Fliparacatu: crianças e o mundo dos livros são destaque em festival
Escritores animaram multidões de alunos do município em oficinas; mais tarde, familiares levaram os pequenos para se aventurarem na literatura
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Siga noNas últimas horas da manhã, um mar de pinguinhos de gente, todos com uniformes escolares combinando, alguns de camisa branca e short laranja, outros de azul e preto, ocupou a Praça Ademar da Silva Neiva, no centro histórico de Paracatu, eufóricos com o que iriam assistir nos minutos à frente. E essa agitação perdurou durante a apresentação das escritoras Alessandra Roscoe e Silvana Gontijo, que, nesta quinta-feira (28/8), segundo dia do Festival Internacional de Paracatu (Fliparacatu), regaram as sementinhas plantadas nas referidas crianças, futuras leitoras — e, por que não, atuais também.
Ao longo dos cinco dias de festival, as crianças são acolhidas logo cedo pela programação voltada à literatura infantojuvenil, com contação de histórias, oficinas e um prêmio de redação, escrito por alunos da cidade e que será entregue na manhã de sábado. O tema escolhido para nortear os textos foi “A literatura na encruzilhada: o valor do livro e do escritor na vida de um país”.
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A curadoria da sessão do festival voltada aos infantes foi realizada pelo jornalista e escritor Léo Cunha, referência na literatura infantojuvenil e autor de diversos livros selecionados em programas governamentais de estímulo à leitura. “Um dos papéis de um evento como esse é encantar as crianças pela literatura, pelas histórias, pelos poemas e até mesmo pelos autores. Mostrar como esse universo da literatura é rico e fascinante. Só encantando essas pessoas e fazendo-as ficarem interessadas pelos livros é que elas vão se tornar leitores e seguir pela vida afora lendo livros”, explica o curador.
A avaliação de Léo é que, para além do nome, a literatura infantil deve ser pensada para além da criança, pois adultos também são impactados pelas obras, alcançando camadas de interpretação diferentes das mais novas. “Sem essa complexidade, vira um texto muito banal. É o que a gente considera uma literatura infantil mais frágil, que não tem essa mesma capacidade de fascinar e de conquistar novos leitores adultos no futuro”, detalha.
Agentes de transformação
A curadoria dos escritores infantojuvenis, explica Léo, levou em conta não apenas a qualidade das obras, mas também a habilidade de entreter e animar as crianças na plateia. E, na seleção, calhou de ser convidada a escritora Silvana Gontijo que, com seu painel dedicado às águas e à natureza, levou centenas de alunos das escolas de Paracatu a pensar sobre os rios da cidade. Além dessa bandeira, presente em seus livros, Silvana tem o cuidado com a natureza como objeto de ações práticas em outros projetos. A escritora, belo-horizontina, crescida em meio às águas que cortavam o Bairro Serra, hoje promove o programa “Esse Rio É Meu”, presente em escolas da rede municipal de ensino no Rio de Janeiro, e que está em expansão pelo Brasil.
Segundo ela, um dos objetivos do programa é colocar as crianças como protagonistas no processo de transformação da natureza — para além de se preocupar com o futuro mostrado nas aulas, que os mais novos possam ser agentes da mudança na própria comunidade. “A gente já limpou alguns rios e algumas praias. Rios que desaguavam sujos hoje desaguam limpos. A coisa mais bonita é quando eles descobrem que aquele valão, aquele lixão, foi um rio um dia, e eles querem que volte a ser. O nosso programa convida as escolas a chamarem os idosos do território para contarem sua experiência com aquele rio. E aí as crianças começam a querer que ele volte a ser daquele jeito, mesmo que hoje esteja completamente degradado”, relata.
Para hastear a bandeira da natureza nas crianças, Silvana criou a chamada “Turma do Planeta”, personagens presentes em suas obras e construções lúdicas para prender os mais novos no mundo da literatura — papel que, conforme ressalta, cabe também às famílias. “Os pais me perguntam como introduzir os filhos nos livros e eu respondo que é desde que a criança nasceu. Porque o bebê, se você traz para o colo e lê uma história num livro, mesmo que ele não entenda o significado, vai perceber que o objeto livro está associado a carinho, afeto e acolhimento. Então, o objeto livro sempre vai remeter a ela uma sensação de prazer”, defende.
Dentro e fora da escola
Pela tarde, as filas indianas conduzidas pelas professoras são substituídas por famílias levando os pequenos para o festival. Eventos como este são uma forma de movimentar a cidade e mostrar às crianças a importância da literatura — no mundo dos adultos e no mundo delas.
A professora de língua portuguesa no ensino fundamental Nadja Helena Rodrigues, de 50 anos, vivencia com afinco os desafios de introdução das crianças na literatura devido ao seu trabalho. “Eu acho que estes festivais são uma forma de divulgar a literatura e trazer para pessoas que não têm esse contato. Eu falo pelos meus alunos da zona rural. É um contato que eles não têm normalmente”, narra.
A educadora acompanhou a neta Lilian Rodrigues, de 8 anos. Com sacolas de papel nas mãos, as duas fizeram a festa na livraria do festival. Com quatro novos livros para brincar, a pequena preferiu escolher os de contos de fada — seu tipo favorito. “Eu gosto normalmente de livros que as pessoas ‘vai’ (sic) brincar. Que elas também têm poder, conseguem voar. É muito legal”, conta.
Na escola de Lilian não há biblioteca. A avó conta que nenhuma instituição de ensino da cidade possui o equipamento, sendo que tudo se concentra na biblioteca municipal. O que há nas escolas são espaços de leitura, nos quais os professores buscam estimular os alunos a mergulharem nos livros e manter esse hábito em casa, longe dos celulares. “Este ano eu levei meus alunos à biblioteca municipal para conhecer e fazer a fichinha. Inclusive, alguns pais levaram depois para trocar esses livros, pegaram outros e fizeram fichas. Foi um incentivo muito legal”, relata a professora.
A pequena Lilian, ávida leitora e tão bem introduzida à literatura, deixa um recado para as crianças: “Às vezes, quando você fica ‘com muito celular’ (sic), fica chato. Aí, é bom prevenir, ter livro, porque aí tem outra coisa para fazer. Ter brinquedo, ter livros, ter muita coisa legal”.
*O repórter viajou a convite da Kinross, patrocinadora do Festival Literário de Paracatu (Fliparacatu) via Lei Federal de Incentivo à Cultura.