolher o Bené como fio condutor foi uma forma de ilustrar que a milícia não é um desvio, mas uma trajetória possível – e até previsível – dentro das estruturas do Estado.

Ele sintetiza a lógica central do livro: um policial que não rompe com a instituição, mas que avança justamente por conhecer e dominar seus mecanismos.

Você afirma que a milícia é um modelo de negócio em expansão. Essa deveria ser uma pauta de preocupação e discussão em outros estados além do Rio de Janeiro?
Sim, e esse é um dos pontos centrais do livro. O modelo de franquia que o Bonde do Ecko consolidou, com participação direta de figuras como o Cabo Bené, transformou a milícia num negócio escalável. Havia metas, organograma, controle financeiro e divisão de territórios com base em eficiência operacional.

Isso cria um sistema fácil de exportar. Hoje já há registros de estruturas similares em estados como Pará, Amazonas, Bahia, Ceará, Paraíba e Pernambuco. O que se replica não é só a violência, mas a lógica de ocupação territorial com cobrança por serviços essenciais, controle político local e infiltração institucional.

Onde o Estado está ausente – ou presente de forma corrompida – esse modelo se instala com facilidade. Tratar isso como um “problema do Rio” é fechar os olhos para uma engrenagem que já está em curso no restante do país.

Você menciona no livro os riscos que acompanham a investigação da milícia e outras redes criminosas. Do ponto de vista da sua segurança, como foi o processo de apuração para o livro? Quais foram os principais cuidados?
A segurança foi parte central do processo. O risco não é teórico. Ele é real. A milícia monitora, controla territórios, impõe silêncio. Nas áreas onde atuei, precisei adotar protocolos rígidos. Nunca ia sozinha.

Marcação de entrevistas acontecia em locais seguros, em horários estratégicos. Algumas fontes só falavam a muitos quilômetros de onde moravam. Outras só aceitavam por meio de intermediários. Além disso, adotei ferramentas de criptografia, evitei exposição nas redes, tive apoio de advogados e colegas para checar cada dado.


REPÚBLICA JENIPAPO
A escritora Cecília Olliveira é a convidada do mês do projeto. Ela debate com as pesquisadoras Ludmila Ribeiro e Anna Carolina Viana, nesta terça-feira (26/8), às 19h, na Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi). Entrada franca.

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