Atriz cozinha ao vivo em ‘Enluarada’ e serve galinhada no fim da peça
Caísa Tibúrcio apresenta o espetáculo neste sábado (30/8) e domingo, em BH; na sexta (29/8), ela participa de mesa sobre gastronomia com a chef Márcia Nunes
compartilhe
Siga no
O cenário do palco emula a cozinha acolhedora de uma casa típica do interior mineiro. Pratos esmaltados, panelas de ferro, gamelas de madeira e um copo lagoinha com um líquido incolor lembrando cachaça transportam o público para um tempo indefinido, que pode ser tanto um passado distante quanto o instante presente.
Leia Mais
No centro dessa cozinha, uma mulher prepara uma galinhada, enquanto narra a história de sua família, ambientada em uma Minas Gerais semelhante à descrita por Guimarães Rosa.
Trata-se do monólogo “Enluarada – Uma epopeia sertaneja”, de Caísa Tibúrcio, em cartaz neste fim de semana no Galpão Cine Horto. As apresentações de sábado (30/8) e domingo integram a programação do projeto “SerTão a Gosto”, da companhia brasiliense Casulo Teatro, que propõe unir ações gastronômicas e culturais.
Além do monólogo, a iniciativa conta com mesa gastronômica, nesta sexta-feira (29/8), às 20h, com a participação da chef e historiadora Márcia Nunes, do Restaurante Dona Lucinha.
História dos avós como inspiração
Transitando entre memória e autoficção, “Enluarada” traz Caísa Tibúrcio como narradora da história da jovem Maroca e de seu grande amor, Heitor, vaqueiro e violeiro. Em certa medida, os dois personagens mimetizam a figura do avô e da tia-avó da atriz, que nasceram e viveram na zona rural de Patos de Minas, no Triângulo Mineiro – ao longo da vida, enfrentaram situações adversas, daí a escolha do termo “epopeia” para o título do espetáculo.
Grande parte das narrativas apresentadas em cena foi extraída do diário da tia-avó, datado de 1940 e preservado pela família. “Ela sofreu muito. Era epilética numa época em que a epilepsia era um grande tabu. Na fazenda onde morava, havia uma casinha separada para ela”, conta Caísa.
A tia-avó, no entanto, tinha inteligência incomum. Autodidata, alfabetizou todos os 12 irmãos e os funcionários da fazenda. No tempo livre, dedicava-se a costurar, pintar e bordar. “Dizem até que ela era visionária no sentido espiritual. Via coisas que aconteceriam no futuro. Muita gente ia atrás dela pedir bênção”, conta a atriz.
Já o avô, inspiração para o personagem Heitor, era descrito como um homem bonito e charmoso, que andava a cavalo com capa preta e chapéu de couro. Apesar do porte, mantinha hábitos caipiras. Almoçava de cócoras, trabalhava no campo e se envolvia em brigas constantes com vizinhos que exploravam minas de ouro na região.
Histórias contadas
Heitor acreditava que essas pessoas eram seres fantásticos. Chamava-os de “anões peludos”, moradores das cavernas. Anos depois, descobriu-se que eram mineradores e seus familiares, muitos afetados pelo bócio – distúrbio causado pela deficiência de iodo, que leva ao aumento da glândula tireoide e, em crianças, compromete o crescimento.
Essa e outras histórias são apresentadas por Caísa sob a perspectiva do efeito de distanciamento, conceito de Bertolt Brecht que busca impedir a identificação imediata e emocional do público com a cena, convidando-o a observar criticamente o que está em jogo.
“‘Nada melhor para defender um pensamento do que uma boa história’, dizia Brecht. Eu me apego a isso, principalmente hoje, quando muitas vezes o teatro é limitado a um espaço de discursos voltados a pautas específicas. Acho importante abordá-las, mas, particularmente, prefiro a força narrativa para tocar o público e transmitir mensagens”, afirma a atriz.
Espaço da cozinha
“Enluarada – Uma epopeia sertaneja” já provocou incômodos em alguns espectadores, incluindo militantes feministas, pela imagem inicial da personagem – uma mulher na cozinha. Tal interpretação, no entanto, ignora a proposta do monólogo: oferecer, sob uma perspectiva decolonial, uma visão do interior brasileiro.
Caísa até faz concessões. Diante de passagens marcadas por racismo ou machismo, ela “abre parênteses” para frisar que tais pensamentos não condizem com a sociedade que se deseja construir hoje.
A cozinha, ela explica, foi escolhida por ser um espaço afetivo e de partilha. “No Brasil e, especialmente, na cultura mineira, os encontros e reuniões familiares giram em torno da comida. A comida é expressão de carinho, e recusá-la pode ser até uma ofensa. Então, se vou contar uma história familiar, precisa ser na cozinha”, diz.
E, como manda o ritual da cozinha, o prato precisa ser servido. Assim, ao fim da narrativa e da galinhada que prepara em cena, a atriz oferece a comida ao público, celebrando com ele o encontro que o teatro proporciona.
MESA GASTRONÔMICA
Na mesa gastronômica desta sexta-feira (29/8), às 20h, a chef e historiadora Márcia Nunes, que comanda a cozinha do restaurante Dona Lucinha, vai bater um papo com a atriz Caísa Tibúrcio, com mediação do jornalista e crítico Guilherme Lobão. Enquanto conversa, Márcia preparará um feijão tropeiro – com versão vegana do prato – para ser servido ao público no final da mesa redonda. O bate-papo tem entrada franca, mediante retirada de ingressos na bilheteria do Galpão Cine Horto, a partir das 19h.
“ENLUARADA – UMA EPOPEIA SERTANEJA”
Monólogo integra o projeto “SerTão a gosto”. Concepção, direção e atuação: Caísa Tibúrcio. Neste sábado (30/8), às 20h; e domingo, às 19h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto). Entrada franca, mediante retirada de ingressos uma hora antes do espetáculo na bilheteria do teatro.