Dori Caymmi lança 'Utopia' e faz 82 anos, desanimado com 'Brasil enfermo'
Cantor e compositor diz que criar o mantém vivo, dedica novo disco ao letrista Paulo César Pinheiro e inaugura parcerias com Sérgio Santos e Ivan Lins
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Siga noPoderia ser um presente para si mesmo, mas é a Paulo César Pinheiro que Dori Caymmi dedica seu novo álbum, “Utopia”, que chega às plataformas nesta terça-feira (26/8), data em que completa 82 anos.
O disco reúne 10 faixas – nove inéditas e a regravação de “Ninho de vespa”, contando com participações especiais de Mônica Salmaso, MPB-4, Boca Livre, Ivan Lins e do mineiro Sérgio Santos – os dois últimos estreando como parceiros de Dori.
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Sete músicas levam as assinaturas de Dori e Pinheiro, amigos e colaboradores há 55 anos. Além de “Pelas mãos de algum poeta”, com Sérgio Santos, e “Isabela”, com Ivan Lins, o álbum traz parceria de Dori com Roberto Didio em “O nome da moça”, que conta com a voz de Mônica Salmaso.
Jurim Moreira, Itamar Assiere, Paulo Aragão, Iura Ranevsky e Jorge Helder, que responde pela produção, são os instrumentistas do álbum.
Levada de frevo
“Musiquei seis poemas que Paulinho me mandou, e já tinha 'Ninho de vespa', nossa, que eu quis agora gravar da maneira mais pernambucana possível, numa levada de frevo. Chamei o MPB-4 e o Paulinho Pauleira fez um arranjo muito bonito”, conta Dori.
Boca Livre soma forças em “Búzios azul”, com arranjo vocal de Maurício Maestro. “Quando faço uma música, já vejo o todo, vejo o cantor, fico examinando com quem poderia ficar bem”, diz.
As participações especiais, com exceção de Ivan Lins, estão presentes na faixa “Viageiro”. “Essa tem um refrão que Paulinho escreveu e achei que precisava de coro, aí aproveitei e juntei todo mundo”, explica Dori.
Desânimo
O título do álbum reflete o desalento do cantor e compositor diante do atual panorama da música brasileira. Dori evoca o velho parceiro falar desse desânimo.
“Compartilhamos leituras de Guimarães Rosa, Jorge Amado, Adonias Filho, Palmério Dória e também gostos musicais. Temos, eu e Paulinho, inspiração nesse Brasil que parece não existir mais. As pessoas me chamam de reacionário, porque convivo mal com este país novo, da internet, um pouco distante do que eu pensava que o Brasil poderia vir a ser. Digo sempre que este não é o Brasil que me prometeram”, lamenta.
Fazer um álbum como este é uma aventura utópica, acredita Dori. Para ele, sua música está sumindo do panorama cultural.
“No carnaval de rua toca Beatles, sertanejo. Então, aquelas formas musicais todas a que estávamos acostumados já não existem mais, é difícil encontrar. Não convivo bem com essa coisa nova, talvez pela idade; estou me tornando um velho ranzinza”, diz.
O incômodo não se limita à música e não diz respeito apenas ao Brasil. Para ele, o problema está na velocidade da comunicação, no achatamento das ideias e no acirramento dos ânimos.
“Influências existem, mas cópias me incomodam muito. O que está acontecendo são modismos muito comerciais. A música está enferma, porque o Brasil está enfermo, o nosso Congresso é um Congresso enfermo, as famílias estão divididas, gestando ódio, com as pessoas brigando. Na minha, inclusive, acontece isso, com muitas opiniões divergentes. Isso é no mundo todo, com esses demônios Putin, Netanyahu”, diz.
Dori Caymmi busca refúgio em sua própria música e na de seus pares. “O que me mantém vivo é essa coisa de criar. Lançar 'Utopia' é saber que estou vivo. Não sou homem de palco, não é meu lugar, então não pretendo entrar nessa de despedida, até porque também nunca fui dado ao marketing e coisas assim. Lançar discos me dá a segurança de que estou lúcido. Luciana (Rabello, mulher de Paulo César Pinheiro) diz que estou lúcido e nítido”, comenta.
“Saudade e memória”
Dori Caymmi não gosta de admitir que é saudosista, mas não hesita em dizer que o Brasil de outrora lhe interessa mais. Ele expressa seus interesses no “programa” intitulado “Saudade e memória”, em que fala de personalidades de diferentes áreas que tiveram importância no cenário cultural brasileiro ou, como diz, pessoas que valeram a pena.
Trata-se de pequenas pílulas que sua mulher, Helena, grava e posta em seu perfil no Instagram. Nos últimos, Dori fala do arquiteto Oswaldo Bratke, da atriz Tônia Carrero e do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues.
As gravações ocorrem na rotina tranquila na Serra de Petrópolis (RJ), onde o casal mora atualmente, “no meio do mato, cercado de saracuras e jacus, com um riozinho que passa atrás da casa”, descreve o filho de Dorival Caymmi.
“UTOPIA”
• Álbum de Dori Caymmi
• 10 faixas
• Biscoito Fino
• Lançamento nesta terça-feira (26/8) nas plataformas